A concorrência em parceria público-privada (PPP) para iluminação pública de Cuiabá foi realizada sem qualquer tipo de estudo de demanda de serviços. O edital de R$ 712 milhões lançado em janeiro de 2016 pelo prefeito Mauro Mendes (PSB) e encerrado em dezembro continha erros crassos, que levariam ao prejuízo do poder público ao longo de execução do contrato.
A avaliação consta de relatório do grupo de trabalho criado em janeiro deste ano para analisar o contrato, que teria validade por trinta anos. Sete irregularidades são citadas no parecer do grupo de avaliação e dois chamam a atenção por conflito com normas administrativas de procedimento.
O primeiro é a especificação de serviços no edital sem respaldo em dados que apontem a condição do parque de iluminação pública na capital. Em outras palavras, os números previstos no edital poderiam ter pouca mudança ou extrapolar o realmente necessário.
“Encontramos o processo já na fase edital, nenhum antecedente com indicações do atual parque de iluminação pública foi realizado, e isso é critério procedimental chamado proposta de manifestação de interesse (PMI). Não sabemos de onde saíram os números apresentados no edital e, consequentemente, no contrato”, diz o procurador-geral do município, Nestor Fidélis.
Ele explica que a PMI abre os procedimentos de estudos apresentados por uma empresa interessada em explorar serviços públicos. A partir da avaliação dos dados apresentados, o poder público analisa as necessidades de demanda e os parâmetros que serão adotados em eventual concorrência pública.
“Se começar sem esse estudo, fica difícil dizer para onde ir, porque não se tem base do que está sendo feito. Consequentemente, todas as etapas, do lançamento do edital à assinatura do contrato, estarão com irregularidades”.
Conforme o edital, nos três primeiros anos de contrato 67 mil lâmpadas incandescentes teriam que ser trocadas por tecnologia LED em toda a capital. Além disso, no primeiro ano de contrato, havia previsão para instalação de 27 mil lâmpadas no sistema de iluminação pública em Cuiabá.
O segundo erro, mais alarmante, identificado pelo grupo de estudos tem relação direta com o volume de serviços previsto no edital. Conforme o procurador Fidélis, ao longo da concorrência pública, a comissão responsável pela elaboração do edital reduziu em 75% a quantidade de serviços a serem executados, no entanto o valor do edital continuou em R$ 751 milhões.
“O consórcio passaria a administrar os serviços por meio de telegestão com redução de 75% da demanda de serviço, no entanto, o valor edital continuou o mesmo, ou seja, a empresa faria menos serviços por um valor correspondente a um montante bem maior”.
As mudanças sem embasamento tiveram reflexo mesmo na alteração do valor do edital. No lançamento do edital, a previsão de custos de serviços estava em pouco mais R$ 751 milhões, mas no fechamento, os custos estavam estimados em R$ 712 milhões, alteração que, segundo o procurador do município, não foi justificada.
Comitê de gestão PPP não cumpriu papel de fiscalização
Os erros grosseiros identificados pelo grupo de trabalho da Prefeitura de Cuiabá criou insegurança jurídica na execução do contrato e poderiam ter reflexos de difícil resolução. Eles podem ter ocorrido por ausência de regulamentação de comitê responsável por comandar as negociações.
“Nós encontramos documentos com uma mesma numeração, outros sem assinatura do secretário de Serviços Urbanos, que seria o maior interesse no procedimento, pois começaria por lá o procedimento de concorrência”, diz o procurador Nestor Fidélis.
Ele diz ainda que não foi identificada pessoa na chefia do comitê, o que deixou as decisões tomadas sem firmeza de responsabilidade pública. O começo irregular da concorrência já pelo edital de serviços também poderia ser atribuído a essa falha.
“Pode ter sido uma decisão de boa vontade, mas que foi feito às pressas. Até onde sabemos, o comitê não conseguiu cumprir seu papel. No procedimento normal de uma licitação, é necessário o termo de referência que justifique onde e quanto do que está sendo adquirido será aplicado, especificamente neste contrato. Não havia isso”.
Conforme o procurador, essa irregularidade fica mais acentuada se considerado o modelo de contrato, de parceria público-privada, cujos parâmetros são mais amplos e envolvem mais critérios jurídicos de embasamento.
O edital para iluminação pública foi lançado pela Prefeitura de Cuiabá em janeiro de 2016 e foi suspenso em março por decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Tribunal de Justiça. A seleção ficou suspensa por cerca de sete meses, tempo no qual o TCE e o TJ analisaram recursos de concorrentes, que apontavam vícios no certame.
A retomada ocorreu no dia 31 de outubro e a seleção oficial do vencedor, o Consórcio Cuiabá Luz, foi anunciado pouco mais de um mês mais tarde. O consórcio chegou ao final da disputa sem concorrentes.
Concorrência teve atropelamento de etapas, diz procurador
O comitê responsável pela organização da concorrência pública registrou apenas uma ata de reunião de debate sobre a contratação do serviço. Segundo o procurador Nestor Fidélis, o “atropelamento” de etapas procedimentais para a montagem da concorrência abre a possibilidade de interpretação de erros mais graves durante a elaboração da disputa.
“Conseguimos identificar registro de somete uma reunião, assim mesmo a ata não tinha assinatura de todos os membros do comitê que neste caso é a do secretário [Roberto] Stopa. Essa falha pode levar à interpretação de erros mais graves no procedimento, por mais que tenham tido boas intenções no contrato”.
Segundo ele, novamente, a falta de atuação adequada do comitê gestor da concorrência pode ser associada ao desdobramento de erros identificados pelo grupo de trabalho. “Esse comitê seria o responsável por debater o assunto sobre a iluminação pública, realizar a audiência para em seguida elaborar e apresentar o edital, que realmente deveria estar no procedimento, mas sem sustentação”.
A atuação dúbia do comitê aparece, por exemplo, na eliminação de empresa concorrente e posterior nova aceitação dela na disputa. “Uma empresa concorrente questionou porque havia sido desclassificada da concorrência e uma semana depois o comitê aceitou novamente a participação dela. Mas não justificou nem porque havia excluído e nem porque resolveu aceitá-la novamente. Isso é muito grave, pois gera insegurança jurídica”.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Contas convocou os secretários Rafael Cotrim (Gestão) e José Roberto Stopa (Meio Ambiente) para esclarecer irregularidades identificadas no contrato. A decisão foi tomada com base em parecer do Ministério Público de Contas que apontou sete irregularidades, dentre elas falta de clareza das decisões tomadas durante o processo de seleção dos concorrentes, que teria sido realizado com base em estudo “genérico e superficial”.
Consórcio diz que decisão de prefeito é estranha e tem intenção desconhecida
A FM Rodrigues e Cia Ltda. classificou de estranha a decisão do governo em suspender a concorrência pública, cancelando o contrato para serviços de iluminação pública em Cuiabá. Em nota, o diretor administrativo da empresa, que compõe o Consórcio Cuiabá Luz, Roberto Machado, disse que o grupo irá recorrer de decisão anunciada na sexta-feira (9) pelo prefeito Emanuel Pinheiro.
“Consideramos a atitude do prefeito estranha e com intenções desconhecidas. As alegações para tal medida são infundadas. Tanto o Tribunal de Justiça quanto o Tribunal de Contas do Estado já haviam autorizado a concorrência. Já investimos mais de R$ 7 milhões no contrato que, somados às indenizações por rescisão arbitrária e infundada, vão nos gerar uma indenização milionária, ainda mais em se tratando de uma PPP”, afirmou.
Questionado sobre a execução de serviços, o diretor afirmou que aguardava definição do TCE sobre a validade para dar início ao cumprimento do contrato. “Mas já capitalizamos o necessário para dar início aos trabalhos, e a decisão do prefeito nos pegou de surpresa”.
O Consórcio Cuiabá Luz (BA) é composto pelas empresas FM Rodrigues e Cia Ltda, Cobrasin Brasileira de Sinalização e Construção Ltda e Sativa Engenharia Ltda. O contrato foi assinado com prefeito Mauro Mendes no dia 16 dezembro, para um prazo de trinta anos de validade.
VEJA O ANDAMENTO DO EDITAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA
20/12/2013 – INÍCIO DAS ARTICULAÇÕES
14/12/2014 – DEFININDO A PPP
12/01/2016 – EDITAL 001/2016 É LANÇADO
19/02/2016 – TCE SUSPENDE O CERTAME
1º/03/2016 – TCE MANTÉM A SUSPENSÃO
31/10/2016 – PREFEITURA RETOMA CERTAME
03/11/2016 – CIRCUITO ANTECIPA VENCEDOR
18/02/2016 – CONCORRENTE É DESCLASSIFICADA
14/12/2016 – CUIABÁ LUZ VENCE O CERTAME
08/02/2017 – TCE SUSPENDE O CONTRATO
08/03/2017 – EMANUEL PINHEIRO PEDE 30 DIAS
14/03/2017 – MAURO MENDES CRITICA SUSPENSÃO
21/03/2017 – DESEMBARGADOR NEGA SUSPENSÃO
22/03/2017 – CONTRATO DESNECESSÁRIO
09/05/2017 – NOVA REJEIÇÃO DO TCE
09/06/2017 – PREFEITURA CANCELA CONTRATO DE R$ 712 MILHÕES
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