Opinião

O DIA QUE NÃO ACABOU

Era pra ser mais um dia.  Mas não foi. Acordei com a boca seca, meio com dor de cabeça, ressaqueado pelo excesso de Pint´s da noite anterior. Escovei o dente, coloquei uma calça e desci rapidamente as escadas passando cera  Tony Guy pra bagunçar o meu cabelo. Paro em frente ao ponto de ônibus.  Um helicóptero passa em alta velocidade. Até aí sem novidades. Moro em Island Gardens, na beira do rio, perto de Carnary Wharph, o maior centro comercial do mundo. Mesmo largando na porta do escritório, nunca pego ônibus,  pois a essa hora está sempre lotado.

Caminho até uma estação de metrô, duas quadras dali, pego meu Jornal Metrô, vejo que o Arsenal não havia comprado ninguém pra estreia da Champs, ligo meu Ipod e vou tranquilamente na bela linha de Docklands, onde os carros de metrô são de vidro e, pela maior parte do trajeto, suspensos, ao ar livre. Ia para Liverpool Street, ponto final, estação lendária que fica próxima a Brick Lane, na Old Truman Brewery, onde dividia a sala com um amigo que importava açaí para a Ilha. Escutava Rolling Stones The Circus, quando notei que não paramos numa estação lotada. Aliás, nesse dia, não tem como esquecer nada.

Uma mulher com sotaque do norte de Londres, o cockney, que não se entende nada, começou a chorar e falar. Só entendia o Gosh! Gosh! Como bom pisciano, me apertou a coração. Passamos por mais uma estação, esta já vazia, sem o trem parar, cada vez aumentando mais a velocidade. Até que chegamos em Liverpool Street. Sirenes de alarme estilo nuclear soavam repetidamente deixando todos em pânico. Policial mandavam a gente apenas correr. Tentei perguntar para uma policial, mas me empurrou e mandou eu correr. Saindo da estação a polícia montada carrega o público, milhares de pessoas, como se estivessem tocando gado. Um helicóptero dos bombeiros aterrissa em plena Liverpool Street. Duas mulheres sangrando passam correndo, um bombeiro empurra uma maca rapidamente para estação. Um homem de 2 metros de altura pega forte no meu braço, me aponta para o curral de pessoas e enfatiza:

– Fast!

Fui. Engraçado que não tive tempo de pensar. Só pensava em medo. Só pensava em sair. Muitas dúvidas. Todas ruas interditadas. Fast. Fast. Fast. Só pensava em 11 de setembro. O que aquelas pessoas passaram. Tudo que havia visto na TV. Fast. Fast. Fast. O que seria agora? Outro avião? Arma química? Míssel. Fast. Fast. Fast. Sempre disse que essa cruzada cultural ocidental imposta pela potência financeira só vai aumentar o terrorismo. Que a globalização é importante sim, mas cada país tem sua tradição. Que impor costumes em prol de uma maior ascensão financeira transformariam Bin Laden num ícone. Fast. Fast. Fast. Aturdido pelos pensamentos, chegamos à beira do Rio Tamisa. Notei que as balsas estavam funcionando. Corri o quanto meu joelho permitiu para fila. Em menos de 5 minutos e depois de uma séria revista, estava nas balsas que andam pelo rio, em direção de casa.

– Dindon. – Soa o alerta do microfone do barco, estilo de aeroporto.

Chamada do capitão. Aparentando nervosismo ele disse que havia acontecido um ataque terrorista em Liverpool Street e em outros 4 pontos diferentes da cidade. Não sabia quantas mortes. Era o dia 7 de julho de 2005. O dia em que decidi voltar pro Brasil. 

João Manteufel Jr.

About Author

Mais conhecido como João Gordo, ele é um dos publicitários mais premiados de Cuiabá e escreve semanalmente a coluna Caldo Cultural no Circuito Mato Grosso.

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