Convocado pelas partes interessadas o Demônio (esta entidade abstrata) entra de vez nas campanhas eleitorais brasileiras neste ano de 2022. Só um detalhe: cada parte da disputa alardeia que quem convive com o Coisa-ruim é o adversário.
Michele, a esposa do Bolsonaro, garante que o Tinhoso habitava o palácio e que, com a ajuda de estridentes pastores e muita oração o expulsou de lá. O Lula, em contrapartida, afirma que é o marido da Michele que está possuído pelo Lúcifer.
Assim, cada uma das partes informa que o Príncipe as trevas convive com a outra, mas será vencido por aqueles que estão protegidos pela graça de Deus.
Neste “já tão longo andar” (como disse Mário Quintana) ainda não tinha visto o Capeta participar com tamanha desenvoltura das campanhas presidenciais.
Aliás, o Belzebu era um discreto observador das religiões, só vez ou outra, aqui e acolá, era visto em ação, convocado por algum padre ou pastor exorcista.
As Igrejas Cristãs conviviam entre si com tolerante respeito. A Católica com sua predominante maioria (cerca de 90% nos anos 1960) mantinha com folga sua hegemonia e os protestantes, também conhecidos como crentes, corriam por fora, cooptando com grande esforço um ou outro fiel que topava mudar de religião.
E assim seguiam com seus cultos e missas protocolares, cantando seus hinos e salmos de ritmos arrastados e palavras de louvor.
Foi aí que alguns crentes mais arrojados intuíram que para dar um upgrade em suas igrejas era preciso sair da monotonia oferecendo uma experiência mais animada aos interessados em um avivamento da fé. Precisavam buscar um reforço.
Alguém teve a ideia de escalar o mitológico Satanás que andava meio apagado, como atrativo dos cultos. Deram-lhe o papel de bufão para participar das pantomimas que encenavam encarnações diabólicas.
Nas igrejas o imaginário Pai da mentira que incorpora nos crentes ingênuos sempre perdia as lutas para os pastores exorcistas. Estes, no fim da batalha espiritual o expulsavam do corpo que ocupara sem autorização do dono.
O fim planejado era conseguir instalar um clima de medo e ansiedade entre os crentes. Conseguiram. Uma onda nunca vista de possessões demoníacas alastrou-se no povo. Passaram a atribuir a cada doença comum uma causa satânica.
O interessante é que o Diabo – essa entidade que existe somente na imaginação das pessoas – se mostrava o mais tolo dos lutadores, pois embora perdesse todas as batalhas a que fora convidado não se recusava a comparecer de novo ao mesmo ringue para outra vez sair desmoralizado, expulso com o rabo entre as pernas.
Os protestantes que eram 4% da população na década de 1960 dividiram-se em vários ramos pentecostais. Chegaram aos atuais 32% da população e serão metade dela em 2030.
Os políticos na disputa por votos perceberam a chance de lançar uma nova “batalha espiritual” e o Demônio está outra vez convocado para participar dos confrontos. Jurando defender o cristianismo que prega a verdade, pastores esganiçados mentem para o povo que a esquerda diabólica vai fechar as igrejas cristãs se o Lula ganhar a eleição. “A verdade que nos libertaria”, alardeada em 2018, é somente mais uma mentira de campanha.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor