Clodoveu Andrighette estava em sua casa, quando ouviu uma das palavras mais aterrorizantes da língua portuguesa: câncer. No seu caso, na próstata. Um exame no urologista havia detectado o tumor em estágio inicial. Após a tomografia, chegou a confirmação de que o bicho não era tão feio assim, e bastaria extirpá-lo para que não houvesse mais perigo, não necessitando de uma quimioterapia. Em abril, com a cirurgia feita, o funcionário público estadual de 62 anos foi considerado curado, e agora restam apenas as sessões de fisioterapia para voltar à vida normal.
A história de Andrighette teve um final feliz, diferentemente de outros tantos episódios no Brasil. Em um país marcado pelas dificuldades de acesso à saúde, a resistência de homens em procurar médicos ajuda a aumentar os casos de doenças graves. Estatísticas do Sistema Único de Saúde (SUS) apontam que há cinco vezes mais consultas agendadas para mulheres do que para pacientes do sexo masculino.
“Falta uma política de saúde para homens no Brasil. Está provado que esse tipo de ação funciona, basta ver os casos de mulheres e crianças, que contam com projetos especiais, no caso das mulheres até uma Secretaria. A menina sai do pediatra para um ginecologista, existe essa cultura. O homem, quando sai do pediatra, não tem o costume de procurar um urologista”, analisa o coordenador do departamento de uro-oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia, Wilson Busato.
Essa carência se reflete em números. No Brasil, os homens vivem em média de cinco a sete anos a menos do que as mulheres. E as mortes não estão relacionadas apenas às de causas violentas. Câncer, doença cardíacas, diabetes e suicídio estão entre as razões. Para piorar, visitam o médico, por questões de prevenção, aproximadamente metade das vezes do que as mulheres, reforça o urologista Guilherme Ribeiro.
“Não só sobre o câncer de próstata, a mensagem mais importante de campanhas como a do Novembro Azul é sobre a necessidade de engajar os homens no autocuidado e na prevenção de doenças com hábitos saudáveis”, ressalta Ribeiro.
Por autocuidado e prevenção, entenda-se promover a saúde com exercícios físicos regulares, evitar o consumo excessivo de álcool, abandonar o tabagismo, conter o sobrepeso ou a obesidade, ter uma rotina de hábitos saudáveis e conviver com amigos, família e pessoas agradáveis.
“Os homens ainda precisam de um mês de campanha, ano após ano, para que sejam relembrados sobre a importância dessas ações, mas não adianta apenas consultar com um médico e fazer exames. A promoção da saúde é um processo ativo e contínuo, que depende essencialmente do paciente”, finaliza o urologista.
O caso de Andrighette foi mais ou menos assim. Como a maior parte dos homens, não frequentava médicos regularmente. Teve um dos sintomas da doença e foi procurar ajuda. Diagnóstico em mãos, tratou de resolver o problema.
“Sem dúvida, esse susto muda nossos hábitos. Vou ficar controlando sempre. E falo sempre para os meus amigos que devem ir ao médico, buscar informações. Se eu tivesse demorado, talvez o procedimento fosse diferente, mais complicado”, diz Andrighette.
COMUM – O câncer de próstata é, de fato, muito comum. Pesquisas apontam que um em cada seis homens serão diagnosticados com a doença. Popularmente, diz-se que todos têm potencial para desenvolver o tumor – dependendo da longevidade. Obviamente é perigoso, quando metastático pode ser letal, mas há mais tabus sobre ele do que realidade.
“O tempo de duplicação tumoral de um câncer de testículo, por exemplo, é de duas a três semanas. O de próstata, de um a quase dois anos. É bem tratável”, aponta Wilson Busato, da Sociedade Brasileira de Urologia.
Para sua detecção precoce, chamada rastreamento, é recomendado que os homens com 50 anos ou mais consultem um urologista para debater a realização do exame de sangue (o PSA) e do toque retal. Pacientes negros ou aqueles que tenham familiares de primeiro grau (pai ou irmãos) com histórico da doença devem consultar a partir dos 45 anos. Os exames devem ser decididos em conjunto com o médico, após a discussão dos riscos e benefícios.
“Nem sempre é positivo fazer esses exames. É fundamental entender que o câncer de próstata não é apenas uma doença, mas de um espectro com o mesmo nome. Existem cânceres de próstata que são pouco agressivos, outros muito agressivos e outros que ocupam todo o espectro intermediário entre esses extremos”, explica o urologista Guilherme Ribeiro.
De acordo com o especialista, a medicina atual não trata os cânceres pouco agressivos. Como eles costumam ter evolução lenta ao longo dos anos, os homens costumam viver sem a manifestação da doença. Enquanto isso, o tratamento poderia causar sequelas como impotência e incontinência urinária. O diagnóstico precoce seria apenas motivo de preocupação e, possivelmente, de tratamento desnecessário. Para os pacientes com câncer de próstata mais agressivo, o rastreamento é útil, aumentando a probabilidade de cura e diminuindo as chances de metástase.
O problema é considerado o segundo tipo de tumor mais comum entre os brasileiros, perdendo apenas para o câncer de pele não-melanoma
Segundos dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), cerca de 68,2 mil novos casos de câncer de próstata foram registrados no Brasil em 2018. Assim, o problema é considerado o segundo tipo de tumor mais comum entre os brasileiros, perdendo apenas para o câncer de pele não-melanoma.
Localizada na parte baixa do abdômen dos homens, logo abaixo da bexiga e à frente do reto, a próstata é um pequeno órgão em formato de maçã que envolve envolve a porção inicial da uretra, tubo pelo qual a urina armazenada na bexiga é eliminada. Sua função é produzir parte do sêmen, líquido espesso que contém os espermatozoides e é liberado durante a ejaculação.
Apesar de ser muito frequente, a doença é, ainda hoje, rodeada por tabus. Por este motivo, em grande parte das vezes, muitos homens acabam evitando consultas e exames importantes para realizar o diagnóstico que, se feito em fase inicial, apresenta boas chances de cura. O movimento mundial Novembro Azul, ocorre para reforçar a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata, e serve como incentivo para esclarecer as dúvidas que cercam o tema.