Um "detalhe" quase passou desapercebido no último dia de sessões neste ano na Câmara Municipal de São Paulo: em uma manobra perto da meia-noite, nesta segunda-feira (18), os vereadores aprovaram uma emenda à Lei Orgânica do Município que autoriza o pagamento do 13º salário para eles próprios.
Era um dia de pauta carregadíssima no plenário, em uma jornada com mais de nove horas seguidas de debates, discussões, reuniões e votações sobre numerosos temas espinhosos, como o Orçamento da cidade para 2018.
Mas a emenda do 13º entrou de repente em votação, foi aprovada em poucos minutos, quase sem discussão.
No placar final, entre os 48 vereadores presentes, apenas quatro parlamentares foram contrários: Sâmia Bomfim (PSOL), Janaína Lima (Novo), Toninho Vespoli (PSOL) e Fernando Holiday (DEM).
PT e PSDB, em uma afinidade rara ao longo do ano, estiveram na mesma trincheira e votaram pela aprovação.
Os vereadores agiram com base em decisão de fevereiro do Supremo Tribunal Federal segundo a qual é constitucional o pagamento do 13º salário para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores –em São Paulo, a legislação já prevê que as duas primeiras categorias recebam o valor.
Na votação do fim de noite desta segunda, os parlamentares decidiram que isso passaria a valer para São Paulo.
"O STF disse que os vereadores podem receber os valores, e não que são obrigados a isso. O Brasil vive um momento difícil, com trabalhadores perdendo direitos e os governantes cortando recursos de saúde e educação. Acho que a Câmara não está dialogando com a sociedade", afirma Vespoli, que também critica o modo que o presidente da Câmara, Milton Leite (DEM), escolheu para encaminhar a votação.
"É um obscurantismo dos processos, afastando ainda mais a Casa do povo."
Assim como Vespoli, diferentes vereadores foram pegos de surpresa com o aparecimento da emenda na pauta. Após a votação, assessores de imprensa e funcionários da Câmara
começaram a perguntar entre si sobre o conteúdo da decisão que havia sido tomada.
PROVOCAÇÕES
Na segunda-feira (18), mais de cem projetos de vereadores foram lidos e votados na Câmara. Além deles, também foram votados projetos de lei importantes para a gestão João Doria (PSDB), como o Orçamento de 2018, a concessão do mercado de Santo Amaro e o programa de parcelamento de multas. Às 23h20, a emenda apareceu ensanduichada entre diferentes projetos e logo saiu de cena.
Enquanto os quatro parlamentares se posicionavam contrariamente, outros faziam provocações jocosas. Holiday foi alvo do colega de partido Dalton Silvano (DEM), que brincava: "Então me dá seu 13º, vereador". A reportagem não localizou Silvano, e Holiday não retornou os contatos feitos pela Folha.
silêncio
Nesta terça, as principais figuras da Câmara não quiseram se alongar sobre o tema.
O presidente, Milton Leite, e a vereadora Adriana Ramalho, líder do PSDB, não quiseram se manifestar. A assessoria de imprensa da Câmara informou que o órgão seguiu o determinado pelo STF.
Líder do governo, Aurélio Nomura (PSDB) disse que tiveram "como base a decisão do STF". "Estamos dentro da legalidade e seguindo o princípio da isonomia."
O gabinete de Antonio Donato, líder do PT, afirmou que "quem deve falar sobre o tema é a Mesa Diretora, que cumpriu decisão judicial".
Os vereadores recebem salário de R$ 18,9 mil. Em 2018, ano em que entrará em vigor a emenda, a Câmara gastará R$ 1 milhão a mais com a parcela extra. Por se tratar de uma emenda à Lei Orgânica, Doria não poderá vetar nem precisará sancionar para que entre em vigor.
Além disso, a decisão do STF também resultou na cassação de liminar no Tribunal de Justiça que barrava o pagamento do 13º salário aos parlamentares da última legislatura. Isso significa que os parlamentares que exerceram mandato de 2013 a 2016 receberão valores retroativos que custarão cerca de R$ 3,3 milhões à Câmara de SP.
"É uma sinalização muito ruim os vereadores aprovarem no apagar das luzes algo em benefício próprio", disse a vereadora Sâmia Bomfim.
Em novembro, o TJ liberou aumento salarial de 26% para os vereadores, o que estava travado desde janeiro devido a ação direta de inconstitucionalidade proposta pela OAB. Com isso, a remuneração dos vereadores passou de R$ 15 mil para R$ 18,9 mil.
Além do salário, a média mensal de verba destinada aos gabinetes dos vereadores é de R$ 23,5 mil –destinada ao pagamento de serviços como correios, transporte e impressão de documentos. Os custos com 18 servidores aos quais os vereadores têm direito são de R$ 164,4 mil.
AUTONOMIA DO PODER
Para Mário Schapiro, professor de direito da FGV, a decisão de receber o 13º e a votação de última hora e sem debate são sintomáticas de um novo momento político.
"Em todas as esferas, o desgaste com a opinião pública deixou de ser um fator de dissuasão para que os políticos deixem de tomar medidas pouco recomendáveis. É um processo de autonomização da política", diz.
Schapiro ressalta, porém, que a emenda não é ilegal.