Eu de novo. Da Pedra do Arpoador. Olhando a orla de Ipanema, Leblon e os contornos da morraria caindo sobre o Atlântico. Coincidência ou não é quase por do sol. Aquele clássico de verão. Aguardado ainda no mar, ao som de aplausos agradecidos.
É o dia seguinte a tragédia de Brumadinho.
Por princípio, como costumo ser (pouco) obediente às ordens médicas, não deveria estar por esses costados. Nada de sol nem muito esforço para ajudar a debelar a inflamação pós canal dentário duplo da última quarta-feira. Um dos dentes se incomodou com o remelexo e me deixou com a cútis esticadinha sobre o inchaço na bochecha.
Nada contra, se não fosse a dor latejante no local que se expande para a cabeça como um todo.
O fim da ladeira foi na sexta. Quando o tédio do isolamento foi quebrado para acompanhar as incríveis notícias vindas de Brumadinho, município a 40 km de Belo Horizonte e sede do espetacular Instituto Inhotim.
Quem não sabia onde fica Brumadinho certamente passou a saber depois do rompimento de uma de suas barragens, a do Córrego do Feijão, da gigante mundial do aço, a Vale, ex- do Rio Doce.
Quantos milhões de metros cúbicos de rejeitos das minas de minério de ferro desceram vale a baixo, seguindo em direção ao rio Paraopeba, não sei dizer. E não sou a única. Nem onde esse material que insistem dizer que não é toxica, apesar de reconhecerem abrasiva, (como assim?) irá parar seguindo pela bacia do Rio São Francisco.
Também são desencontradas as informações sobre o número de mortos soterrados sob a lama.
Foi por isso que fugi. Deixei de lado as recomendações médicas e estou aqui. Diante dessa paisagem tão maravilhosa que, a cada dia manda um sinal aos seres humanos que a admiram da força e do esplendor da natureza.
Vim firmar por todos os que não sabemos onde estão, nem quantos são.
Vim pedir por suas famílias, amigos e colegas que, no momento, lidam lá nas minas gerais com a dor da perda, o fantasma da ignorância sobre o destino de seus entes queridos e o descaso criminoso dos responsáveis pela falta de um plano eficaz de contingência.
Vim para a Ponta procurando um ponto. De equilíbrio, que me ajude a recuperar a humanidade.
No caminho pela areia observava o entorno mais silenciosos que o normal. Apesar de ser um sábado de verão, em pleno mês de janeiro, tudo pareciam menos. A praia não estava tão cheia, a vibração era menor. A vida um pouco mais parada. Como em respeito ao drama que se desenrolava logo ali.
Quando desci para a areia comecei a procurar a mensagem. A que sempre recebo quando venho em busca de Deus e/ou da natureza.
Claro que ela veio, mas não no por do sol, o momento em que os moradores, banhistas e visitantes aplaudem e agradecem mais um dia.
Não há o que agradecer. Foi entre nuvens que o dia terminou. Não sei o espírito dos que assistiam os últimos raios de sol que se escondia na linha das nuvens, bem acima do horizonte.
O meu foi de recolhimento. Solidariedade e amor pelos que se foram, os que ficaram e aqueles que nunca saberemos onde estão. Que todos se reencontrem. Um dia. Na glória do Senhor…
* Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Crônica da série “Arpoador” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com