Opinião

NA BEIRA RIO

Havia saído de casa uns dois anos. Já estava me perdendo nos dias. Sou de Sorocaba. Um lugar que a gente preza muito a família. E talvez isso que esteja sendo o pior: ficar afastado da família. No início até achei que novas aventuras seriam boas. Novas mulheres. Novos sabores. Mas quando se está há 17 anos com uma mulher, o que menos importa é o sexo. Ela até falou que parecia perto se vermos no mapa. Mas da minha cidade até este fim de mundo é uma imensidão sem fim.

– Isabel. Seus lábios doces como mel.

Para passar o tempo, faço poemas. Aqui o tempo quase não passa. Animais ditam o tempo com seus grunhidos. Nunca havia visto um lugar como este. Tem pontos que não tem nenhuma civilização por perto. Caminha-se horas sem ver o sol. Uma mata densa, fechada, com árvores maiores que montanhas e florestas de eterna noite. Ao certo agora sei, porque os que vieram dantes chamaram aqui de Mato Grosso. Nossa busca por estes lados é atrás de mão de obra. As cidades litorâneas dependem dessa mão de obra braçal. Ninguém nas cidades, ou então no velho mundo, do outro lado do Oceano, quer fazer este tipo de serviço. Explorar o inexplorável. Por isso pessoas como eu são tão importantes: trazemos o desenvolvimento para as cidades, custe o que custar.

– Senhor Pascoal. Não encontrei os nativos, mas achei algo que possa lhe interessar.

– Deixa-me ver.

Meus olhos brilharam como se a própria Isabel e meus dois filhos aparecessem ali. Ou talvez era puro reflexo do sol batendo naquele milagre vivo: jamais tinha visto pepita de ouro daquele tamanho.  

– Não matem os nativos revoltosos! Vamos precisar de escravos! Vamos lavrar agora este território. Escrivão, se atenha muito bem às minhas palavras, quero mandar este pergaminho pra capital agora! Eu Pascoal Moreira Cabral Leme, neste pedaço esquecido por Deus, neste rio coberto de peixes, ao qual nativos chamam de Coxipó, determino, neste dia 8 de abril, do ano corrente de mil setecentos e dezenove depois da morte de Cristo, Nosso Senhor, que estas terras pertencem à coroa. E vida longa ao nosso rei João!

 

João Manteufel Jr.

About Author

Mais conhecido como João Gordo, ele é um dos publicitários mais premiados de Cuiabá e escreve semanalmente a coluna Caldo Cultural no Circuito Mato Grosso.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do