Política

O escândalo dos grampos estremeceu a política em MT

A notícia de que a Procuradoria-Geral da República (PGR), por meio do procurador-geral Rodrigo Janot, investiga caso de interceptações telefônicas ilegais em Mato Grosso provocou uma verdadeira tempestade em todos os Poderes no Estado. Legislativo, Judiciário e, principalmente, Executivo, estão no epicentro de um furacão ainda sem magnitude estimada.

Mensageiro do caos, o ex-secretário de Estado de Segurança Pública (Sesp), promotor de Justiça Mauro Zaque, foi o responsável pela denúncia que envolveria membros da Polícia Militar e pessoas do alto escalão do governo Pedro Taques (PSDB). Entre as vítimas da suposta “arapongagem” estariam políticos, advogados e jornalistas que despertaram a inimizade do tucano.

Em meio à polêmica que marca a história recente da política mato-grossense, a sociedade também se vê em fogo cruzado entre o chefe do Executivo e o membro do Ministério Público Estadual, que um dia esteve entre dos homens de confiança do governador.

Até o momento pouco se sabe sobre o caso, já que a investigação, além de sigilosa, está apenas no início.

“A história está nos observando”

A existência de suposta central clandestina de grampos telefônicos em Mato Grosso veio à tona na quinta-feira (11.05), quando o governo do Estado anunciou a exoneração do ex-chefe da Casa Civil Paulo Taques. Sua saída foi anunciada como um acordo entre Paulo e seu primo, o governador Pedro Taques, para que o homem forte do Executivo deixasse o Palácio Paiaguás e cuidasse pessoalmente das investigações envolvendo a suposta “arapongagem”.

A saída de Paulo ocorreu horas depois de o governo ser procurado por uma equipe do programa “Fantástico”, da Rede Globo, que elaborava reportagem especial sobre o caso. A matéria foi veiculada no domingo (14.05).

Nesta quarta-feira (17.05), o promotor Mauro Zaque conversou, pelo aplicativo WhatsApp com a reportagem do Circuito Mato Grosso e deu mais detalhes sobre a denúncia que encaminhou à PGR.

De acordo com o promotor, ele recebeu a denúncia das escutas clandestinas de forma anônima, no final de setembro de 2015, quando ainda estava na Sesp. Como não poderia realizar a investigação do caso, ele diz que elaborou uma apresentação da análise preliminar sobre a “arapongagem” em um arquivo de PowerPoint e mostrou, pessoalmente, ao governador. A apresentação, segundo Zaque, foi feita na presença do então adjunto da Sesp, Fábio Galindo.

“O governador se mostrou muito preocupado com a questão e disse que iria adotar as providências necessárias. Falei que era necessário realizar a troca do comando da PM – na época, com o coronel Zaqueu Barbosa. Ele disse que iria mexer, mas no tempo dele”, relatou ao Circuito.

Após a apresentação, Zaque disse que protocolou toda a denúncia junto ao setor responsável no Palácio Paiaguás.

Segundo o promotor, sua exoneração da Sesp, em dezembro daquele ano, se deu justamente pela falta de posicionamento de Taques, que na época se recusou a adotar medidas para afastar os possíveis responsáveis pelos grampos.

“Como ele [Pedro Taques] disse que precisaria do seu tempo para tomar as medidas, eu entendi que não cabia mais me envolver. Pedi para sair”, afirmou.

Zaque completou que a denúncia só foi encaminhada à PGR no início de 2017, após esperar que o governador tomasse alguma medida para investigar o caso. “Como não teve qualquer providência, eu encaminhei a documentação para a Procuradoria-Geral da República, para que tivesse conhecimento dos fatos e tomasse as providências que achasse pertinentes. Não apontei culpados. Constatei os fatos e encaminhei para apuração, para quem é de direito”.

Agora, com a denúncia feita, Zaque afirmou que cumpriu seu papel. A expectativa é de que tal caso sirva de exemplo, para que novas interceptações telefônicas ilegais com cunho político não voltem a ocorrer.

“Esse é o tipo de crime que precisa ser apurado com todo o rigor. Não é um crime apenas contra aqueles que foram diretamente grampeados ilegalmente. Isso atinge a toda a sociedade. Não podemos ficar reféns de algo dessa magnitude. Mato Grosso precisa virar essa página para poder caminhar a um futuro digno. A história está nos observando”, ressaltou.

A denúncia em detalhes

Conforme a denúncia do promotor Mauro Zaque, membros da Polícia Militar aproveitaram uma investigação relacionada ao tráfico de drogas na região de Cáceres (177 km de Cuiabá), para inserir números telefônicos de políticos adversários ao governo, médicos, advogados, jornalistas, servidores públicos e até desembargador aposentado de Mato Grosso, em um pedido de quebra de sigilo.

O requerimento para as interceptações teria sido encaminhado ao MPE, que por sua vez formalizou a solicitação à Justiça estadual. A autorização teria partido do juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, que não teria tido conhecimento de que nem todos os números relacionados pela PM estavam relacionados com o crime tratado no processo.

A prática já é conhecida no mundo da espionagem como “barriga de aluguel”.

As escutas ilegais teriam começado no período das eleições de 2014, quando Silval Barbosa (PMDB) ainda era governador e Taques disputava as eleições. Em 2015, novos nomes foram incluídos nas escutas.

Segundo a denúncia, o esquema de escuta teria o envolvimento direto de pelo menos três policiais militares: os cabos Gerson Luiz Ferreira e Clayton Dorileo Rosa de Barros, e a sargento Andrea Pereira de Moura Cardoso.

Até o momento, o que se sabe é que os contatos supostamente inseridos de forma criminosa foram: a deputada Janaina Riva (PMDB); o advogado eleitoral José do Patrocínio; o jornalista José Marcondes dos Santos “Muvuca”; o atual secretário municipal de Trabalho e Desenvolvimento Humano de Cuiabá, Vinicius Hugueney (PP); o assessor do deputado Wagner Ramos (PR) Eduardo Gomes Silva Filho; o assessor especial da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) Romeu Rodrigues da Silva; a jornalista Larissa Malheiros Batista; Kely Arcanjo Ribeiro Zen, filha do ex-bicheiro João Arcanjo Ribeiro; os servidores da Assembleia Legislativa Mario Edmundo Costa Marques e Carlinhos Bergamasco (já falecido); o desembargador aposentado José Ferreira Leite; e a gerente de Inteligência e Contra-Inteligência da Casa Militar, Claudia Rodrigues de Gusmão.

A lista de grampeados é composta, até mesmo, por uma empresária que teria tido um relacionamento amoroso com o ex-secretário-chefe da Casa Civil Paulo Taques, Tatiane Sangalli.

De acordo com Zaque, outros nomes e o número exato de alvos grampeados ilegalmente são ainda incertos.

“Nessa analise preliminar eu não pude pontuar isso [quantidade de grampos]. A partir do momento em que eu identifiquei que havia algo de errado, já encaminhei para tomarem providências. Eu me abstive de praticar qualquer ato de investigação”, declarou.

Pivô do escândalo

Ex-secretário da Sesp, Zaque negou a “pecha” de pivô do escândalo que abalou as estruturas do Palácio Paiaguás.

“O pivô desse escândalo não fui eu que denunciei. O pivô foi quem mandou fazer esse tipo de crime. É quem ouviu advogado e deputado no exercício da função. Eu só tomei conhecimento e cumpri o meu dever como agente público”, afirmou.

Zaque, no entanto, não soube – ou não quis – apontar quem seria o real pivô para uma atitude de tamanha envergadura.

“Documento foi fraudado”

Acusado de omissão, e sentindo-se atacado em sua honra, Pedro Taques partiu para o contra-ataque e afirmou nunca ter sido comunicado sobre a central de supostas interceptações telefônicas ilegais. Além disso, acusou Mauro Zaque de apresentar ofício com protocolo fraudado à Procuradoria-Geral da República.

De acordo com o tucano, o número do protocolo do ofício apresentado por Zaque é o mesmo de outro ofício protocolado pela Câmara Municipal de Juara solicitando a realização de obras naquele município.

Taques revelou que a única denúncia que chegou ao seu conhecimento, diversa da que veio a público, foi recebida do então secretário Mauro Zaque, no dia 8 de outubro de 2015. Esta foi encaminhada ao Ministério Público Estadual (MPE) no dia 14 daquele mês, e arquivada pelo então coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), promotor Marco Aurélio de Castro, no dia 27 de outubro de 2015.

“Como governador, só posso tomar as providências que meu cargo determina, a partir do momento que tenho conhecimento do documento. Como tomar providências se eu não conheço o documento?”, questionou.

Ao refutar qualquer envolvimento no suposto esquema de escutas ilegais, o governador, na sexta-feira (12.05), apresentou representação contra o promotor ao procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, procurador Mauro Curvo – que deve analisar a conduta de Zaque.

Em sua defesa, Zaque declarou estar tranquilo quanto à investigação de sua conduta no caso. Ele afirmou que acredita que tal representação será arquivada sem maiores problemas.

“Não sou homem de mentir, muito menos de fraudar. Protocolo do Estado não fica sob gestão do Mauro Zaque e sim do governo. A minha obrigação como agente público era protocolar e encaminhar. Assim eu fiz. Se de lá para cá surgiu isso [protocolo com o mesmo número], quem deve dar explicação disso é o governo”, declarou.

Ele ainda ressaltou que só em um momento de loucura enviaria ao procurador-geral de Justiça, Rodrigo Janot, um documento fraudado. “Estou muito tranquilo. A não ser se eu fosse louco de fraudar um protocolo e mandar para o procurador-geral da República”.

Zaque acusou o governo do Estado de usar a suposta fraude como uma tentativa de desviar a atenção do fato grave: a real existência de interceptações telefônicas.

“Isso é uma questão menor. A maior questão é se houve uma interceptação ilegal, quem mandou fazer, quem fez e como se irá punir essas pessoas. Este é o foco que não podemos perder. É a questão central à qual devemos nos ater”, pontuou.

Impacto geral

A denúncia das escutas telefônicas ilegais não teve impacto apenas no Poder Executivo. Na Assembleia Legislativa, por exemplo, os cinco deputados de oposição, liderados por Janaina Riva – na lista dos grampos –, se mobilizaram a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para a investigação do caso.

No entanto, como são minoria, os deputados da base aliada, orientados pelo Palácio Paiaguás, afinaram o discurso e abafaram o caso. Eles argumentam que a CPI iria ser improdutiva, além de impactar os cofres legislativos sem necessidade, uma vez que a investigação já é realizada pelos órgãos competentes.

Os oposicionistas, no entanto, ameaçaram buscar o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para afastar o governador.

No Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), o presidente Rui Ramos, por meio da Corregedoria-Geral de Justiça, determinou que juízes da esfera criminal apresentem informações sobre decisões tomadas entre 2014 e 2017, que envolvam pedido de quebra de sigilo telefônico.

A Polícia Militar também se posicionou. Na segunda-feira (15.05), o comandante geral da PM, coronel Jorge Luiz de Magalhães, determinou a instauração de um Inquérito Policial Militar para apurar denúncias de desvio de conduta atribuídos a militares na utilização do sistema 'Guardião' – sistema de software e hardware de interceptação telefônica de alta tecnologia.

No caso em discussão, a PM tem acesso a um ramal do sistema que pertence ao Ministério Público Estadual, por meio do Gaeco. A utilização pela PM se dá por meio de um termo de cooperação técnica.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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