O processo pedagógico de socioeducação de adolescentes e jovens deve ter prioridade absoluta, de modo que compete aos agentes estatais envolvidos, à equipe técnica respectiva, à sociedade e à família, dedicar a máxima atenção e cuidado a esse público, dando especial visibilidade àqueles que se encontram na vulnerável condição de internos.
O entendimento é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que determinou, em julgamento concluído na sexta-feira (21/8), o fim da superlotação em unidades do sistema socioeducativo de todo o país.
O relator do caso foi o ministro Luiz Edson Fachin. Seu voto foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O ministro Celso de Mello, que está de licença médica, não participou do julgamento.
"A adolescência é momento peculiar do desenvolvimento humano, da constituição da pessoa em seu meio social e da construção de sua subjetividade. Portanto, as relações sociais, culturais, históricas e econômicas da sociedade, estabelecidas num determinado contexto, serão decisivas nessa fase e vão refletir na trajetória futura e na definição do projeto de vida", afirma o voto do relator.
Fachin destacou que os artigos 227 e 277 da Constituição Federal, assim como o ECA, afirmam que a qualificação de crianças e adolescentes, por si só, torna esses sujeitos merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado.
"Desse modo, as políticas públicas direcionadas aos adolescentes, aqui incluídos os internados, devem contemplar medidas que garantam os direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nomeadamente o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho", prossegue o ministro.
Atualmente, nove estados operam acima da capacidade. São eles Acre (153% de ocupação); Bahia (146%); Ceará (112%); Espírito Santo (127%); Minas Gerais (115%); Pernambuco (121%); Rio de Janeiro (175%); Rio Grande do Sul (150%); e Sergipe (183%).
No voto, Fachin sugere alternativas aos magistrados que atuam em unidades com taxa de ocupação superior à capacidade projetada:
- Adoção de número limite para a capacidade das unidades, a partir do qual seria necessário liberar um adolescente internado para admitir novas internações;
- Reavaliação dos casos em que adolescentes foram internados por infrações sem violação ou grave ameaça, ainda que haja reincidência;
- Transferência para unidades que não estejam com capacidade superior ao limite projetado do estabelecimento — desde que a nova unidade esteja próxima ao local em que a família do jovem vive.
Caso as orientações sejam insuficientes, Fachin sugere a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto, como a advertência, regime de semiliberdade ou prestação de serviços comunitários.
O STF não fixou prazo para que a superlotação seja encerrada, mas orientou a criação de um observatório judicial para monitorar as mudanças no serviço socioeducativo. Caso a situação de superlotação não melhore, o ministro sugere que seja ajuizado novo recurso no STF.
Habeas Corpus
O STF julgou o Habeas Corpus Coletivo 143.988, ajuizado pela Defensoria Pública do Espírito Santo. Atuaram como amicus curiae o Instituto Alana; Conectas Direitos Humanos; Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim); OAB-RJ; e Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Inicialmente as Defensorias da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe também participaram como amicus curiae. Posteriormente, no entanto, se tornaram parte do processo.
"A decisão representa a maior política pública para a defesa de adolescentes e jovens encarcerados desde a promulgação do ECA. E seu julgamento demonstra a sensibilidade do Supremo para com a defesa dos pobres no Brasil", afirmou à ConJur o defensor público Hugo Fernandes Matias, coordenador de Direitos Humanos e Infância da Defensoria do Espírito Santo.
Em 2018, Fachin concedeu liminar, no curso do mesmo processo, limitando a 119% a taxa de ocupação em unidades socioeducativas do Espírito Santo. Em 2019, ele estendeu a decisão aos Estados da Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro.