Política

O político corrupto é traidor da sociedade, afirma promotor de Justiça de MT

O debate sobre os crimes de corrupção pública cometidos por agentes políticos está na pauta das conversas dos brasileiros desde a deflagração da Operação Lava Jato, em 2014, e ganhou nova força, no início deste ano, com a proposta do ministro da Justiça, Sérgio Moro, de um pacote anticrimes. As decisões judiciais tomadas nos últimos cinco anos quanto aos casos ganharam também repercussão política, a favor ou contra os políticos investigados e condenados. Nesta semana, um artigo escrito pelo promotor de Justiça da 9ª Promotoria de Justiça Civil de Cuiabá, Arnaldo Justino da Silva, "O povo deveria julgar os crimes de corrupção", ganhou eco por causa da proposta explícita no título – uma junção da política, como praticada aos tempos da Grécia e da Roma antigas, ao Judiciário. Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o promotor desenvolve um pouco mais o assunto e diz que por trás do crime de corrupção está a traição.  

Circuito Mato Grosso: Sua proposta é criar um tribunal de júri específico para julgar os crimes de corrupção?

Arnaldo Justino da Silva: O tribunal do júri é organizado pelo Código de Processo Penal. O código atribui competência para julgar alguns crimes, os são chamados dolosos contra a vida, como homicídio, aborto, instigação ou indução ao suicídio. Mas, a Constituição Federal autoriza o legislador ordinário, o Congresso Nacional, aumentar o rol de crimes.  O estender o número crimes a ser julgado pelo tribunal é constitucional. O problema é a complexidade do crime de corrupção pública, isso não significa que o povo não tenha competência para julgar; se o poder é do povo, ele pode julgar qualquer coisa.

CMT: Isso excluiria a presença do juiz no julgamento?

AJS: O júri popular é uma forma democrática. Quer isso dizer que o juiz togado não é legítimo para julgar? Sim, ele é. A constituinte diz que o juiz faça concurso público e prove a capacidade dele para ser juiz. Isso parece contraditório com o que defendo para tribunal de júri porque parece que uma hora se defende a técnica e outra hora, não. Mas, casos não vão para o júri do nada, tem toda uma preparação feita pelo juiz, ele só não vai ter pode para decidir se o acusado é culpado ou não. Ele vai preparar todo o processo, ver se tem nulidade ou não, dar oportunidade para réu fazer sua defesa. No final, ele diz “têm indícios aqui de você cometeu esse crime”, se não tiver ele nem manda para o júri.

CMT: Quais seriam os critérios para a seleção do júri?

AJS: Só não consegue fazer julgamento no tribunal do júri uma pessoa que seja louca, insana. Qualquer cidadão pode e tem a capacidade de julgar, como tudo mundo dá sua opinião. Acredito que na vida todo mundo tem consciência do que é certo e do que é errado. Existe a lei que diz o que é certo, o que é errado, mas pessoas têm consciência disso. Nós não acreditássemos no tribunal do júri não pode ter júri nem pra julgar os crimes dolosos contra a vida. Quem já ouviu alguém reclamar que a decisão do jurado pregou a impunidade? A inclusão do crime de corrupção para julgamento do júri dará liberdade para o povo dizer: “Nós que julgamos isso”. Isso seria bom até para o Judiciário, o blindaria de acusações de que houve absolvição de pessoas culpadas.

CMT: A transferência dos crimes de corrupção para o tribunal de júri provoca alteração na legislação penal?

 AJS: Sim, no Código de Processo Penal. No homicídio pessoa só vai pra júri se tiver a existência do crime, ou seja, a comprovação de que a pessoa morreu, e se tiver indícios de que a pessoa matou. [No crime de corrupção], acho que não haveria a necessidade de tanta exigência de que tem que estar provado que teve a corrupção. Poderíamos ser mais flexíveis. Se o juiz entender que há veementes indícios de corrupção e indícios de autoriza, ele deverá determinar que o julgamento ocorra pelo júri. Pode-se até citar valores se houver provas. A partir disso, se aplicaria as mesas regras que já tem para o júri.

CMT: Existe uma característica em comum dos crimes hoje julgados por júri e como o crime de corrupção entra nesse parâmetro?

AJS: O é crime intencional contra avida, seja o dolo direto, aquele que pessoa sabe o resultado da sua ação, ou o indireto, aquele que ela assume o risco. Hoje, os tribunais casos de acidente de trânsito no júri por esse parâmetro; o motorista pode imaginar que o ato dele pode gerar a morte de alguém, e ele pouco se importava. O crime de corrupção tem outra natureza. Mas, veja bem: um crime de corrupção, contra o dinheiro público é, em primeiro lugar um crime contra democracia, contra o povo. O povo elegeu a pessoa – o administrador, o legislador – para representa-lo, tudo que você fizer no cargo é para o bem comum e não para o bem próprio. Quando a pessoa pratica corrupção ela trai essa procuração do povo, o mandato para representar.  Eu entendo que se está sendo acusado de corrupção e desvio, está sendo acusado de trair o povo. O crime doloso contra a vida causa comoção emocional muito grande para o povo, nada melhor do que deixar o povo julga-los.

CMT: O senhor entende que a pessoa que pratica a corrupção tem sempre a consciência de que está causando mal ao bem comum?

 AJS: Não existe corrupção culposa. Existe peculato culposo, a pessoa desvia dinheiro público sem ser intencional. Se a pessoa não tem consciência de que o crime é doloso é uma coisa absurda, qualquer teria que ter essa consciência. Em tese, se a pessoa não tem essa consciência seria um subsídio a mais para condenar porque teria que ter essa pergunta.

CMT: A sociedade brasileira tem condições políticas de absorver sua proposta de julgamento dos crimes de corrupção?

 AJS: Nossa sociedade é madura, nossa democracia é uma democracia. Não é porque uma pessoa tem mais dinheiro, tem mais estudo que é capaz mais do que outra pessoa. Quem pensar assim está cuspindo no próprio prato. Essa pessoa tem a capacidade civil, eleitoral reconhecida, por que pensaríamos que ela tem incapacidade de julgar alguém? Eu penso que tem total capacidade, e isso não é populismo. Populismo é fazer uma coisa inviável só para agradar; o julgamento de corrupção por tribunal de júri não é inviável. É defender a democracia.

CMT: O julgamento de políticos acusados de corrupção em tribunal de júri se modo de a sociedade participar diretamente da vida política?

AJS: Não tinha pensado por esse viés. Mas, veja bem: não é que as pessoas dizem “olha, você vai ser julgamento no dia da eleição, pelo voto”.  Por que, então, se um juiz togado preparar o processo e existir indícios de mínimos de que a pessoa praticou corrupção, por que não ser julgado antes da eleição ou mesmo depois da eleição? Seria um complemento. A pessoa tem o mandato para praticar o bem comum e se não fizer vai passar pelo tribunal do júri.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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