Política

Nós temos uma democracia prejudicada, diz historiador

Há 129 anos, um golpe político militar tirava o imperador D. Pedro II do comando do Brasil e instalava a República, com defesa dos lemas de cidadania e democracia. O evento que passou quase desapercebido à época trouxe mudanças que contradizem as ideias defendidas, pois reduziu o número de votantes e a exclusão social permanece em grande medida até os dias de hoje. Nesta quinta (15) é celebrada a data do evento. 

E se contar os eventos históricos ao longo do mais de um século desde então, a democracia enfrentou ataques sequenciais, e a “formação das almas” dos brasileiros continua um tema muito questionável. 

“Nós temos uma democracia muito maltratada, seja pela elite, seja pelos pobres. A primeira porque quer um Estado que defenda seus interesses, mesmo se causa a exclusão de todo o restante da população; e os segundos, porque estão excluídos e não veem como a falta de interesse pela política afeta suas vidas”, pontua o professor Vitale Joanoni Neto. 

Especialista em história social e política e docente na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), Vitale Neto diz que houve empreendimentos teóricos para tentar explicar o Brasil e hoje o esforço é ainda maior por causa do aspecto globalizante da cultura e a enxurrada de informações disponível a apenas alguns cliques na internet. Eventos que afetam uma sociedade com baixa qualidade educacional e que ainda busca sua formação. 

Mas, a situação não é nova, ela percorre o fluxo histórico do País desde sua fundação com eventos contraditórios, considerando o próprio contexto da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. “Na passagem do império para República nós já tínhamos o exercício dos votos. No império é um voto censitário, controlado, só vota quem tem dinheiro. A República vem com o discurso da democracia e da cidadania. O fato é que, uma vez vigente a República, menos pessoas votavam do que no Império”. 

O professor elenca uma série de tentativas de golpes, da esquerda ou da direita, contra a democracia nas décadas seguintes e que deixaram o regime combalido. As principais foram o Golpe de 30 comandado por Getúlio Vargas, a implantação do Estado Novo (1937-1945), que destituiu Vargas, o Golpe Militar de 1964, que durou até os últimos anos da década de 1980, e retomada da democracia a partir de 1988. 

“Isso para não falar no golpe contra a Dilma Rousseff, e não estou falando disso como militante, pois nem filiado a partido eu sou. É que a justificativa dada para o impeachment não se sustenta. Falo para mostrar que a democracia brasileira vem sofrendo ataques tanto da direita quando da esquerda, para mostrar como ela está prejudicada, sem apreço”. 

A exclusão e a desilusão  

O historiador diz que a desigualdade social persiste no Brasil desde sua fundação em colônia à virada para República, que não trouxe transformação de firmação da cidadania. 

“Há desigualdade social, econômica no país desde o tempo da colônia, haja vista que algumas pessoas eram vendidas como coisas, peças. Sempre houve uma distância política muito grande entre aqueles que tem acesso a tudo e aqueles que não tem acesso a nada. Isso continua quase do mesmo jeito, mudou muito pouco”. 

O lado desassistido pelo Estado inclui classes econômicas de pobres, que, segundo o professor, se afastam da participação política por causa de efeitos do Estado em suas vidas. 

“Aconteceu agora novamente, o Brasil elegeu um candidato para presidente, que tinha o discurso de acabar com os roubos, diminuir as desigualdades, mas suas ações foram de nomeação de cinco pessoas para seu braço forte que têm processo na Justiça. Aí, aparece aquela história de saiu do fogo para cair na frigideira”. 

“Por entender que o Estado não atende suas necessidades, foi gerado desinteresse pela política. Se falar em reforma da Previdência com brasileiros moradores da periferia, eles não vão se importar, porque eles não veem como isso afeta sua vida, muitos deles sequer trabalham de carteira assinada. Então, não faz diferença para eles se um vai roubar menos ou vai roubar mais”, complementa. 

A construção da identidade nacional do Brasil é o aspecto mais cambiante no cenário de democracia desconsertada. A apatia política de seus cidadãos é apontada como um dos efeitos retro alimentador. A falta de crivo para lidar com a quantidade informações disponíveis mais faz mal do que contribui para formação da identidade. 

“Primeiro, tem que ter educação. Não existe uma sociedade que tenha 100% de sua formação de intelectuais, mas há aqueles que se sobressaem, e as pessoas com capacidade de julgar as coisas criticamente. Hoje, as pessoas têm uma quantidade imensa de informação, não de conhecimento, mas não sabem o que fazer, não contribui para nada”.

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Política

Lista de 164 entidades impedidas de assinar convênios com o governo

Incluídas no Cadastro de Entidades Privadas sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim), elas estão proibidas de assinar novos convênios ou termos
Política

PSDB gasta R$ 250 mil em sistema para votação

O esquema –com dados criptografados, senhas de segurança e núcleos de apoio técnico com 12 agentes espalhados pelas quatro regiões