O Brasil teve na semana passada mais uma de suas esquisitices peculiares e já histórica, em que agentes públicos valeram-se do cargo público que ocupa para favorecer seus empreendimentos. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, articulou e conseguiu suspender a decisão que impedia o uso de agrotóxicos à base glifosato, tiram e abamectina na produção agrícola.
Os agrotóxicos compostos por essas substâncias são estudados por indício de alto teor cancerígeno, e a utilização em grande escala em plantações preocupa analistas ambientais. Mas há quem defenda o uso e não vê perigo. Na Assembleia Legislativa, alguns parlamentares se manifestaram em sessão plenária contra a decisão da juíza Luciana Raquel Tolentino, da 7ª Vara Federal do Distrito Federal, que havia atendido o Ministério Público Federal (MPF) com pedido de reavaliação toxicológica das substâncias. O registro então foi suspenso.
“Eu não sei o que se magistrado pensa para suspender o glifosato. Há anos ele é usado nas lavouras de Mato Grosso, nunca teve problema nenhum e agora vem essa juíza sei lá de onde, que nem deve saber o que é glifosato, e pede para suspender o uso”, disse o deputado Zeca Viana (PDT).
A decisão da 7ª Vara foi suspensa na segunda (3) pelo desembargador Kássio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Em sua análise, ele considerou que não haver dados robustos para suspender o registro do produto. “Nada justifica a suspensão dos registros dos produtos que contenham como ingredientes ativos abamectina, glifosato”.
O recurso para a retomada da liberação foi ingressada pela AGU (Advocacia Geral da União). O órgão afirmou que não cabe ao Judiciário “intervir em questões técnicas acerca do registro e (re)avaliação de agrotóxicos no país”, e disse que a suspensão gerou “grave violação à ordem administrativa”.
Uma semana antes de o TRF-1 julgar o caso, o ministro Blairo Maggi há comemorava a decisão. Num post em seu perfil no Twitter no dia 23 de agosto ele disse: “Notícia boa!!! Acaba de ser cassada a liminar que proibia o uso do GLIFOSATO no Brasil #agroforte”.
No dia seguinte precisou voltar atrás e explicar o engano de datas. “Minha vontade de resolver essa questão é tamanha que acabei repassando a informação de que a liminar do Glifosato teria sido cassada. Ontem mesmo o secretário me disse que [o recurso da AGU] estava em despacho no TRF. Continuo aguardando a decisão. Me desculpem pelo acontecido”, tuitou.
A ansiedade do ministro se explica pelos números de venda de insumos químicos pela Amaggi, controladora das empresas da família Maggi no ramo do agronegócio. Dados disponíveis no site da Amaggi mostram subida vertiginosa desde 2011, quando foram negociadas 18 toneladas. No seguinte pulou para 24,5 toneladas (33%) e manteve a alta até 2017 quando chegou a 68,5 toneladas.
A venda de fertilizantes, também desde 2011, igualmente teve crescimento expressivo, passando de 259 toneladas para 370 (42%) até chegar a 681 toneladas no ano passado. A reportagem procurou o ministro Blairo Maggi para comentar a polêmica e foi informada pela assessoria de imprensa que ele não conseguiria retornar até o fechamento desta edição.
Bayer enfrenta 8,7 processos relacionados a herbicida
O herbicida com base no glifosato é produzido pela Monsanto, adquirido recentemente pela multinacional da indústria farmacêutica Bayer. Conforme a agência de notícias Estadão Conteúdo, nesta quarta (5) a empresa divulgou um relatório de processos em andamento contra ela, desde que comprou a Monsanto. São cerca de 8,7 mil notificados, somente nos Estados Unidos, até 27 de agosto.
A Bayer justifica o aumento em processos a decisão judicial que condenou a Monsanto a indenizar uma paciente em fase terminal de câncer por não alertar que glifosato é cancerígeno. No fim de julho, o número de processos contra a Monsanto estava em torno de 8 mil. A aquisição da Monsanto pela Bayer foi concluída em junho.
A maioria das ações foi apresentada em tribunais estaduais de Missouri, Delaware e Califórnia, enquanto o restante foi ajuizado em diversas cortes federais.
A Justiça da Califórnia condenou a Monsanto no dia 10 de agosto, a pagar 289 milhões de dólares em indenizações a um homem que afirma ter contraído câncer devido à exposição a um herbicida com glifosato produzido pela empresa.
Nos autos, Dewayne Johnson alega ter utilizado o herbicida Roundup durante os dois anos em que trabalhou como jardineiro de uma escola em São Francisco, Califórnia. A vítima diz que o produto não alertou para os riscos cancerígenos derivados da longa exposição ao glifosato.
O caso foi encaminhado ao Tribunal do Júri, que determinou que a Monsanto não expôs alertas suficientes dos riscos do produtos. Os jurados determinaram ainda que a omissão da empresa foi "um fator substancial" para provocar a doença de Johnson. O homem tem 46 anos e, segundo médicos ouvidos pelo tribunal, só tem mais alguns meses de vida devido ao seu linfoma em estágio terminal. (Com Estado Conteúdo)
Box 02 – A relação entre Maggi, Monsanto e o uso de agrotóxicos
Agrotóxicos à base do glifosato são os mais vendidos no país. Ele foi criado pela Monsanto e sua licença para comercialização expirou em 2010. A empresa norte-americana, cujo nome foi aposentado na fusão com a alemã Bayer em junho deste ano, era líder na produção de fertilizantes e herbicidas. A ligação do ministro Blairo Maggi com as gigantes vem da potência de empresas de sua família no ramo do agronegócio.
É conhecido como rei da soja, e não por acaso. O grupo André Maggi é a holding responsável pelo controle de quatro empresas. Conforme a revista Forbes, a família Maggi foi líder mundial na produção de soja no início dos anos 1990 e 2000, de onde foi gerado o epíteto de “rei da soja” ao empresário atualmente também no papel de ministro.
Os negócios de Blairo Maggi são de comercialização de soja e outros cereais, exportação de commodities e de energia. Mas a Receita Federal afirma que sua principal atividade é a venda por atacado de defensivos agrícolas, fertilizantes e corretivos de solo. A produção agropecuária é secundária.
Em julho passado ele começou a defender um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, sobre o registro, a fiscalização e controle de agrotóxicos. O ministro diz que a proposta acelera o prazo para registro de pesticidas com fórmulas menos prejudiciais do que as atualmente usadas no país, mas não tira autonomia dos órgãos de controle ambiental e da área de saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em fiscalizar a utilização.
A Anvisa diz o contrário. A agência perderia o poder fiscalizar a circulação de agrotóxicos e perderia a competência de reavaliação toxicológica, justamente a fase em que o caso do glifosato está emperrado. Na decisão que suspendeu o uso, a juíza Luciana Raquel Tolentino dava prazo até dezembro para a conclusão de reavaliação dos produtos.