Newton Hidenori Ishii, 63 anos, ficou internacionalmente conhecido como o Japonês da Federal. O policial ganhou destaque e notoriedade realizando a condução de presos renomados como Marcelo Oderbrecht, José Carlos Bumlai e Léo Pinheiro, entre outros envolvidos na operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF).
Newton esteve em Cuiabá para lançar a sua biografia O Carcereiro, escrita pelo jornalista Luís Humberto Carrijo e concedeu uma entrevista especial ao Circuito Mato Grosso. Na entrevista, ele falou sobre a sua exposição na imprensa, desmente o polêmico texto publicado na Folha de S. Paulo, no qual teria dito que a prisão de Lula “foi por uma besteira”, falou sobre política, o suposto envenenamento de Alberto Youssef e criticou a série O Mecanismo, que tratou dos bastidores da Operação Lava Jato.
Hoje aposentado, Newton Ishi viaja pelo Brasil para divulgar o livro que conta sua história e faz revelações sobre a maior operação policial do Brasil.
Circuito Mato Grosso: Quando ocorreu seu ingresso na Polícia Federal?
Newton Ishi: Eu entrei na Polícia Federal em 1975, em Brasília. A decisão foi por influência do meu ex-sogro, na época eu estava namorando a filha dele, que tinha 15 anos e eu tinha 18. A minha namorada veio dar o recado, que o pai dela havia falado que abriria concurso para a Polícia Federal e que era para eu fazer. Fiz sem saber qual a competência da PF, então estudei, prestei o concurso e passei, apesar de não ser o meu sonho ser policial.
CMT: Qual era o seu sonho nesse tempo?
NI: Eu queria ser piloto de voo comercial, mas apesar de não ser o meu sonho, após trabalhos como policial, me senti em casa e amei essa profissão, esse sacerdócio. Foi meu único emprego praticamente.
CMT: Qual seu maior orgulho como policial federal?
NI: É de poder ajudar a sociedade e o próprio país, pois é de competência da Polícia Federal, e graças a Deus é uma instituição muito séria e respeitada.
CMT: Você disse em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, que a prisão do ex-presidente Lula foi por uma besteira. Como se deu a declaração?
NI: O que aconteceu de fato é que eles pegaram uma parte da minha resposta, colocaram como título para chamar a atenção. O que eu disse realmente é que entre todos os crimes praticados por ele, de que ele é acusado, a compra do triplex era uma besteira. Ele podia e foi orientado a passar o triplex para o nome dele, e ele não quis, pois era uma quantia irrisória pela situação financeira dele, pelos bens que ele possui, é isso o que eu disse. Não falei que a prisão dele foi uma besteira de se analisar.
CMT: Apesar de ser considerado um valor “irrisório”, você concorda que a prisão dele foi fundamental para a Operação Lava Jato?
NI: Sim. Aliás, todas as prisões foram fundamentais. A Polícia Federal fez um trabalho impressionante e elogiado, pois conseguiu obter provas para que pudesse, através da procuradoria, que o Sérgio Moro expedisse os mandados de prisão, por meio das provas obtidas e ninguém era preso para ser investigado. Todos os presos foram investigados e havia provas robustas e a consequência disso era a prisão.
CMT: E como foi realizar a prisão de tantas pessoas influentes no País, como empresários e políticos?
NI: Eu não gostaria de ter prendido essas pessoas. E aí você tem duas interpretações. “Ai, não queria prendê-los por quê?”, porque não gostei mesmo, pois eu queria estar vivendo em um País onde eles não tivessem cometendo crimes. Seria bom a PF não ter que prender essas pessoas, nós queríamos que essas pessoas estivessem agindo corretamente, sem cometer crimes.
CMT: E esse clamor de parte da sociedade em apoiar o ex-presidente e querer condenar a Polícia Federal e o Juiz Moro, dizendo que é uma prisão política, de esquerda contra direita?
NI: Aí é a opinião de cada um, são pessoas, por exemplo, que não entendem nada da parte legal. Isso aí é a opinião deles, assim como existe a opinião de que o Lula não vai sair jamais da cadeia, e opinião é opinião.
CMT: Mas esse apoio a alguém condenado, você acredita que é por causa da cultura do povo brasileiro?
NI: A cultura do brasileiro, justamente é isso que sempre falo: enquanto nós não mudarmos a nossa cultura, e nossa que digo, é a minha, a sua, a dele, de chegar e jogar um papel na rua, um cigarro no chão, de ultrapassar pelo acostamento, coisas simples em que você está cometendo um ato infracional. Essa futilidade que faz a pessoa cometer algo ainda maior. Veja bem, se essa pessoa tiver essa mudança de cultura achando que você deve cumprir o seu papel em respeito ao terceiro e ao Estado, poxa, o Brasil vai para frente, mas tudo isso depende da educação.
CMT: A falta de impunidade não leva a essa falta de cultura do povo brasileiro?
NI: Acredito que não, pois se você é uma pessoa séria, você vai ser sério. Em algum momento que te oferecerem alguma coisa você vai negar, agora se você aceitar, você já não era uma pessoa séria, só estava esperando uma oportunidade para ganhar. Por isso eu digo a importância de nossa cultura, e vem lá debaixo a educação. Você nunca aceitou uma propina de R$ 10 milhões, pois não teve a oportunidade, agora se te oferecerem e não pegar é porque teve uma educação, uma base familiar forte. Não vamos falar que todo mundo é corrupto ou não, isso depende da formação.
CMT: Dentro da PF já ouve oferecimento de propina à sua pessoa?
NI: Claro que você recebe esse tipo de proposta, mas na Lava Jato eu nunca recebi, pois eles sabem que a mudança está sendo feita. Mas aí você tem que ter postura, pois não adianta eu chegar para o preso e começar a reclamar da vida: “Putz, estou com uma dívida, sem dinheiro”, ai o cara vai se tocar e dizer: “Não leve a mal não, eu te ajudo, tome um dinheiro”, entendeu? Agora, se manter a postura e, sendo sério, jamais o preso vai oferecer valor ilícito.
CMT: A Lava jato é a maior operação policial da história da Polícia Federal?
NI: Dessa magnitude é maior operação feita aqui, e a primeira ou segunda do mundo, pelos envolvidos.
CMT: Até quando deve durar a Lava Jato?
NI: Dentro da expectativa que eu tinha quando estava trabalhando, a operação vai furar mais uns 10 anos.
CMT: Você acompanhou a série O Mecanismo? Qual sua avaliação da produção?
NI: Eu tentei acompanhar, mas não consegui, pois nada daquilo é realidade. Se for comparar o que aconteceu, é uma fraude, mas é lógico que aquilo ali é um filme, arte, então vamos respeitar a produção do cara (José Padilha), que é muito bem feita por sinal. Mas nada a ver com a realidade que ocorreu. Mesma coisa o filme Polícia Federal Lei Para Todos, também nada a ver.
CMT: É muita diferença?
NI: Eu nunca vi, por exemplo, sem querer criticar, um delegado sentar e dirigir uma viatura. Quem faz o trabalho de rua são os agentes, mas deixando claro que sempre com a participação do delegado, fazem o trabalho deles, só que no filme (O Mecanismo) só eles que fazem, e nós (agentes) não fazemos nada.
CMT: Então se pode dizer que O Mecanismo nada tem a ver com a realidade dos fatos?
NI: Temos que respeitar a excelente produção, respeitar um profissional (José Padilha) conhecido mundialmente, mas a série não se refere ao que se passou na Operação Lava jato. Não estou dizendo que é falso, ele (diretor) pode ter entendido aquilo para ele, como a realidade e o público gostou.
CMT: Na série mostra alguns detalhes, como presos comendo camarão, indo à cela vizinha para se comunicar, então é tudo mentira?
NI: Eu participei da Lava jato, a custódia era de minha responsabilidade, e eu nunca vi ninguém receber dinheiro lá dentro, pois tem câmera em tudo. Eu nunca vi alguém com telefone lá dentro e, quando vi retratado na série, pensei, “por que eu vou assistir isso?”. É uma arte, mas não a realidade.
CMT: Você ganhou muita notoriedade durante a condução dos presos, veio o apelido de Japonês da Federal, como foi essa exposição e relação com a imprensa?
NI: Eu não vejo televisão, não vejo noticiário e nem leio jornal, porque fiquei desgostoso com a própria imprensa de ter divulgado notícias que não eram reais a meu respeito.
CMT: Quais dessas notícias não eram reais?
NI: Várias. Uma que me fez pesar bastante na balança foi que a imprensa noticiou que o Alberto Youssef tinha sido envenenado na sede da Polícia Federal, foi levado ao hospital e morreu. Ele realmente estava no hospital com problemas cardíacos, tinha que fazer exames, pois tinha passado por cirurgia e logo após foi preso. Eu com ele no hospital e a imprensa divulgando que ele morreu envenenado.
CMT: Alguma outra que pode citar?
NI: Saiu que o Japonês da Federal perdeu o cargo de chefia do núcleo de operações por vazamento de informações, quando na realidade eles (imprensa) acabaram me condenando por um fato que não cometi, tanto que existe um inquérito hoje e só duas pessoas são indiciadas e eu não estou incluído nelas.
CMT: Acredita que as acusações podem ter partido devido à sua exposição e fama e às pessoas que apoiavam os presos querendo prejudicar seu trabalho?
NI: Sim, mas na Lava jato não acredito em oposição, o que existe são pessoas que cometeram crimes, estavam sendo investigadas, denunciadas e ficaram temerosas de serem condenadas, então a maneira que a defesa e os advogados encontraram era tentar manchar a imagem da Lava jato, e quem estava aparecendo na imprensa, com memes e tudo mais, era o Japonês da Federal, então aí começou, e não conseguiram, é lógico.
CMT: Partindo para o lado da política, como você avalia uma possível candidatura do ex-presidente Lula?
NI: Veja bem, aí não é comigo, é com o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que deve julgar sobre a elegibilidade dele e como ele foi condenado pela segunda instância ele não pode concorrer. O registro ele pode até conseguir, mas será impugnado pelo TSE e acredito que ele seja julgado.
CMT: E como você avalia a entrada de policiais federais na política?
NI: Esse é o objetivo da nossa federação. Vendo essa gravidade que o Brasil está passando, de corrupção, ela (federação dos policiais federais) tem o objetivo de tentar eleger um candidato policial federal em cada estado do País, para que comece esse trabalho dentro do Congresso.
CMT: Há a pretensão de estender esse trabalho daqui a dois anos, nas eleições municipais?
NI: Sim, pois a corrupção é sistêmica.