Opinião

O PRESIDENTE E O SUS

* FRANCISCO JOSÉ DUTRA SOUTO

Com a virtual vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro no pleito para ocupar a cadeira de Presidente da República, passa-se agora a imaginar suas diferentes medidas para cada área. É verdade que ele pouco emite sinais de planos ou projetos. Na verdade, o candidato do PSL está sendo eleito por bandeiras que defende e opiniões que verbaliza, a maioria delas baseadas em dogmas moralistas, religiosos e disciplinadores. Em relação a projetos e planos, causa apreensão a não apresentação deles até o momento. Com exceção à Segurança.Quanto à “Saúde”, preocupação maior do brasileiro em todas as pesquisas de opinião, a palavra foi citada por virtualmente todos os candidatos, independente do cargo a que concorriam país afora. Jair Bolsonaro também disse que “vamos mudar isso aí” em relação à Saúde. Só não disse como pretende fazê-lo. Alguns reducionismos que emite, podem dar pistas do que pretende fazer. Preocupa quando, por exemplo, diz que haverá melhora na Saúde e na Educação, pois vai sobrar mais dinheiro para esses investimentos depois que ele melhorar a Segurança. Aparentemente, resolvido este, todos os outros problemas se resolverão na esteira da normalidade e onda de virtuosismo que automaticamente se seguirá.

Como milito na área da saúde e enxergo esse problema de um modo menos simplificado e, confessamente, mais pessimista, continuo buscando indícios de ideias do candidato para a Saúde. Me preocupa saber como essa área será tratada pelo próximo governo.

Pois bem, nos últimos dias, o candidato deu nova pista, emitindo mais um de seus conceitos: “o melhor plano de saúde é ter um emprego”. A frase está correta, pois se está desempregado, o cidadão terá mais chance de se alimentar mal e contrair doenças, ou adoecer e não poder comprar remédios, ou simplesmente entrar em depressão pela angústia impotente gerada pela baixa autoestima. Mas como aplicar essa ideia à nação? Como associar “acesso à saúde” com “emprego” no âmbito nacional? Nos meandros da lógica expressada por Jair Bolsonaro, parece também estar embutido outro raciocínio: “Se o cidadão tem um emprego, tem renda. Se tem renda, deve reservar uma parte para contratar um plano privado de saúde.” Aceitando a interpretação de que esse conceito esteja implícito na fala do candidato, duas considerações devem ser feitas.

Primeiro, o homem que, tudo indica, nos próximos anos governará o Brasil (país que tem sistema de saúde de acesso teoricamente universal, gratuito e igualitário), ao dizer que é melhor ter salário para poder ter renda e plano privado de saúde, desmerece o SUS. Quando na verdade, para cumprir a Constituição, deveria defendê-lo. Devemos lembrar que, desde a Constituição de 1988 e desde a criação do SUS em 1990, o Brasil tem um sistema público de saúde com acesso universal, gratuito e igualitário, independente de classe social. Ou seja, pela Constituição, independentemente de ter ou não emprego, o cidadão brasileiro tem direito de usufruir dos benefícios de um sistema público e gratuito de saúde. Portanto, criar empregos não isenta o Governo da obrigação de consolidar e defender o SUS.

O SUS é o mais abrangente sistema público de saúde do mundo. Continua, depois de 30 anos, capengando e emperrado. Mas apresentou muitos avanços nesse período. Todo cidadão brasileiro, mesmo entre os mais abastados, conhece exemplo de alguém, na família ou na vizinhança, que fez uma cirurgia complexa ou um transplante pelo SUS. Ou que fez quimioterapia ou radioterapia contra câncer pelo SUS. Ou que recebeu um tratamento com medicamento caríssimo pelo SUS, etc., etc. Mesmo quando recebemos uma vacina nos postos de saúde, estamos tendo um benefício gerado pelo SUS.

O fato do SUS apresentar problemas enormes e parecer não avançar, quando vemos as enormes filas nas portas das unidades de saúde, ou as goteiras sobre os leitos e as macas lotadas nos corredores das emergências, não significa que ele não funcione. Significa que ele precisa ser aperfeiçoado. As forças que se opõem a uma maior organização e consolidação do SUS são titânicas, englobando poderios econômicos, corporativos e políticos. O Presidente da República precisa se interpor contra essas forças.

O segundo aspecto a ser ressaltado serve como um lembrete ao próximo Governo. É que, com a crise financeira de 2014, pelo menos 5 milhões de brasileiros tiveram que deixar seus planos privados de saúde e ficar dependentes do SUS. Os empregos que, espera-se, o novo Presidente venha a criar, mesmo que reempregue todos os chefes das famílias que perderam recentemente seus planos de saúde, não saneará a dependência do SUS que a maioria dos brasileiros continuará a ter. Afinal, pelo menos 70% das famílias brasileiras nunca tiveram plano privado de saúde.

Segundo informação do IBGE no fim de 2017, metade da população brasileira, vivia com menos de um salário mínimo. Dois terços das famílias vivem com renda mensal de até 2.000 reais. Essa renda não permite sobras. Definitivamente, não permite separar uma parte para pagar plano privado de saúde. Então, que o futuro Presidente comece a pensar em como melhorar o SUS, tornando-o mais eficiente, menos perdulário e mais equânime. Pois só com os empregos que esperamos, ele crie, não será resolvida a enorme dependência e necessidade que a larga maioria da população brasileira tem do SUS. Sistema que já ajudou muita gente, mas que poderia e precisa ajudar muito mais.

FRANCISCO JOSÉ DUTRA SOUTO – Doutor, médico hepatologista, professor titular da Faculdade de Medicina- Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT, Pesquisador/CNPq.Ex-vice-reitor/UFMT(2008/2012).Ex-Diretor Superintendente do Hospital Júlio Müller-HUJM (2014). Ex-vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia. É assessor técnico do Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

 fsouto@terra.com.br 

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