Opinião

O PARQUE

Lá em casa seguimos a tradição: quando apertam as finanças, as brigam proliferam como os juros das dívidas. Desde novembro, o trem apertou. Não conseguimos pagar a escola das crianças, não conseguimos viajar no fim do ano, não conseguimos ir nem no churrasquinho da esquina. Faço o que posso pra ajudar, mas, mesmo quando trabalhava, meu salário nunca ajudou de verdade. Só que agora foi demais. Extrapolou. Não podia ter jogado o copo na parede e me chamado de vagabunda na frente das crianças. Logo eu. Sempre teve um monte de homem querendo me comer, e nunca dei pra ninguém.

– Devia ter casado com o Kiko, aquele seu ex, milionário. Não estaríamos tendo essa discussão agora.

Dinheiro. Dinheiro. Dinheiro. Para uma mulher, isso não é nada. O macho não entende. Poder não é nada. Por isso que as divas traem seus maridos poderosos com os jardineiros. Tendo amor e respeito, sexo, se sentir desejada, ela releva tudo. Diferente do homem. O homem quer sempre demonstrar poder. Quer humilhar. Quer estar por cima. Va-ga-bun-da! As palavras ecoam no meu cérebro. Coloquei uma calcinha de renda, uma bermudinha de lycra branca mega-apertada, e um top de biquíni. Nunca desci tão rápido as escadas. Ele vai ver com está mexendo.

Moramos perto do shopping, num pequeno prédio branco. Pego a rua lateral e sigo direto para o Parque. Nem me preocupo com a onda de assaltos que tomou conta do governo de Taques. No início do Parque, passo pelo portão e viro a primeira ruela à direita. O mato é fechado. O sol se põe. Pensei nos assaltos. Mas os insultos foram maiores. E apenas porque queria voltar a trabalhar como personal. Esse machista acha que professora de musculação é igual puta. Devia agradecer. Trabalhar com Educação Física traz poucos benefícios financeiros, mas muito benefício estético. Ainda mais pra quem está com 35 anos. Meus peitos e meu bumbum nunca estiveram em tão boa forma. Em minha direção aparece um homem branco, musculoso, sem camisa. Meus pensamentos voam. Parece um potro de 20 anos. Alto e bonito. Grande volume no short apertado. Deve saber saciar sua cadela. Uma cadela no cio. Assim que quero ser tratada. Olho dentro dos olhos daquele rapagão como há muito não olhava pra ninguém. Ele para na minha frente dando um sorriso. Sem titubear, pega nos meus braços com força, tira uma pistola da bermuda e coloca na minha cabeça:

– Passa tudo que você tem, piranha!!! Agora!!! Agora!!!

Nesse exato momento, fiquei com um calafrio na cabeça, e ensopada no meio das pernas.

TUM!

Abro os olhos lentamente. Está tudo numa velocidade diferente. Tudo muito claro. Cheiro forte de éter no ar. Meus filhos choram ao meu lado, meu marido dorme na cadeira. A enfermeira vem e me diz que agora vai ficar tudo bem.

 

João Manteufel Jr.

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Mais conhecido como João Gordo, ele é um dos publicitários mais premiados de Cuiabá e escreve semanalmente a coluna Caldo Cultural no Circuito Mato Grosso.

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