Internacional

O Estado Islâmico não pratica nenhuma vertente do islã

Um vídeo, divulgado no último domingo (15), mostra homens vestidos com macacões laranja sendo conduzidos ao longo de uma praia, cada um acompanhado por um militante mascarado. Os homens são obrigados a se ajoelhar, depois são colocados com o rosto virado para baixo e decapitados simultaneamente.

No início do mês, no dia 3 de janeiro, em um cenário desértico, um militante encapuzado acende rastro de combustível que leva fogo para dentro da jaula onde um homem trajando uniforme laranja está preso. O fogo rapidamente atinge a vítima, o piloto jordaniano Mouath al-Kasaesbeh, que participava da coalização liderada pelos EUA para bombardear os extremistas quando foi capturado em dezembro. Depois de consumido pelas labaredas, o homem é soterrado por pedras, que destroem a jaula.

As cenas parecem compor um roteiro cinematográfico – e tem mesmo chamado a atenção pela qualidade das imagens e efeitos especiais –, mas são reais e divulgadas pelo grupo Estado Islâmico (EI), grupo jihadista radical que conseguiu recrutar milhares de combatentes. 

"A intenção do EI com esses vídeos é disseminar a sensação de horror, de que eles são o demônio na Terra e que todos devem temê-los. E pelo visto estão conseguindo", explica ao iG Reginaldo Nasser, chefe do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Lei islâmica

Mas afinal, o Alcorão, livro sagrado do islã, ou a Sharia, conjunto de leis religiosas compreendida pelo Alcorão e a Suna (obra que narra a vida do profeta Maomé), permite que muçulmanos condenem seus réus à incineração? Não, de acordo com o Sheik egípcio Abdel Hamid Metwally, líder religioso da Mesquita Brasil e chefe da Missão do Ministério dos Bens Religiosos do Egito. Para ele, esse é um dos exemplos pelo qual os jihadistas não podem ser chamados de islâmicos.

"Não há nenhuma lei no Alcorão que dá aval a esse tipo de crime. Ao contrário. Deus diz: '…quem matar uma pessoa inocente será como se tivesse assassinado toda a humanidade; e quem salvar uma pessoa é como se tivesse salvo toda a humanidade", diz. "Os que se autodenominam 'Estado Islâmico'  infringem várias leis e contradizem preceitos fundamentais do Islã", continua.

O crime provocou indignação mundial. O grão-xeque da Al-Azhar, Ahmed al-Tayeb, disse que os assassinos mereciam ser "mortos, crucificados ou ter seus membros amputados". O clérigo saudita Salman al-Odah escreveu em sua conta no Twitter: "Queimar é um crime abominável rejeitado pela Sharia [ que compõe a lei islâmica] independentemente dos motivos".

Sharia

Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP, explica que a Sharia é aplicada de acordo com a interpretação dos líderes onde a legislação é vigente. No Irã, por exemplo, a pena capital mais aplicada é a forca. Já na Arábia Saudita, as sentenças variam. Por apostasia, o condenado é decapitado com uma espada, enquanto que por adultério, a pena é a morte por apedrejamento.

"Não existe uma legislação muçulmana única e intocável porque, assim como outros livros religiosos, como a Bíblia, o Alcorão também é passível de interpretação", explica ela. "O grupo EI foge de qualquer preceito islâmico porque dizem representar o verdadeiro islã, quando aplicam penas arbitrárias cujas origens remontam do início da religião, em meados de 1.700", continua.

A estudiosa garante também que o profeta Maomé – que de acordo com a religião foi inspirado por Allah (Deus) para receber as mensagens que compõem o Alcorão – não cita em nenhum dos capítulos as práticas que o Estado Islâmico atribuem ao livro, como o rapto e escravização sexual de mulheres, usadas como espólios de guerra.

"A conduta de Muhammad era um exemplo para seus seguidores e suas interpretações se tornaram diretrizes para o islã. Ele nunca raptou uma mulher e nem escravizou nenhuma delas. Como justificar esse tipo de ação?", questiona ela.

Recrutamento

Países da Europa têm tentado conter o número de jovens que viajam à Síria para se juntar ao Estado Islâmico. De acordo com ministro do Interior francês, cerca de 1 mil cidadãos do país cruzaram a fronteira rumo à Síria. Entre os britânicos, o número ultrapassou 500 somente até metade do ano passado. 

Ao site do The New York Times, Peter Neumann, diretor do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização do Kings College London, disse que o potencial para ataques terroristas na Europa aumentou expressivamente com esses movimentos. Ele disse que as preocupações "não são maiores porque aumentou o número de jihadistas – o que vem acontecendo há meses – mas porque, com a intervenção ocidental, a atenção dos jihadistas está cada vez mais voltada para o Ocidente".

Já Kamaldeep Bhui, professor de psiquiatria cultural e epidemologia na Queen Mary University de Londres, explicou ao site do The Telegraph que a radicalização deveria ser tratada como um problema de saúde, assim como o consumo de drogas e o abuso de álcool. Para ele, adolescentes e jovens adultos que saem do Reino Unido para se juntar ao EI estão apenas depressivos e solitários e deveriam ser aceitos de volta em território britânico sem ser criminalizados por seus atos.

"O mundo está carente de alternativas, então muitas pessoas veem os extremistas como um um grupo de resistência ao imperialismo mundial, americano, enfim, uma saída", afirma Arlene Clemesha.

Fonte: IG

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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