Antes de minha permanência na aldeia Nambiquara, jamais estive em uma aldeia indígena. Meu pensar inspira-se em Kublai Khan, imperador da Tartária, ávido por histórias de Marco Polo. Assim como o imperador mongol edificou cidades com os “olhos da mente” ao ouvir o navegador veneziano, a meu modo, imaginei, durante os preparativos para a viagem, o espaço que viveria. Despedi-me dos familiares e amigos, vacinei-me contra a febre amarela, selecionei livros e vestimentas para a vida na aldeia. Com os “olhos da mente” idealizei a minha cidade. E lá fui eu, com a bênção materna.
Em situações distintas, muitos escritores imaginaram suas cidades ideais. Ferreira Gullar, com suas 23 Cidades Inventadas, inspiradas no tempo remoto e em leituras de adolescência. Graciliano Ramos, com Tatipirun, em A terra dos meninos pelados, cidade imaginária para onde escapou ao deixar o cárcere com o corpo e o coração feridos pelo sombrio Estado Novo.
Hoje aquele tempo dissipou-se em terra seca ao vento, que embaça e confunde imagens e que dá uma ressignificação àquela vida. Sobre a escolha em trabalhar com o povo Nambiquara, guardo uma lembrança romantizada, ainda que despedaçada, como Walter Benjamin profetizou: “a recordação do homem meditativo dispõe da massa desordenada do saber morto”. O saber pretérito, desordenado, despedaçado e morto é visto como peças de um quebra-cabeça prestes a ser montado com mãos que se movimentam de acordo com o tempo presente, a formar imagens inéditas.
Conheci o Nambiquara na Primavera de 1982. Ao deixar o Rio de Janeiro, passando por Brasília, já contratada pelo Projeto Polonoroeste. A atribuição foi a de implantar um programa de educação escolar indígena direcionado às suas necessidades emergentes, em especial, às do asfaltamento da BR-364, esta a exercer em mim fascínio e desassossego. Adentraria a “longínqua” e “misteriosa” Amazônia, cônscia de fatos que interfeririam na vida dos povos indígenas que tiveram o infortúnio de serem atingidos em cheio por seus 4.325 quilômetros.
Nesse tempo encontrei Jacutinga…