Os clientes que ficam possessos por não terem recebido o sofá que compraram muitas vezes acabam expressando seu descontentamento em algum fórum de consumidores. Mas, mesmo protegidos por um pseudônimo, será que eles podem emitir à vontade declarações vingativas?
Na verdade, não. Muitas empresas, incomodadas com esses comentários, têm processado ou o diretor de publicação do site no qual eles foram postados, ou os próprios autores. Eles os processam por injúria ou difamação, dois delitos previstos pela lei sobre a liberdade de imprensa de 29 de julho de 1881.
"Se o internauta escreveu que 'o gerente de tal empresa é um escroque porque ele prometeu um rendimento enorme para painéis fotovoltaicos orientados para o norte', ele está cometendo uma difamação", diz Guillaume Sauvage, especialista em direito da comunicação. "Se ele escreve somente que 'é um vigarista', sem mais detalhes, ele está cometendo uma injúria."
Então os moderadores dos fóruns deletam logo de cara termos como "trapaceiro", "escroque" ou "ladrão". O fórum LesAnarnaques.com, que censurava esses termos, ao mesmo tempo em que ele mesmo mantinha uma denominação pejorativa ["Os Trapaceiros.com"], acaba de se rebatizar de uma maneira mais neutra, Net-Litiges.fr. Mas nem por isso suas dores de cabeça terminaram. Muitos administradores de empresas não têm gostado das opiniões negativas deixadas por internautas em fóruns de consumidores.
"Agora os principais processos que precisamos enfrentar não vêm mais dos artigos de nossa revista, ainda que sejam um estorvo, mas sim das mensagens do fórum!", diz Thomas Laurenceau, editor-chefe da revista "60 Millions de Consommateurs". E para a união federal dos consumidores UFC-Que Choisir? "A mesma constatação", informou a assessoria de imprensa.
Laurenceau observa que "certos advogados parecem até mesmo ter criado um negócio de envio de cartas de notificação aos diretores da publicação", e eles cobram de seus clientes, mesmo sabendo que os internautas podem provar o que estão dizendo. "Gastamos muito tempo respondendo!", ele afirma.
"No entanto, não queremos acabar com o fórum, que recebe 300 mil visitantes únicos por mês, porque ele nos traz informações preciosas, e porque devemos estimular a expressão dos consumidores."
"Exageros punidos"
Sauvage constata que "os juízes protegem a liberdade de expressão dos consumidores". A 17ª câmara correcional do tribunal do supremo tribunal de Paris absolveu Julien A., processado por difamação pela seguradora Européenne de Protection Juridique (EPJ), filial da Generali, em fevereiro de 2014. Ele a havia chamado de "lamentável prestadora de serviços" em diversos fóruns porque ela demorou um mês e meio para responder a seu pedido de assistência, que além de tudo foi uma negativa. O tribunal considerou que suas declarações "só continham a crítica, particularmente veemente, aos serviços fornecidos pela EPJ."
"Contudo, os juízes punem os exageros, como aquele que consiste em falar, sem provas, que todos os consumidores são vítimas de uma mesma prática, ou então acusações que não têm nada a ver com a reclamação", explica Sauvage. Foi assim que Nicolas D., cliente frustrado de uma corretora de automóveis chamada Eurocarline, administrada pela empresa ElectroClim, foi condenado a pagar um euro (cerca de R$ 4,40) de indenização a esta última.
Em março de 2013, ele lhe havia encomendado e pago por um veiculo usado, que deveria ter sido entregue dentro de dez semanas. Em janeiro, ele ainda não havia recebido. Ele então publicou no Forum-Auto.com uma mensagem que atestava sua impaciência—"seria melhor que vocês me reembolsassem em vez de continuar enganando todo mundo"—bem como quatro outras que acusavam a empresa de publicar falsas opiniões positivas na internet. a primeira se enquadra no "direito de livre crítica a produtos e serviços de uma empresa". As outras foram consideradas difamatórias, pois Nicolas D. não conseguiu justificá-las.
Os juízes também não apreciam muito os excessos de linguagem. Os do tribunal superior de Montpellier condenaram Jean-Luc G. a pagar 3.500 euros (R$15.400) a uma empresa, a ALC Villas, e a seu gerente, por ter publicado declarações difamatórias em um blog, em 2011, nas quais alertava o público contra a ALC Villas.
Essa empresa havia sido criada pelos dois mesmos sócios que a BCA Constructions, que havia construído sua casa cometendo uma série de erros, pelos quais ela não estava segurada, antes de abrir falência. Jean-Luc G. havia escrito: "Como mudar de empresa para continuar roubando seus clientes em paz: é tão simples quanto cometer um homicídio e arrumar uma nova identidade para não responder por seus atos".
O tribunal não gostou de sua metáfora, e fez com que ele pagasse. Caro.
Fonte: UOL