Opinião

“O Juiz”: Quando o Tribunal é a Família e a Sentença é o Perdão 

Lançado em 2014 sob a direção sensível de David Dobkin, O Juiz (The Judge) é um drama comovente que se equilibra entre o universo jurídico e as complexas relações familiares, conduzindo o espectador por uma jornada de dor, verdade, perdão e amor não dito. 

 Com atuações memoráveis de Robert Downey Jr. e Robert Duvall, o filme transcende a narrativa de tribunal para revelar um coração pulsante de humanidade por trás de cada argumento, cada sentença e cada silêncio. 

Na trama, Hank Palmer (Downey Jr.), um advogado brilhante e arrogante dos grandes centros urbanos, retorna à sua cidade natal após a morte da mãe. Lá, reencontra o pai, Joseph Palmer (Duvall), um juiz respeitado e inflexível com quem rompeu relações há muitos anos. O reencontro é tenso e amargo, repleto de mágoas represadas e acusações não resolvidas. Quando o pai é acusado de homicídio, Hank — relutantemente — assume sua defesa, sendo obrigado a revisitar não só a sua própria infância marcada por conflitos, mas também a fragilidade de um homem antes visto como indestrutível. 

A grande virada dramática ocorre quando se revela que o juiz está acometido com Alzheimer. Esse dado humaniza profundamente a figura do pai rígido e impenetrável, transformando-o num homem vulnerável, dividido entre a decadência física e o peso das próprias escolhas. A doença se torna metáfora da decadência dos vínculos afetivos mal curados e da urgência de reconstruí-los antes que seja tarde. 

Do ponto de vista técnico, O Juiz se destaca pela direção cuidadosa de David Dobkin, mais conhecido por comédias, mas que aqui demonstra maturidade ao explorar silêncios, olhares e tensões familiares com delicadeza.  

A fotografia, assinada por Janusz Kamiński, renomado diretor de fotografia e colaborador frequente de Steven Spielberg, é rica em contrastes entre o urbano frio e a paisagem calorosa e melancólica do interior, refletindo o abismo emocional entre o presente e o passado do protagonista. 

A trilha sonora, composta por Thomas Newman, é outro destaque, conduzindo as emoções do espectador com sutileza, sem apelar para melodramas excessivos. A música aparece nos momentos certos, aprofundando o tom íntimo e emocional do filme, especialmente nas cenas de confronto e redenção entre pai e filho. 

As atuações são o pilar da obra. Robert Downey Jr. abandona a armadura sarcástica que o consagrou como Tony Stark para entregar uma performance intensa, contida e emocionalmente autêntica. Já Robert Duvall, em um de seus trabalhos mais potentes da fase madura da carreira, oferece uma interpretação comovente, construída em camadas: ora austero e inflexível, ora frágil e perdido diante da morte que se aproxima. Sua indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante foi mais que merecida. 

O Juiz é, acima de tudo, um filme sobre segundas chances. Em um tempo em que os vínculos familiares são muitas vezes negligenciados ou rompidos sem retorno, o longa propõe a ideia de que o perdão pode, sim, ser uma forma de justiça, e talvez a mais difícil de todas. 

 A verdade que emerge ao final do julgamento vai além do veredito legal: é a aceitação mútua de que o amor, ainda que falho, sempre esteve presente, apenas silenciado pelo orgulho. 

Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Foto capa: Reprodução/Divulgação

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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