Apresentando-se hoje ao eleitor como um defensor dos ideais das Forças Armadas, o presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) tinha uma imagem muito diferente no alto escalão do Exército nos anos 90.
Um prontuário secreto de 54 páginas produzido pelo CIE (Centro de Informações do Exército) todo dedicado a Bolsonaro diz que ele fazia "exploração político-ideológica" da questão salarial entre os militares, não tinha "representatividade ou delegação" para falar em nome deles, atuava de forma "eleitoreira" nos quartéis e acusava de forma "descabida" oficiais superiores e autoridades.
O documento revela que Bolsonaro chegou a ser proibido, em abril de 1990, de ter acesso "às organizações militares da área", provável referência ao Rio de Janeiro.
Sua insistência em falar sobre reajustes salariais incomodava o comando do Exército porque desacreditava os canais oficiais das próprias Forças Armadas, pelos quais a tropa deveria encaminhar reivindicações dessa natureza.
O prontuário do CIE, o mais alto órgão da inteligência do Exército, que se soma a outras 54 páginas sobre Bolsonaro consultadas pela Folha no Arquivo Nacional de Brasília, foi produzido em julho de 1990, durante o governo Fernando Collor (1990-1992), e encaminhado ao general Jonas de Morais Correia Neto (1925-2015), então ministro-chefe do Emfa (Estado Maior das Forças Armadas).
O serviço de inteligência do Exército detectou que as investidas de Bolsonaro sobre a tropa tinham, curiosamente, a simpatia do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e do PC do B (Partido Comunista do Brasil).
Em setembro de 1986, após Bolsonaro ter escrito um artigo na revista "Veja" para defender aumento salarial, o Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica) afirmou em documento confidencial que os dois partidos comunistas "emitiram instruções no sentido de que seus militantes explorassem ao máximo o descontentamento salarial dos militares criado a partir da entrevista do capitão Jair Messias Bolsonaro".
INFILTRAÇÃO COMUNISTA
"Segundo a orientação, o momento favorece a infiltração [comunista] no âmbito das Forças Armadas, neste sentido, todo militar que se manifestar deverá receber total apoio dos referidos partidos. Na eventualidade de vir a ser disciplinarmente punido, aproveitar o descontentamento da família para aliciá-la, especialmente a esposa do militar punido que torna-se alvo dos grupos feministas de esquerda que, a curto prazo, pretendem ter em seus quadros uma ala de 'esposas de militares'", diz o documento. Não fica clara a fonte da informação dos militares.
O relatório confidencial teve uma avaliação de confiabilidade considerada alta e circulou entre os principais órgãos de inteligência. Bolsonaro, segundo o prontuário, fazia uma "intensa campanha eleitoral junto ao público interno", enviando panfletos a militares.
"Panfleto sobre vencimentos de militares que vêm sendo distribuídos nos quartéis pelo nominado [Bolsonaro], procurando indispor o ministro do Exército e o presidente do Clube [Militar] com a classe militar", diz um relatório.
Com essa estratégia de campanha salarial, Bolsonaro se elegeu vereador no Rio, em 1988, e deputado federal em 1990, ambas as vezes pelo PDC (Partido Democrata Cristão), que em 1993 se fundiu ao extinto PDS (Partido Democrático Social), então liderado pelo ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf.
As movimentações políticas de Bolsonaro também despertaram a atenção do SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão de inteligência criado pela ditadura militar.
Em uma "resenha analítica" datada de outubro de 1990, o SNI diz afirmou que Bolsonaro, caso fosse eleito deputado, "pretende apresentar um projeto contra o que chama de 'abuso do poder de regulamentar'".
Em outro documento secreto, de 1990, o SNI informou que Bolsonaro e outros oficiais da reserva organizaram um encontro no Clube Militar do Rio para pressionar as Forças Armadas a reajustar os salários.
Segundo o documento, estava "embutida uma questão política, que coloca em rota de colisão a instituição governamental".
A desconfiança dos militares continuou até pelo menos 1994, conforme outro documento confidencial. A análise cita diversos "óbices à ação das polícias militares", entre os quais "os problemas de ordem salarial que vêm influindo de forma acentuada'".
OUTRO LADO
Procurado desde a última sexta-feira (20), o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) não foi localizado para falar sobre os documentos produzidos pelo Exército e SNI (Serviço Nacional de Informação) que analisaram seu comportamento nas décadas de 80 e 90.
A reportagem telefonou diversas vezes e deixou três recados na secretária eletrônica de seu telefone celular na sexta-feira, no sábado e neste domingo (22), mas não houve retorno até as 20h.
Também foi procurado o assessor de imprensa do deputado, mas ninguém atendeu. Foi deixado recado. A reportagem enviou um e-mail às 17h05 da sexta-feira ao assessor, mas não houve resposta até a noite deste domingo.
A reportagem também telefonou às 16h57 de sexta-feira para o gabinete do parlamentar, na Câmara, mas ninguém atendeu à chamada. A reportagem buscou o filho do deputado, o também parlamentar federal Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), mas ele igualmente não foi localizado. Foi deixado recado na secretária eletrônica de seu telefone celular, mas não houve resposta.
Em outra reportagem da Folha de S.Paulo sobre um documento sigiloso do Exército que apontava apontava problemas de insubordinação do então capitão, publicada em maio, o deputado atacou o jornal e o repórter.
Disse que a reportagem era "idiota e imbecil" e indagou "quem estava pagando" pelo trabalho. Ele não quis comentar o fato de que havia admitido indisciplina em um processo militar.