Opinião

O Quinto Constitucional: A Voz Plural e Feminina da Justiça

A missão de trazer, nos tempos atuais, o equilíbrio entre o fundamento do instituto e a defesa da representatividade feminina. 

O quinto constitucional, previsto no artigo 94 da Constituição Federal, é uma das expressões mais belas da maturidade democrática de nosso Estado de Direito. Representa a consagração da ideia de que a Justiça se fortalece quando é plural, quando abriga em sua composição a experiência de quem, a partir de outros espaços de atuação jurídica, traz novos olhares, novos sentidos e novas formas de compreender a aplicação do Direito.  

Ao assegurar que um quinto das vagas dos tribunais seja preenchido por membros do Ministério Público e da advocacia, a Constituição não cria um privilégio, mas reafirma o princípio da harmonia entre as funções essenciais à Justiça, permitindo que o saber prático e o humanismo da advocacia convivam com a técnica e a serenidade da magistratura. 

Tecnicamente, o quinto constitucional cumpre papel de oxigenação institucional. A presença de advogados e membros do Ministério Público nos tribunais amplia o espectro de reflexão jurídica e fortalece a legitimidade das decisões judiciais, uma vez que insere no debate colegiado a vivência de quem, por anos, atuou na defesa direta de direitos e garantias fundamentais. Essa convivência de trajetórias distintas é o que dá vitalidade à função jurisdicional, evitando que o Judiciário se feche em si mesmo e permitindo que sua atuação reflita de modo mais fiel a complexidade social que o cerca. Assim, o quinto constitucional é um verdadeiro instrumento de integração entre as funções que compõem o sistema de Justiça, unindo experiência prática, compromisso ético e sensibilidade social em torno do ideal maior da equidade. 

A OAB/MT, ao iniciar o processo de escolha para o preenchimento da vaga de desembargador no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, assume missão de grandeza constitucional. Não se trata apenas de indicar um nome, mas de oferecer à sociedade uma voz que traga a dignidade da advocacia e o compromisso com o bem comum. O advogado escolhido não representará mais clientes, mas a própria Justiça. Passará a ser guardião da imparcialidade, defensor da legalidade e partícipe de um colegiado cuja missão é zelar pelo equilíbrio e pela paz social. Para isso, exige-se não apenas notório saber jurídico, mas também humildade, prudência e a consciência de que a toga impõe uma nova forma de servir: sem vaidades, sem preferências, com o coração voltado à serenidade das decisões justas. 

Essa transição exige mais do que conhecimento técnico; demanda uma verdadeira mudança de postura. O advogado, acostumado a argumentar em favor de uma causa, é chamado a aprender o silêncio que antecede o julgamento, o tempo da escuta e o peso da palavra imparcial. A imparcialidade, nesse novo papel, não é um dom, mas um exercício diário de desapego. É nesse ponto que o quinto constitucional revela sua beleza mais profunda: transformar a vivência do contraditório em virtude de ponderação. 

Em Mato Grosso, essa escolha assume um significado ainda mais amplo. O Tribunal de Justiça de nosso Estado tem se construído com solidez e sensibilidade, mas carrega o dever de continuar refletindo a sociedade que representa. E é chegada a hora de que essa reflexão também se traduza em representatividade feminina. Não se trata de simples ato de inclusão, mas de reconhecimento. As mulheres advogadas de Mato Grosso têm mostrado, com talento e dedicação, domínio técnico, compromisso ético e sensibilidade humana. Sua presença na Corte não seria concessão, mas conquista — expressão legítima de um tempo em que a Justiça se quer mais igualitária e plural. 

Como magistrada de carreira, vejo no quinto constitucional um instrumento de renovação e de diálogo. Ele recorda que a independência do Poder Judiciário não significa isolamento, mas comunhão de propósitos. A pluralidade é o que impede o fechamento dos tribunais sobre si mesmos, permitindo-lhes respirar a vida real, com suas dores e esperanças.  

Que a OAB/MT exerça essa nobre função com a serenidade dos que compreendem a grandeza de sua missão. E que, ao fazê-lo, reconheça que talvez o tempo presente esteja a clamar por uma voz feminina entre os desembargadores — uma voz que una razão e sensibilidade, firmeza e empatia, e que faça da Justiça mato-grossense um espelho mais fiel da sociedade que a sustenta e nela confia. 

Boa sorte aos candidatos, e a Justiça de Mato Grosso.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial. @aeternalente

Foto Capa: TJ MT/Divulgação

Olinda Altomare

About Author

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Deixar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do