Política

O fantasma de três décadas que assombra Mato Grosso

A saúde pública mato-grossense possui problemas que se arrastam por anos e anos a fio. Um dos maiores exemplos dessa ineficiência de gestão, alinhada a interesses políticos e empresariais, completou três décadas de existência. O Hospital Central de Mato Grosso, cujas obras iniciaram-se em 1985, continua a assombrar aqueles que passam pelo Centro Político Administrativo em Cuiabá, com sua estrutura imponente e decadente.

Previsto inicialmente para ser um hospital misto – com 150 leitos distribuídos entre usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), planos de saúde e atendimento particular – o projeto original foi modificado algumas vezes para tentar se adequar às novas realidades sociais e econômicas de Mato Grosso. Mas nunca foi entregue a uma população carente, que assiste recursos públicos serem destinados a Organizações Sociais de Saúde (OSS’s) que não promovem a melhoria deste serviço essencial.

O Circuito Mato Grosso elaborou uma linha do tempo com os principais fatos que marcaram a trajetória do Hospital Central de Mato Grosso. Da gestão de Júlio Campos (DEM) ao atual ocupante do Palácio Paiaguás, Pedro Taques (PSDB), a unidade de saúde teima em não sair do papel, fato que já chamou a atenção do Ministério Público Federal (MPF) e da justiça.

 

1984 – Júlio Campos, governador de Mato Grosso na época, lança a construção do Hospital Central de Mato Grosso. Com precisão de ter 300 leitos, a obra prometia revolucionar a saúde no atendimento de alta complexidade do Estado ainda na década de 1980. Os recursos que seriam utilizados na empreitada tinham origem federal, quando João Figueiredo, último presidente militar da ditadura, estava no poder. Ele seria construído no Centro Político Administrativo da Capital.

 

1987 Obra é paralisada em virtude de suspeitas de desvio de dinheiro público e corte de verbas de recursos da gestão Sarney – que assumiu a presidência com a morte de Tancredo Neves, primeiro chefe do poder executivo nacional civil após 24 anos. Carlos Bezerra era o governador de Mato Grosso na época.

 

 

1992 – As obras do Hospital Central são retomadas durante a gestão de Jayme Campos que assumiu o poder executivo estadual em 1991, após vencer as eleições um ano antes. A construção, porém, não foi concluída até o fim de seu mandato, em 1994. Jayme alega que houve “desacordo” entre o governo estadual e federal e que entregou 82% da unidade de saúde.

 

1995 – O deputado autor do projeto de Diretas Já, Dante Martins de Oliveira, chega ao governo de Mato Grosso. Com as obras paralisadas desde 1992, havia esperança de que o novo chefe do poder executivo estadual retomasse o projeto. No entanto, nos oito anos em que foi governador (1995-2002), o Hospital Central também não foi concluído. Em 1995, um protocolo de intenções assinado entre a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o então Secretário de Estado de Saúde de Mato Grosso, Julio Muller, o governador e o ministro da saúde da gestão Fernando Henrique Cardoso, Adib Jatene, foi assinado com a intenção de transformar o hospital geral num centro de “referência médica da Amazônia”, mas a iniciativa também não vingou.

 

2004 – Um ano após chegar ao Palácio Paiaguás, o ex-governador e atual ministro da agricultura, Blairo Maggi, retomou as obras do Hospital Central de Mato Grosso, prometendo entregar uma área de 27 mil metros quadrados até o término do seu mandato. Até então, as obras já haviam consumido R$ 14 milhões.

 

2009 – Poucos meses antes de deixar o Palácio Paiaguás para se candidatar a senador – e sem entregar o Hospital Central -, Blairo Maggi assiste resignado o Ministério Público Federal (MPF) exigir a conclusão das obras. O Governo do Estado, o ex-governador Jayme Campos, o ex-diretor do departamento de obras públicas Sérgio Navarro Vieira, os sócios proprietários da Aquário Engenharia (Anildo Lima Barros, Paulo Sérgio Costa Moura e Vera Inês da Silva Campos Barros) e a Eldorado Construções e Obras de Terraplanagem, integrante do grupo empresarial da Aquário Engenharia, são citados na ação do MPF

 

2014 – Com as obras novamente paralisadas, dessa vez, a justiça federal entra em cena, acatando parcialmente solicitação do MPF para inclusão de recursos que viabilizem o término do Hospital Central na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015. A decisão não foi acatada pelo ex-governador Silval Barbosa, hoje preso em virtude da “Operação Sodoma”, o que fez com que o MPF instaurasse um inquérito civil por improbidade administrativa em agosto de 2016

 

2016 – Pedro Taques, atual governador de Mato Grosso, retomou as obras do Hospital Central em dezembro de 2015 com um novo projeto. O prédio deveria abrigar um novo complexo hospitalar com a construção do novo Centro de Reabilitação Integral Dom Aquino Corrêa (Cridac). Além dele, outras estruturas que devem funcionar no espaço são o Centro Estadual de Referência em Média e Alta Complexidade (Cermac), MT Laboratório e Hospital Materno Infantil, projeto denominado como “Cidade da Saúde”. Em contato com o Núcleo de Ações Voluntárias (NAV) do governo do Estado, o Circuito apurou que houve uma “readequação no cronograma de obras do local” e que o Cridac deve ser entregue em julho de 2017

 

“Fizeram de tudo para não liberar o financiamento”, diz Júlio Campos

O Circuito Mato Grosso buscou a avaliação da pessoa que foi uma das responsáveis pelo início do processo de construção do Hospital Central de Mato Grosso. De acordo com o Júlio Campos, governador do Estado entre 1983 e 1986, a obra da unidade de saúde sofreu interferência dos opositores políticos e, posteriormente, da falta de recursos promovida pelo então ministro do planejamento do governo Sarney, quando Campos já havia deixado o Palácio Paiaguás, João Saad.

“Deixei o governo em 1986 com mais da metade da construção executada. Mas meus opositores fizeram de tudo para que os recursos não fossem liberados. Aí entrou o João Saad, ministro do planejamento, e cancelou os recursos”, disse.

Júlio defende seu irmão, que também foi governador de Mato Grosso, Jayme Campos. Segundo ele, mesmo sem recursos federais, Jayme conseguiu entregar boa parte do Hospital Central de Mato Grosso com recursos estaduais, e lamenta que ao longo desses mais de trinta anos o projeto tenha sofrido alterações que, na sua avaliação, ajudaram a postergar a entrega do complexo hospitalar.

“Quando Jayme entrou ele teve que botar recursos próprios na construção depois da obra ter ficado 4 anos parada durante a gestão de Carlos Bezerra. Mas a mudança de concepção do projeto, que fez com o que o Hospital deixasse de ser misto, também atrasou os trabalhos”.

“Projeto original está obsoleto”, diz Julio Muller

Outro ex-gestor público que vem acompanhando o desenvolvimento do Hospital Central recebeu a equipe do Circuito Mato Grosso em seu apartamento, na capital, para contar um pouco da história do projeto de mais de três décadas que ainda não foi concluído. Segundo o secretário de saúde na gestão Dante de Oliveira – chefe do executivo estadual entre os anos de 1995 e 2002, falecido em 2006 -, Julio Strubing Müller Neto, o projeto original não é mais viável e problemas na justiça dificultaram a captação de recursos.

“Um projeto de mais de três décadas não pode sair do papel sem readequações. Os recursos e necessidade na saúde hoje são outros. Tentamos fazer esse trabalho na gestão de Dante de Oliveira, construiríamos o Hospital da Criança para aproveitar os recursos logísticos do Hospital Central, mas fomos aconselhados pelo Ministério da Saúde que os problemas jurídicos poderiam atrapalhar a liberação de recursos”, disse.

Müller conta que nos anos 1990, o Ministro da Saúde Adib Jatene, da gestão de FHC na presidência da república, reuniu os governadores e secretários estaduais pedindo que elencassem as prioridades da área em seus respectivos Estados. Porém, a judicialização do caso poderia frustrar os planos de investimento e aplicação de recursos no Hospital Central, que havia sido colocado como uma das prioridades de Mato Grosso, segundo o Ministério.

O ex-secretário estadual de saúde conta ainda que a antiga responsável pelas obras no Hospital Central, a Aquário Engenharia, questionava na justiça a ruptura do contrato original e a abertura de uma nova licitação que tocasse as obras e que fizesse as readequações necessárias. Segündo Muller, isso também foi um empecilho, uma vez que a gestão Dante de Oliveira chegava ao fim, e não haveria tempo hábil para fazer o projeto sair do papel.

“No final da gestão de Dante, conseguimos o sinal verde da justiça para tocar esse projeto, questionado pela Aquário Engenharia. Não fizemos a licitação por conta desse problema jurídico, mas deixamos o edital e os recursos disponíveis para a próxima gestão. Porém, outro grupo político entrou e nada fizeram”. 

Diego Fredericci

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