Olinda Altomare Opinião

O Discurso do Rei

O filme “O Discurso do Rei” oferece uma rica análise de temas como superação pessoal, pressão social e o impacto de abordagens terapêuticas alternativas.

O protagonista, o Príncipe Albert (futuro Rei George VI), sofre de um severo problema de gagueira que é exacerbado por sua insegurança e a intensa pressão da vida pública. Desde jovem, ele foi submetido a críticas, rejeição e constrangimentos, tanto na esfera familiar quanto na pública. Esses traumas e a constante expectativa de perfeição reforçam sua ansiedade e agravam seu problema de fala.

A pressão aumenta quando ele precisa assumir o trono após a abdicação de seu irmão, Edward VIII. Como monarca em tempos de guerra, a habilidade de se comunicar eficazmente torna-se vital. Sua gagueira, portanto, simboliza não apenas uma barreira pessoal, mas também um obstáculo na construção de sua legitimidade e liderança.

A relação entre insegurança e dificuldade de fala no filme reflete um fenômeno real, no qual transtornos de comunicação podem ser intensificados por fatores emocionais e psicológicos, como baixa autoestima, medo do julgamento e pressão externa.

O ponto de virada na jornada do protagonista ocorre com a ajuda de Lionel Logue, um fonoaudiólogo autodidata que utiliza métodos pouco ortodoxos para a época. A abordagem de Logue vai além dos exercícios mecânicos de fala, enfocando a raiz emocional do problema. Ele trata Albert como um ser humano, não como uma figura real intocável, criando uma relação de confiança e segurança.

Logue desafia as convenções da monarquia ao insistir que a terapia só funcionará se o príncipe enfrentar suas emoções reprimidas e traumas do passado. Ao mesmo tempo, ele introduz técnicas criativas, como exercícios de relaxamento corporal, práticas de respiração e até mesmo métodos humorísticos que ajudam Albert a se desinibir. Esses métodos mostram que problemas aparentemente técnicos de fala frequentemente têm causas emocionais profundas que requerem uma abordagem mais holística e empática.

Várias lições são trazidas a baila com esse filme, como por exemplo, a superação pessoal, pois a trajetória do rei mostra que, mesmo em situações de extrema pressão, é possível superar limitações quando se tem apoio adequado e coragem para enfrentar as vulnerabilidades.

Destaque para a importância da empatia na terapia: Logue demonstra que compreender o indivíduo como um todo — suas emoções, medos e contexto social — é essencial para qualquer processo de cura ou aprendizado.

A relação de amizade e igualdade entre Albert e Logue ilustra que a confiança e a colaboração são mais eficazes do que relações autoritárias e distantes, especialmente no enfrentamento de problemas sensíveis, revelando a importância da quebra de hierarquias.

O discurso final, no qual Albert consegue se expressar claramente, simboliza a conquista de sua voz — tanto literal quanto figurativa — e a sua aceitação do papel de liderança, mostrando que comunicação não é apenas uma habilidade, mas uma ferramenta de poder e conexão.

“O Discurso do Rei” apresenta uma reflexão profunda sobre como desafios pessoais podem ser exacerbados por fatores externos, mas também superados com perseverança e apoio adequado. A abordagem terapêutica não convencional destaca a importância de compreender a complexidade dos problemas humanos, indo além de soluções técnicas e tratando o indivíduo com empatia e respeito.

 A jornada de Albert é um lembrete de que as limitações podem ser transformadas em forças com o ambiente certo e a determinação necessária.

“O Discurso do Rei” não é apenas memorável por sua narrativa envolvente, mas também pela excelência técnica e pelas atuações marcantes que ajudam a transmitir a intensidade emocional da história. 

A fotografia, comandada por Danny Cohen, utiliza enquadramentos peculiares para transmitir o estado emocional do protagonista. O uso frequente de planos fechados e ângulos assimétricos cria uma sensação de confinamento e desconforto, refletindo o isolamento e a ansiedade de Albert.

Em algumas cenas, o espaço vazio ao redor do personagem enfatiza sua sensação de inadequação e a pressão esmagadora de seu papel.

A paleta de tons frios e sombrios combina com o clima introspectivo da narrativa e a austeridade do ambiente monárquico. Nos momentos de maior superação emocional, há um leve aquecimento nas cores, sutilmente representando a evolução interna do personagem.

Os cenários são ricos em detalhes históricos e ajudam a ambientar a história no período pré-Segunda Guerra Mundial. Locais como os aposentos reais e o modesto consultório de Lionel Logue contrastam a grandiosidade da realeza com a simplicidade do terapeuta, reforçando a tensão entre os mundos dos dois personagens.

O uso de silêncios é tão impactante quanto os diálogos, intensificando a angústia do protagonista. A abordagem sutil e respeitosa imposta pela direção do filme permite que os momentos de maior emoção pareçam autênticos, sem cair no melodrama.

Colin Firth que interpreta Rei George VI, entrega uma das melhores performances de sua carreira, ganhando o Oscar de Melhor Ator. Ele captura com perfeição a fragilidade emocional e a rigidez do personagem, além de representar fisicamente a tensão causada pela gagueira. A autenticidade de sua atuação faz o público sentir a angústia e as pequenas vitórias de Albert ao longo do filme.

O ator equilibra habilmente a dignidade de um monarca com a vulnerabilidade de um homem profundamente inseguro.

Embora com menos tempo de tela, Helena Bonham Carter brilha como a Rainha Elizabeth. Sua interpretação é sensível e discreta, trazendo um apoio constante e amoroso para o marido sem ser submissa. Ela adiciona profundidade ao papel de esposa e aliada do protagonista.

A trilha sonora de Alexandre Desplat é um dos pilares emocionais do filme. A música complementa os momentos de maior tensão e triunfo sem se sobrepor à narrativa. O uso de obras clássicas, como Beethoven, também contribui para aumentar a solenidade e o peso emocional, especialmente no discurso final.

O filme brilha tanto em suas escolhas técnicas quanto na força das atuações. Colin Firth e Geoffrey Rush entregam performances cativantes que elevam a história. A direção cuidadosa, fotografia evocativa e trilha sonora emocional tornam “O Discurso do Rei” um exemplo brilhante de como elementos técnicos e artísticos podem se alinhar para criar uma experiência cinematográfica inesquecível.

Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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