Opinião

“O Último Samurai”: Tradição em Conflito com a Modernidade e a Força da Honra 

O filme O Último Samurai (2003), dirigido por Edward Zwick e protagonizado por Tom Cruise e Ken Watanabe, é uma poderosa narrativa que vai além do conflito físico entre soldados japoneses e estrangeiros.  

Trata-se de um retrato sensível e grandioso sobre o choque entre a modernização forçada do Japão no século XIX e os valores milenares de honra, lealdade e disciplina dos samurais. Nesse embate simbólico, a obra convida o espectador a refletir sobre a perda de identidade cultural em nome do progresso, revelando os efeitos devastadores da ocidentalização imposta e da guerra como instrumento de interesse econômico. 

A trama se passa durante a Restauração Meiji, período em que o Japão rompe com o feudalismo e busca se modernizar a partir de modelos ocidentais, especialmente norte-americanos. Nesse contexto, o capitão Nathan Algren (Tom Cruise), veterano da guerra civil americana e atormentado por traumas de batalhas, é contratado para treinar o exército imperial japonês. Ao ser capturado pelo inimigo, ele entra em contato com a cultura samurai e desenvolve profundo respeito por seus princípios, especialmente através da figura de Katsumoto (Ken Watanabe), um líder que encarna a honra e o espírito de sacrifício de seu povo. 

O ponto alto do filme é, sem dúvida, o respeito mútuo que nasce entre dois homens de mundos diferentes, mas que encontram um terreno comum na busca por propósito, dignidade e sentido. O personagem de Algren representa o homem ocidental em crise moral que se reencontra ao absorver valores orientais que exaltam o coletivo, a espiritualidade e o equilíbrio. Katsumoto, por sua vez, simboliza a resistência diante da destruição cultural que a modernidade cega impõe, lutando não apenas com espadas, mas com convicção. 

Do ponto de vista técnico, O Último Samurai é impecável. A direção de Edward Zwick é cuidadosa ao construir uma atmosfera épica sem abrir mão da sensibilidade. A fotografia de John Toll é deslumbrante, especialmente nas cenas em que a natureza é usada como metáfora do tempo que passa e das tradições que resistem. A trilha sonora composta por Hans Zimmer é outro destaque, com tons que evocam tanto o drama pessoal dos personagens quanto a grandiosidade dos confrontos. As batalhas são coreografadas com precisão, mas é nos silêncios, nos olhares e nos rituais que o filme ganha sua força emocional. 

As interpretações também merecem menção especial. Tom Cruise entrega um dos papéis mais contidos e introspectivos de sua carreira, enquanto Ken Watanabe oferece uma atuação comovente e profundamente humana, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. A química entre os dois sustenta a narrativa e transforma o filme em um diálogo simbólico entre culturas, ideologias e tempos. 

O Último Samurai não é apenas uma história de guerra ou redenção individual. É um testemunho sobre o valor da memória cultural e sobre o risco da homogeneização de povos em nome do progresso. A modernização, embora necessária, não pode vir acompanhada da destruição de identidades. O filme nos ensina que há beleza e sabedoria em tradições seculares e que o verdadeiro avanço só é possível quando o novo reconhece e respeita a alma do que veio antes. 

Em tempos atuais, marcados pela pressa em romper com o passado e por um progresso muitas vezes vazio de significado, a mensagem do filme se torna ainda mais urgente: não há verdadeiro desenvolvimento sem escuta, sem aprendizado e sem respeito às raízes de um povo. Conhecer a história, os costumes e a cultura são essenciais para qualquer processo de modernização que pretenda ser ético e sustentável. Quando ignoramos o passado, corremos o risco de repetir erros e apagar o que nos torna humanos.  

O Último Samurai nos convida, portanto, a aprender com o ontem para construir um amanhã mais consciente. 

Vale muito a pena assistir. 


Em um mundo corporativo cada vez mais movido pela lógica do lucro a qualquer custo, Dark Waters – O Preço da Verdade (2019), dirigido por Todd Haynes e estrelado por Mark Ruffalo, emerge como uma denúncia contundente e necessária. Baseado em fatos reais, o longa revela o escândalo ambiental protagonizado pela DuPont, uma das maiores empresas químicas do mundo, e escancara uma dura verdade: para muitos conglomerados, a vida humana é secundária frente à preservação de seus lucros. 

O filme conta a história de Robert Bilott, um advogado corporativo bem-sucedido que, ao ser procurado por um fazendeiro de uma pequena cidade da Virgínia Ocidental, decide investigar uma série de mortes e deformações que atingiam a população local e os animais. O que começa como um simples gesto de empatia se transforma em uma jornada de enfrentamento ético contra o poder econômico, a negligência ambiental e a omissão criminosa. 

Bilott descobre que a DuPont vinha despejando, durante décadas, uma substância tóxica chamada PFOA (ácido perfluorooctanoico) nas águas da cidade – produto presente na fabricação do famoso Teflon. Documentos internos da empresa provam que, desde os anos 1970, seus cientistas sabiam dos efeitos cancerígenos do composto. Ainda assim, optaram pelo silêncio. A tragédia foi silenciada em nome da produtividade, da estabilidade acionária e da imagem de marca. 

No entanto, Dark Waters vai além da denúncia ambiental. Ele mergulha na dimensão moral do protagonista, ressaltando que, diante de um sistema que recompensa o silêncio e penaliza a integridade, é possível – e necessário – fazer a escolha certa. Robert Bilott sacrifica sua carreira, sua saúde e até seu bem-estar familiar, mas nunca sua consciência. A verdade, para ele, não era um risco jurídico a ser contido, mas uma dívida humana a ser paga às vítimas de um descaso brutal. 

A fotografia sombria e a trilha sonora contida ajudam a construir a atmosfera de tensão e impotência que permeia o filme. A atuação de Mark Ruffalo transmite com precisão a angústia e a firmeza de um homem comum que decide, contra todas as expectativas, fazer o que é certo. É esse gesto que torna o filme tão impactante: ele não glorifica heróis extraordinários, mas celebra a coragem silenciosa de quem não se rende à lógica perversa de um sistema que naturalizou a impunidade. 

A luta de Bilott durou mais de vinte anos. Ele venceu processos, revelou a verdade ao mundo, forçou uma das maiores empresas dos Estados Unidos a indenizar milhares de vítimas e fez com que o PFOA fosse reconhecido como um risco à saúde global. Mesmo assim, nunca voltou a ser o mesmo – porque lutar pela justiça, no mundo real, tem consequências. 

Os efeitos do caso vão muito além da ficção. Após anos de litígio, Robert Bilott conseguiu forçar a DuPont a firmar um acordo judicial de US$ 671 milhões em 2017, destinado a indenizar mais de 3.500 pessoas que desenvolveram doenças graves — como câncer de testículo, câncer de rim, doença da tireoide, colite ulcerativa e pré-eclâmpsia — devido à exposição ao PFOA. 

Além disso, a pressão pública e científica gerada pela revelação do caso resultou em novas regulamentações ambientais nos Estados Unidos e internacionalmente. Estudos epidemiológicos financiados após os acordos judiciais comprovaram os efeitos tóxicos do composto, o que levou a Agência de Proteção Ambiental (EPA) a revisar seus parâmetros e limitar severamente o uso do PFOA e outras substâncias da mesma classe, conhecidas como “forever chemicals” por não se degradarem no ambiente. 

Robert Bilott também escreveu um livro sobre sua experiência, Exposure (2019), e passou a atuar como defensor público em questões ambientais. Desde o lançamento do filme, aumentou o número de ações judiciais envolvendo contaminações químicas semelhantes, e outras empresas foram investigadas por condutas parecidas. O impacto do caso e da obra cinematográfica foi tão profundo que influenciou até debates no Congresso norte-americano sobre responsabilidade ambiental corporativa. 

Mas o filme deixa claro: vale a pena. Porque quando a moral prevalece sobre o lucro, ainda que a vitória venha a duras penas, ela é um sinal de que nem tudo está perdido. Em tempos de retrocessos ambientais, conivência institucional e desinformação corporativa, tempos em que a degradação ambiental avança de mãos dadas com o negacionismo, o filme ecoa como um alerta e um chamado à ação.  

Dark Waters nos lembra que a verdade pode ser abafada, mas não destruída – e que há sempre alguém disposto a carregá-la, mesmo que sozinho. É um lembrete de que justiça não é uma abstração: é feita por mãos humanas, movidas por coragem e por consciência. 

Vale a pena assistir. 

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Foto capa: Reprodução/Divulgação

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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