Cidades

Muito barulho e pouca eficiência

Helicópteros sobrevoam bairros às 6 da manhã, viaturas com sirenes ligadas, homens fortemente armados e toda a imprensa noticiando. As operações policiais são anunciadas com muita pompa e alarde pelo governo, mas surtem pouco efeito no combate efetivo à criminalidade. O especialista em segurança pública, Naldson Ramos, conta que esta prática é conhecida entre os pesquisadores do tema como “enxuga gelo”.

“Por parte isso funciona para dar um tempo para a violência, mas depois que eles saem do território e retornam as forças para dentro das delegacias, a dinâmica do crime continua atuando como se nada tivesse acontecido. Os criminosos não se intimidam com esse tipo de operação, porque sabem que elas são pontuais e não conseguem inibir ações criminosas”, aponta Naldson.

Os índices de criminalidade aumentaram em 2015 e seguiram nesta mesma toada durante os primeiros meses de 2016. No ano passado os roubos aumentaram 22% e o tráfico de drogas 11%. No comparativo dos quatro primeiros meses deste ano, com o mesmo período do ano passado, os homicídios em Cuiabá e Várzea Grande aumentaram 25%, os roubos de carro 33%, enquanto roubos seguidos de morte permaneceram com a mesma taxa do ano passado, 11 mortes até abril.

Em declaração nesta terça-feira (7), o deputado estadual Emanuel Pinheiro (PMDB) afirmou que “dados da Polícia Civil demonstram que no primeiro quadrimestre de 2016, tivemos 6,3 mil ocorrências. No mesmo período do ano passado, tivemos 4,1 mil ocorrências. São quase duas mil a mais no mesmo período, demonstrando que estamos perdendo a guerra contra o poder paralelo da violência dentro da região metropolitana”.

Junto à sensação de insegurança pelo alto número de assaltos e assassinatos, alguns casos se tornaram símbolos populares e midiáticos da insegurança em Mato Grosso. O assaltante “homem-aranha”, por exemplo, é o caso de um grupo de rapazes que escala prédios em Cuiabá para cometer furtos dentro dos apartamentos. Pelo menos seis invasões dessa forma foram registradas em apartamentos desde o mês de abril em Cuiabá.

Mariana Amorim sofreu algo parecido no bairro Novo Imperador, em Várzea Grande. “Meus pais estavam limpando a área de casa e foram abordados por cinco homens armados, que pediram para os dois entrarem em casa e então fizeram todo mundo de refém, eu, meus pais, meu avô e meu irmão mais novo”, contou a fisioterapeuta. O roubo aconteceu no começo do ano e os ladrões levaram todo o dinheiro e itens de valor que havia dentro da residência. “A sensação é que não estamos seguros nem dentro da própria casa. Hoje em dia meus pais têm medo até de varrer o quintal”, completou Mariana.

Outro símbolo da atual conjuntura são crimes de execução ocorridos em Várzea Grande, como o triplo homicídio no bairro Cristo Rei, que vitimou três jovens de 17, 18 e 25 anos. Esses homicídios geraram uma operação envolvendo a Polícia Judiciária Civil, Polícia Militar e Politec, com o objetivo de conter esses assassinatos. A ação foi batizada de “Operação Mercenários” e efetuou 17 prisões, incluindo 6 policiais militares. O Ministério Público já acatou a denúncia e o grupo é responsabilizado por 7 mortes entre março e abril deste ano.

Espetáculo

Na tentativa de amenizar a situação, o governo de Mato Grosso investiu R$ 330 milhões para aumentar o efetivo, comprar viaturas e deflagrou algumas operações desde o começo do ano. Essas ações não têm relação com grupos específicos como a “Mercenários”, mas com a violência de forma geral, principalmente o tráfico de drogas.

Entre as operações lançadas pelo governo estão a ‘Carga Máxima’ e a ‘Bairro Seguro’, ambas são resultados de uma investigação prévia da polícia com dados e estatísticas das regiões mais perigosas em Mato Grosso. As equipes cumpriram mandados de prisão, desmontaram pontos de droga e reforçaram o policiamento em locais específicos.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso, o número de homicídios caiu 79% em Várzea Grande e 31% em Cuiabá no mês de maio, em comparação ao total de casos registrados em abril. Considerando o mesmo período, é o melhor resultado dos últimos 10 anos. O secretário da pasta Rogers Jarbas destacou a “Bairro Seguro”, como uma das principais responsáveis por essa melhora.

Para Naldson esses resultados são apenas temporários e paliativos, pois faz com que os criminosos deem uma pausa nas ações ou migrem para outros locais.  “Naturalmente eles fazem um trabalho antes com as regiões que estão apresentando maior índice de violência, levantam mandados de busca, prendem meia dúzia de pessoas. Isso vai ser apresentado para a imprensa como sendo um resultado proveitoso, mas na verdade o que você está fazendo é dizer para o bandido ‘olha, tomem cuidado que nós estamos na rua, não ajam nessa região especifica’”, explicou.

“Isso funciona como um espetáculo para dar satisfação à população. A autoridade policial sabe que isso tem pouco efeito prático na redução da criminalidade, chamamos essa prática na pesquisa de ‘enxugar gelo’. O importante é não evitar esforços que visem identificar os autores da insegurança e as causas que potencializam a violência”, declarou o especialista.

Combustível para violência

A alta da criminalidade e a insegurança de uma região surgem de um conjunto de fatores que constroem uma situação propícia para que o crime se desenvolva. Por mais que a violência seja parte constituinte da natureza humana, as condições sociais são fatores determinantes, funcionando como combustível para essa agressividade. O poder público tem como responsabilidade atuar sobre estes fatores, de forma a prevenir os crimes com a mesma intensidade com que atua na repressão dos atos criminosos.

O especialista em segurança pública aponta como potencializadores da criminalidade em Mato Grosso, desde fatores que são fora da esfera de responsabilidade da polícia e da Secretaria de Segurança Pública, por exemplo, ausência de iluminação pública em áreas de lazer para crianças e adolescentes, até desigualdade social e educação de má qualidade. Essas condições deixam os jovens com poucas opções de acesso à renda, dispondo, assim, de tempo ocioso  para atividades ilícitas.

Outros motivos elencados pelo especialista concernem à atuação da Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso, como falta de ações que aproximem a polícia das comunidades. Trabalhos simples como a negociação de conflitos, resolução de conflitos entre vizinhos e familiares, autuação de um bar que esteja funcionando fora do horário regular ou vendendo bebidas para menores de idade, ou seja, pequenas ações que melhoram a vida dos moradores da região. Junto a isso, ações que geram mais dispêndio de tempo e dinheiro, como um serviço de inteligência para identificar os fatores potencializadores de cada região e projetos sociais com participação das Polícias Civil e Militar que ofereçam lazer, informação e qualificação para que jovens evitem práticas criminosas.

Solução

De acordo com Naldson Ramos, o serviço de inteligência seria o pontapé inicial para um trabalho consistente e em longo prazo de segurança pública no Estado. Essa ação consistiria numa investigação esmiuçada de cada região, descobrindo quem são os grupos criminosos da localidade e os fatores que propiciam o desenvolvimento da violência na região. Esse trabalho não seria feito de forma pontual para a deflagração de uma operação específica, mas uma rotina de acompanhamento da polícia em todos os bairros.

Paralelo a isso, deveriam ser realizados programas sociais, de forma a aproximar a polícia da comunidade. Segundo o coordenador de Polícia Comunitária, major Sízano Attir de Oliveira Barbosa, a polícia precisa manter uma relação com a população. Caso não haja essa ligação, a repressão funciona como enxugar a água de uma torneira aberta. “Você seca a água que escorre, mas ela nunca vai parar de pingar se você não fechar a torneira”, afirmou.

A Polícia Militar atua em dois programas de ação social: o Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (PROERD) e o Programa Rede Cidadã, além de 18 ações em bairros específicos por Mato Grosso. O PROERD existe há mais de 15 anos em Mato Grosso e atua nas escolas do estado ministrando cursos para pais e alunos entre 5 e 14 anos.

O material pedagógico aborda noções de cidadania, técnicas para resistir a pressões de colegas e da mídia para o uso de drogas, prevenção do bullying, técnicas de autocontrole para se afastar da violência, maneiras de lidar com o stress, promoção da autoestima, tomada de decisões e valorização a vida. Coordenador do PROERD há 11 anos, o coronel Jacques Lopes da Cunha, afirma que o PROERD não é só um programa social, mas “uma ação operacional de polícia voltada à redução da violência”.

Para Naldson é importante a existência desses projetos, mas sua atuação ainda é mínima tendo em vista as necessidades de Mato Grosso. O especialista frisa que é urgente que a prevenção seja uma política pública do estado, citando como exemplo projeto bem sucedido á cidade de Canoas (RS).

Bruna Gomes

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