Em estudos para escrever um artigo sobre Etnoastronomia, na companhia de Loyuá Fernandes Moreira da Costa e Rosemar Eurico Coenga, me deparo com um gnômon indígena. De imediato, me chamou muito a atenção a imagem da capa do livro O céu dos índios de Dourados, Mato Grosso do Sul, publicado em 2012 pelos físicos Germano Bruno Afonso e Paulo Souza da Silva. Tanto pelos efeitos da criação artística como pela presença de um gnômon rodeado de indígenas, a imagem, de autoria de Jaime Moura Fernandes, conhecido por Diákara, e Thaísa Maria Nadal, chamou muito minha atenção.
Um gnômon é um relógio solar vertical. São os autores do livro quem explicam: “é constituído de uma haste cravada verticalmente em um terreno horizontal, no qual se observa a sombra da haste projetada pelo Sol.” Vem de longe, de um tempo incontável o hábito de medir o tempo, iniciado pela divisão em dia e noite. Povos indígenas, de etnias distintas, têm seus próprios saberes sobre o céu e seus astros. São os saberes do Sul. Em relação aos povos indígenas que atualmente habitam o Brasil, há inúmeras publicações de autoria indígena que demonstram seus conhecimentos relativos à constituição da abóboda celestial e seus astros.
Mas, foi no hábito de marcação de tempos menores que o dia que os seres humanos começaram a examinar a modificação de sua própria sombra no passar do dia. Logo depois perceberam que podiam fazer essas mesmas avaliações do tempo por meio da observação da sombra de uma vareta fixa, fincada verticalmente no chão. Com o passar dos anos, esse marcador de tempo foi se aperfeiçoando chegando nos gnômons e nos relógios de Sol.
Sobre os saberes dos povos indígenas no campo da etnoastronomia, recomendo os livros O coco que guardava a noite, de Eliane Potiguara, Estrela Kaingáng: a lenda do primeiro pajé, de Vãngri Kaingáng, Com a noite veio o sono, de Lia Minápoty, O mistério da estrela Vésper, O segredo da chuva e O sumiço da noite, de Daniel Munduruku, Ruweri: o sumiço da noite, escrito por pajés Yanomami, dentre outros.
Retomando minhas impressões ao ter em minhas mãos o livro O céu dos índios de Dourados, Mato Grosso do Sul, a imagem do gnômon de imediato me transportou para minha infância. Minha mãe Wilma tinha o hábito de desafiar os filhos. Com um palito de fósforo na mão, nos instigava a estimar as horas. Fincava verticalmente a haste no chão plano, depois de cuidadosamente acariciar a terra e ficava à espera de nossas respostas. A conjeturar, nem de longe acertávamos. Cheia de si, a exibir seus conhecimentos que não sabíamos de onde vinham, com quem aprendia, tentava nos ensinar a lógica da posição do Sol e sua incidência sobre seu relógio. Eu mesma só aprendi a calcular o meio-dia, Sol a pino, quando não havia sombra nenhuma ao redor do palito. Mamãe dizia que não tinha graça nenhuma saber as horas com o auxílio de um palito, ao meio-dia solar, quando o astro rei estava sobre nossas cabeças. As horas certas no gnômon eram muito fáceis para mamãe. Mas ela chegava a calcular os minutos, múltiplos de 5. Nós, crianças, em nosso imaginário, acreditávamos que ela possuía poderes mágicos.
Sem dúvida, a leitura sobre o gnômon dos povos indígenas de Dourados, Mato Grosso do Sul, possibilita-me ficar envaidecida cada vez mais com os saberes do Sul, de conhecer outras possibilidades de ler o céu, de ter a certeza de que possuíam e possuem saberes milenares que associam os fenômenos do céu aos da Terra. O elaborado gnômon dos povos indígenas de Dourados me transportou ao singelo gnômon de mamãe, em lembranças afetivas da infância.