Opinião

O JACARÉ, O DONO DAS LAGOAS E DAS CONCHAS DE MADREPÉROLA

Os Mamainde e os Negarotê, grupos da etnia Nambiquara, edificam suas casas em uma parte das terras férteis do Vale do Guaporé, entre os rios Pardo e Cabixi, em Mato Grosso. Seu território é responsável por nutrir seus membros com o trabalho da caça, da pesca, da agricultura, da coleta, dos rituais, das sessões de cura. 

Vem do tempo mítico o hábito de festejar a primeira menstruação. Com esmero, homens e mulheres cuidam de todas as etapas de tão importante momento. Resguardada da luz do sol, o corpo da menina é diariamente preparado por mulheres, quando untam com tintura de urucum, até que troque de pele para, ao término da reclusão, sair revigorada, apta à vida a dois, junto ao seu marido. 

No período de um mês, aproximadamente, a cantoria durante a noite celebra a vida que se renova. Vozes reproduzem cantigas tanto de criação recente quanto de ancestrais. Tempos misturam-se, trazem lembranças dos donos das músicas, sentem saudades daqueles que não estão mais ali, comemoram a visita dos espíritos de seus antepassados que atendem aos convites em cantos apelativos. 

Acreditam os índios que se enfeitar indica um dos caminhos para obter a proteção contra os maus espíritos. Embelezam-se com brincos de madrepérola, adorno plumário de cabeça, colar de coco tucum, braçadeiras, jarreteiras e tornozeleiras para satisfazer a vontade dos espíritos. 

Os adornos e a boa música enaltecem os convidados que chegam para privilegiar a moça homenageada. Preocupam-se em levar às letras musicais seus modos de viver, entrelaçados aos sons oriundos de instrumentos musicais e de vozes de homens e mulheres que perpetuam e ressignificam um repertório de composições, de extraordinária grandeza. 

As lagoas dos Mamainde e dos Negarotê, que estão fora dos limites da Terra Indígena Lagoa dos Brincos, correm risco de secar. Os índios pedem, sem sucesso, a revisão da área.  Enquanto isso, um jacaré mítico continua em estado de alerta para que as águas das lagoas não sequem, os moluscos das conhas não morram e possam continuar a enfeitar homens e mulheres que celebram a vida.

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do