Opinião

Nostalgia

Estamos em um restaurante. A mesa ao lado se destaca pelo enfeite com pétalas de rosas vermelhas reproduzindo um coração e um par de alianças.  Logo chega um casal,  homem e mulher, diga-se logo, porque nestes tempos a composição poderia ser outra.

Nossa mesa é mais discreta: somos cinco os vizinhos do casal amoroso: dois casados, minha mulher e eu, duas separadas e duas viúvas.   

Apresso-me a explicar para os que estranharam a conta. Duas pessoas casadas mais duas separadas e duas viúvas dariam seis pessoas, mas o detalhe é que uma delas é separada e viúva ao mesmo tempo.

Mas as casadas, as viúvas e as separadas são testemunhas do fato e não a razão dessa crônica, por isso é bom voltar ao casalzinho que está fazendo um ano de namoro, informação que o garçom tagarela gratuitamente nos passa, gabando-se do arranjo que ele próprio fizera para o evento.

Não há beijos eloquentes ou gestos audaciosos, apenas singelas atitudes amorosas e sorrisos tímidos, que pela própria meiguice chamam a atenção de minhas companheiras.

“Mortas de inveja” como elas mesmas se declaram, observam discretamente o transcorrer do jantar até que uma velinha foi acesa – testemunha, além de nós cinco – desse primeiro ano de muitos outros – eles têm certeza disto – que certamente serão tão românticos quanto este.

Minhas companheiras de mesa  experimentam não uma saudade, porque esta evoca coisas que aconteceram, mas uma serena nostalgia, palavra aqui usada como saudade de algo que não aconteceu, mas que bem poderia ter acontecido. Ou ainda a vaga lembrança de acontecimentos idealizados reacendidos pela cena do aniversário de namoro.

Entretanto, eis que transcorrido o momento mágico em que com as mãos entrelaçadas juram amor eterno à luz da vela que o diligente garçom acendeu, a realidade – essa bruxa odiosa – teima em começar a interferir no romance, que só tem um ano de vida.

 — Mas já tão cedo, víbora maligna? Eles são ainda duas quase crianças. Por que não deixar para mais tarde a apresentação de suas credenciais?

Aí a megera – a citada realidade – aparece na forma de um papelzinho escrito com alguns números, acompanhado de um pequeno utensílio – a onipresente maquininha de cartão.

O garçom, como exige o politicamente correto não apresenta a um ou ao outro a conta do jantar, apenas aguarda ereto a definição do pagador das despesas.

Nessa hora as observadoras da cena ainda imersas na viagem nostálgica presenciam o cavalheiro antecipar-se serenamente, por que não podia ser de outra forma, oferecer seu cartão para o pagamento das despesas.

O Grande final estaria ótimo se terminasse aqui o filme, mas ele tem ainda a última cena. O jovem entrega seu cartão acenando com as mãos o gesto típico de dividir a conta.

 — Mas como? Rachar a conta?  Cochicham as “mortas de inveja” enquanto a namorada procura o cartão de crédito que por sorte tinha trazido.

Em seguida, meio sem jeito, a moça vasculha a bolsa à procura de algum dinheiro. Certamente se deu conta que o Uber também será dividido.

— Este episódio dá uma boa crônica – sugere minha mulher enquanto esperamos o carro. Deu. Só não sei se boa.

Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor

renato@hotelgranodara.com.br

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do