Opinião

O Corta-Jaca no palácio

O som do aparelho portátil CD Rádio Cassette Recorder Philips, presenteado à filha Loyuá quando criança, entremeou-se ao ruído domingueiro dos afazeres domésticos. Resistindo ao tempo, o azul e a prata amortecidos denunciam seu tempo de uso. Vez por outra, o botão de ajuste do som aparelho precisa sofrer intervenções de leves tapinhas para voltar a funcionar.

O aconselhável é manter fidelidade com uma única estação de Rádio, evitando que o manuseio constante ocasione danos mais sérios ao precário aparelho que se reveste de tantas lembranças afetivas. E assim, costumeiramente sintonizado na programação musical da Rádio Senado, o domingo abriu-se para receber Nair de Teffé (1886-1981), Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Machado Careca (1886-1956).

Antes de o locutor da Rádio Senado botar para tocar Corta-Jaca, o maxixe ou tango brasileiro de Chiquinha Gonzaga e Machado Careca foi misturado ao escândalo da recepção oferecida pelo presidente da República Hermes da Fonseca (1855-1923) e pela primeira-dama Nair de Teffé no elegante salão do Palácio do Catete naquela inesquecível noite carioca de 1914. Corta-Jaca rompia o cerco da música europeia, esta a única convidada para animar os salões da elite carioca, para dar vez à música popular. Com as vozes de Chiquinha Gonzaga e Machado Careca, Nair de Teffé entrou com o violão, instrumento até então à margem da vida festiva do Palácio do Catete. Rui Barbosa, senador e adversário de Hermes da Fonseca, usou a imprensa carioca para manifestar seu desamor à “alforria” da música popular brasileira, dança de salão gerada por afrodescendentes.

Ao soar Corta-Jaca, o mexe-mexe da cozinha silenciou para protagonizar seus intérpretes que saltavam do aparelho portátil CD Rádio Cassette Recorder Philips, este a tomar fôlego e “que por certo se há de render” por mais algum tempo como o “passo de feitiço” do Corta-Jaca nos primórdios republicanos.

 

Corta-Jaca

Neste mundo de misérias

Quem impera

É quem é mais folgazão

É quem sabe cortar jaca

Nos requebros

De suprema, perfeição, perfeição

 

Ai, ai, como é bom dançar, ai!

Corta-jaca assim, assim, assim

Mexe com o pé!

Ai, ai, tem feitiço tem, ai!

Corta meu benzinho assim, assim!

 

Esta dança é buliçosa

Tão dengosa

Que todos querem dançar

Não há ricas baronesas

Nem marquesas

Que não saibam requebrar, requebrar

 

Este passo tem feitiço

Tal ouriço

Faz qualquer homem coió

Não há velho carrancudo

Nem sisudo

Que não caia em trololó, trololó

 

Quem me vir assim alegre

No Flamengo

Por certo se há de render

Não resiste com certeza

Com certeza

Este jeito de mexer

 

Um flamengo tão gostoso

Tão ruidoso

Vale bem meia-pataca

Dizem todos que na ponta

Está na ponta

Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!

 

 

 

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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