Estudo de caso sobre o prazo prescricional no caso de rescisão contratual por inadimplemento no novo Código Civil
O caso concreto
O objeto de análise nesse artigo é a verificação num caso concreto referente a pedido de rescisão contratual em razão de suposto inadimplemento de uma das partes contratantes, segundo as regras dos artigos 205 e 206, do Código Civil, especificamente em relação a distinção quanto a ocorrência do prazo prescricional, se quinquenal ou decenal na espécie.
Um negócio jurídico foi celebrado no dia 26 de janeiro de 2010, e a credora que atualmente se diz lesada pelo não pagamento do preço pela devedora naquela data, permaneceu inerte por exatamente 9 (nove) anos e 11 (onze) meses. Durante esse longo período de tempo de 9 (nove) anos e 11 (onze) meses, jamais a credora notificou a deverá, não a interpelou, não propôs nenhuma espécie de cobrança extrajudicial, tampouco ajuizou a competente ação de cobrança dentro do prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 206, §5º, I, do Código Civil.
Entretanto, com essa conduta desidiosa, pouco diligente e contraditória aos próprios atos de quem pretende cobrar e receber, uma vez que dormitou ao deixar prescrever essa suposta dívida, após 9 (nove) anos e 11 (onze) meses, ajuizou a ação de resolução do negócio jurídico, sob o exclusivo argumento de suposto inadimplemento da devedora.
A sentença proferida no caso concreto reconheceu a ocorrência da prescrição quinquenal da pretensão autoral da ação de “resolução de contrato de compra e venda c/c reintegração de posse”, uma vez que o pedido de resolução se fundou no inadimplemento do valor, a prescrição da pretensão de exigir o respectivo pagamento prejudica, em consequência, o direito de exigir a extinção do contrato com base nessa mesma causa.
Assim posta a situação, passa-se a analisar sob a ótica dos dispositivos de regência do Código Civil qual o prazo prescricional a ser observado, tendo em vista a existência de nuances a serem distinguidas na aplicação da ratio do sistema jurídico vigente.
Da prescrição e seus prazos
Sabe-se que o direito deve ser exercido no prazo e não é possível a indefinição temporal, pois se colhe do vetusto axioma dormientibus non sucurrit ius (o direito não socorre os que dormem) e a pacificação social aliada a segurança jurídica exigem tal solução.
Com efeito, violado um direito nasce para o seu titular uma pretensão que pode ser extinta na forma dos mencionados artigos 205 e 206, do Código Civil. É a regra positivada no artigo 189, do citado Códex. Não há como o titular da violação permanecer inerte e sua penalização está no fato de ocorrer a perda da pretensão que lhe é dada pela via judicial.
Disso decorre a invenção dos institutos da prescrição e da decadência, sendo o primeiro – e o que nos interessa no momento – conceituado, de acordo com as lições de Clóvis Beviláqua, como “a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, por causa ao não-uso delas, em um determinado espaço de tempo”.
Verificado esse conceito básico, suficiente para definir a prescrição neste estudo, observa-se que ao tratar dos prazos da prescrição, o Código Civil também definiu nos artigos 205 e 206 que eles podem ser anuais, bienais, trienais, quadrienais, quinquenais e decenais.
Numa rápida verificação do texto legal, pode se identificar tais prazos com os seguintes traços fundamentais cada qual deles, como se demonstra a seguir.
Os anuais dizem respeito as pretensões:
(i) dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos.
(ii) do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
(iii) dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
(iv) contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo, e
(v) dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
Já os prazos bienais têm a ver apenas com a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
Por sua vez, os trienais miram as seguintes situações:
(i) a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos.
(ii) a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias.
(iii) a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela.
(iv) a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa.
(v) a pretensão de reparação civil.
(vi) a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição.
(vii) a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima.
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento, e
c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação.
(viii) a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial.
(ix) a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
No quadrienal o objeto de observância é a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
Os quinquenais tem por objeto:
(i) a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.
(ii) a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato, e
(iii) a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
E os prazos decenais ocorrerão quando a lei não fixar prazo menor para a prescrição.
Da definição do prazo prescricional no caso concreto
Bem identificados as hipóteses e seus respectivos prazos prescricionais no Código Civil, retorna-se ao caso concreto para relembrar que a ação aforada foi de “resolução de contrato de compra e venda c/c reintegração de posse” e se fundou especificamente no suposto inadimplemento do valor pelo comprador do bem.
Então, pela teoria da substanciação, o autor “resolução de contrato de compra e venda c/c reintegração de posse” narrou a relação jurídica e fundamentou, no direito, as consequências que pretende ver acolhidas pelo órgão julgador. A sua causa de pedir é a relação de direito material (escritura pública de compra e venda) e a valoração jurídica de fato dela decorrente (suposto inadimplemento de quem comprou, para finalizar com o veiculado no pedido de sua petição inicial (resolução do contrato)[1].
Ainda apenas para registro sobre a causa de pedir, pois interessa a conclusão jurídica a que se chegará a partir dos fatos investigados, apontou a doutrina processual como uma das classificações desse instituto a distinção de causa de pedir próxima e remota. A próxima decorrente da qualificação jurídica dos fatos, da previsão abstrata do ordenamento positivo e de onde surge a juridicidade[2] e a remota referente aos fatos que fazem surgir a pretensão do demandante.
Melhor definindo tecnicamente, é certo que o caso concreto nem resolução se trataria em razão do fundamento (suposto inadimplemento), mas sim rescisão contratual. Tudo porque se sabe que na resolução a extinção do vínculo contratual ocorre por fato não imputável ao devedor, v. g. força maior, enquanto na rescisão a extinção do vínculo contratual ocorre por falta imputável ao devedor, id est, inadimplemento contratual na espécie ajuizada.
Retomando-se a análise dos fatos, a ação de resolução de contrato de compra e venda c/c reintegração de posse” que se fundou especificamente no suposto inadimplemento do valor pelo comprador do bem foi aforada faltando apenas um mês para completar dez anos da confecção da escritura pública de compra e venda entre as partes.
Assim, a controvérsia central entre as partes contratante – e o ponto nevrálgico do caso concreto – residiu na definição do lapso temporal da prescrição, se seria decenal [art. 205 do CC] ou se seria quinquenal [art. 206, §5º, I, do CC].
Anota-se que durante anos os Tribunais Pátrios se debruçaram sobre essa temática, para definir se o lapso prescricional nas lides relacionadas à responsabilidade contratual deveria ser o decenal do artigo 205 do Código Civil ou o trienal do artigo 206, §3º, V, do CC, tendo sido alcançada a pacificação com o veredito do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp n. 1.280.825/RJ, julgado em 27/6/2018, onde ficou definido que “nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional”.
No entanto, é preciso que fique bem esclarecido que a pacificação dada pelo EREsp n. 1.280.825/RJ se aplica aos casos de ajuizamento de ação de responsabilidade contratual, onde se objetivaria a responsabilidade civil da parte nas hipóteses de resolução de negócio jurídico. Portanto, não se aplica aos casos de rescisão contratual, em razão de suposto inadimplemento de devedor.
Com efeito, essa diferenciação, embora pareça sutil, é evidente e mais do que suficiente para alterar a regra relativa ao lapso temporal prescricional, pois essa modalidade de demanda – “resolução contratual”, colocados os parênteses propositalmente por se tratar tecnicamente de rescisão contratual – fundada exclusivamente em inadimplemento do preço pelo devedor possui excepcionalidade que repele a aplicação da regra geral da prescrição decenal do artigo 205 do Código Civil.
E quem deu essa solução para essa espécie de pretensão jurisdicional – rescisão por inadimplemento – foi também a abalizada jurisprudência do Tribunal da Cidadania ao afirmar que, se o objeto do pedido é puramente a rescisão contratual por força de um suposto inadimplemento, estrá suscetível ao prazo prescricional quinquenal, previsto no artigo 206, §5º, I, do Código Civil.
Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi isso ocorre porque “se o pedido de resolução se funda no inadimplemento de determinada parcela, a prescrição da pretensão de exigir o respectivo pagamento prejudica, em consequência, o direito de exigir a extinção do contrato com base na mesma causa, ante a ausência do elemento objetivo que dá suporte fático ao pleito" [REsp 1.728.372/DF, Relatora Ministra Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/3/2019, DJe de 22/3/2019].
Destaque-se que o referido entendimento do Superior Tribunal de Justiça, capitaneado pela Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.728.372/DF continua sendo replicado em outros tantos julgados no âmbito daquela colenda Corte Superior do Direito Federal, onde todos os acórdãos confirmam que, se o pedido de resolução se funda exclusivamente no inadimplemento de determinado valor, a prescrição da pretensão de exigir esse valor prejudica o direito de exigir a extinção do contrato com base no mesmo motivo (inadimplemento) e o prazo é quinquenal.
Como uma pequena amostra da estabilidade da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre essa questão referente ao caso concreto e ao prazo quinquenal, confira-se a ementa do AgInt no AREsp n. 1.293.505/SP, julgado pela colenda Quarta Turma no dia 20 de março de 2023, in verbis:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM FUNDAMENTO EM INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. APLICAÇÃO DA SUMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A decisão recorrida está em consonância com a jurisprudência desta Corte, tendo em vista que, "se o pedido de resolução se funda no inadimplemento de determinada parcela, a prescrição da pretensão de exigir o respectivo pagamento prejudica, em consequência, o direito de exigir a extinção do contrato com base na mesma causa, ante a ausência do elemento objetivo que dá suporte fático ao pleito" (REsp 1.728.372/DF, Relatora Ministra Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/3/2019, DJe de 22/3/2019).
2. O acórdão estadual está em sintonia com a jurisprudência do STJ.
Portanto, o apelo nobre encontra óbice na Súmula 83/STJ, aplicável tanto pela alínea a quanto pela alínea c do permissivo constitucional.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.293.505/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 31/3/2023.)
Não bastasse a amostra jurisprudencial antes referida, vale dizer que o entendimento da c. Terceira Turma é idêntico ao da c. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, demonstrando quantum satis a estabilidade jurisprudencial da Corte Superior de Direito Federal sobre essa questão, consoante se pode inferir da ementa do AgInt no REsp n. 1.975.113/SP, julgado no dia 15 de março de 2023, a conferir:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. RECONVENÇÃO PLEITEANDO PARCELAS NÃO PAGAS E A RESOLUÇÃO DO CONTRATO. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO RECONHECIDA. PLEITO DESCONSTITUTIVO QUE NÃO PODE SER ACOLHIDO APÓS A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA. DESAPARECIMENTO DA BASE OBJETIVA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se reconhece a alegação de negativa de prestação jurisdicional quando o órgão julgador se manifesta efetiva e expressamente sobre o tema a respeito do qual foi apontada omissão de julgamento.
2. Na linha dos precedentes desta Corte, uma vez prescrita a pretensão de cobrança das parcelas não pagas, não é mais possível pleitear, com base no inadimplemento, a resolução do contrato. Isso porque, nessas situações, desaparece o elemento objetivo que dava suporte ao pleito desconstitutivo.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp n. 1.975.113/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 15/3/2023.).
Logo, se a pretensão autoral não é uma reparação contratual, mas tão somente a resolução – rescisão – do contrato por força de um suposto inadimplemento, há de se concluir, sem medo de errar, que o prazo prescrição para o ajuizamento da respectiva demanda é quinquenal no caso judicializado que ora se analisa.
Aliás, esses posicionamentos espelhados nos Recursos Especiais dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e de São Paulo vem sendo acompanhado e consagrado também pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, conforme se verifica dos julgados ordinários abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C REIVINDICATÓRIA DE IMÓVEL C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – EXTINÇÃO DO FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR PRESCRIÇÃO – […] PRETENSÃO À RESOLUÇÃO CONTRATUAL POR INADIMPLEMENTO FULMINADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. […] 2“Se o pedido de resolução se funda no inadimplemento de determinada parcela, a prescrição da pretensão de exigir o respectivo pagamento prejudica, em consequência, o direito de exigir a extinção do contrato com base na mesma causa, ante a ausência do elemento objetivo que dá suporte fático ao pleito” (STJ – 3ª Turma – REsp 1.728.372/DF – Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – j. 19/03/2019, DJe 22/03/2019). (TJ-MT 1002720-70.2019.8.11.0002 MT, Relator: JOÃO FERREIRA FILHO, j.: 03/08/2021, Primeira Câmara de Direito Privado, DJe: 16/08/2021).
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C REIVINDICATÓRIA DE IMÓVEL C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – EXTINÇÃO DO FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR PRESCRIÇÃO – […] PRETENSÃO À RESOLUÇÃO CONTRATUAL POR INADIMPLEMENTO FULMINADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. […] 2. “Se o pedido de resolução se funda no inadimplemento de determinada parcela, a prescrição da pretensão de exigir o respectivo pagamento prejudica, em consequência, o direito de exigir a extinção do contrato com base na mesma causa, ante a ausência do elemento objetivo que dá suporte fático ao pleito” (STJ – 3ª Turma – REsp 1728372/DF – Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – j. 19/03/2019, DJe 22/03/2019). (N.U 1007950-64.2017.8.11.0002, Relator: JOÃO FERREIRA FILHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/08/2022, DJE 19/08/2022).
As lições trazidas pelo eminente desembargador João Ferreira Filho, por sua precisa construção argumentativa e jurídica, colocam uma pá de cal para se alcançar a solução definitiva no sentido da conclusão pela aplicação do prazo prescricional quinquenal, previsto no artigo 206, §5º, I, do Código Civil.
Confira-se o excerto do luminar voto:
“[…]
Assim, a controvérsia recursal resume-se a saber se a pretensão de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, com pedido de retomada do bem, se submete ou não aos efeitos prescricionais.
Segundo a jurisprudência do eg. STJ, a prescrição da pretensão de exigir cumprimento do contrato prejudica também a pretensão de resolução contratual fundada na mesma causa.
No caso, o pedido de rescisão contratual se funda na suposta falta de pagamento de parcelas do preço da compra e venda, e há muitos anos esgotou-se o prazo prescricional para exigir o cumprimento da avença, daí porque, realmente, deve ser proclamada a prescrição.
[…]
Parafraseando a lição doutrinária, como a autora não mais pode cobrar, não mais pode pedir a rescisão contratual por inadimplemento.
A hipótese, aliás, é similar à que se refere o REsp nº 1.728.372/DF, pois igualmente retrata credor que deixou transcorrer o prazo para exigir cumprimento do contrato, mas, depois de citado para a ação de usucapião proposta pelo comprador inadimplente, tenta esquivar-se dos efeitos de sua inércia e, depois de vinte anos, impedir a prescrição aquisitiva pela rescisão do contrato e retomada da posse do bem.". (g.n.).
Não se poderia deixar de citar tais valiosas lições de lavra de Vossa Excelência, pois, melhor do que quaisquer outras, esclarecem perfeitamente este caso. Isso porque, como constatado naquela oportunidade, neste caso a pretensão judicial, com a propositura da ação de resolução de contrato, é idêntica àquela: Tenta a parte “esquivar-se dos efeitos de sua inércia”.
[…]”
O caso acima decidido pela pena do eminente desembargador João Ferreira Filho teve precedente similar no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que analisou aquele semelhante litígio judicial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, CUMULADA COM O PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO – DIREITO POTESTATIVO – PROPOSITURA DA AÇÃO QUE DEVE OCORRER ENQUANTO NÃO PRESCRITA A PRETENSÃO REFERENTE À COBRANÇA DO CRÉDITO DECORRENTE DO NEGÓCIO JURÍDICO – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – INADIMPLEMENTO ORIUNDO DE INSTRUMENTO PARTICULAR – APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL PREVISTO NO ART. 206, § 5.º, I, DO CÓDIGO CIVIL – PRESCRIÇÃO CONSUMADA – EXTINÇÃO DO FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, ART. 487, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO PROVIDO. (TJSP. AI n. 2137241-84.2020.8.26.0000. Relator: César Peixoto. 9ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 7 de agosto de 2020).
Da Conclusão
Diante tudo o que se expôs, afastando-se a possibilidade de confusão do paradigma do EREsp n. 1.280.825/RJ, onde ficou definido que “nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional”, certo é que nos casos dos precedentes dos REsp 1.728.372/DF, AgInt no AREsp n. 1.293.505/SP e AgInt no REsp n. 1.975.113/SP o Superior Tribunal de Justiça pacificou cum grano salis que “na linha dos precedentes desta Corte, uma vez prescrita a pretensão de cobrança das parcelas não pagas, não é mais possível pleitear, com base no inadimplemento, a resolução do contrato. Isso porque, nessas situações, desaparece o elemento objetivo que dava suporte ao pleito desconstitutivo” e, por corolário lógico, a prescrição em tais casos se dá no prazo quinquenal, previsto no artigo 206, §5º, I, do Código Civil.
Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, presidente da AMA – Academia Mato-grossense de Magistrados. Especialista em Processo Civil pela Universidade Tiradentes. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Constitucional e Eleitoral pela Universidade Nacional de Brasília. Especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica-RS.
Bibliografia
BEVILÁQUA, Clóvis. TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL. Obra Clássica. 2ª Edição Revista e Corrigida. São Paulo: Servanda, 2015.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. Rio de Janeiro, Forense, 2021.
TUCCI, José Rogério Cruz. Ação de usucapião extraordinária, A causa petendi na ação de usucapião extraordinária, in: Processo civil – Evolução – Vinte anos de vigência: São Paulo, Saraiva, 1995.
TUCCI, José Rogério Cruz e. A Causa Petendi no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
[1] 32 TUCCI, José Rogério Cruz e. A Causa Petendi no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 155.
[2] TUCCI, José Rogério Cruz. Ação de usucapião extraordinária, A causa petendi na ação de usucapião extraordinária, in: Processo civil – Evolução – Vinte anos de vigência: São Paulo, Saraiva, 1995, p.158