por: André Luís Torres Baby
Cumprimento o leitor com a alegria de estar estreando como articulista no Circuito MT, mas com pesar por ter que tratar de um tema tão importante em dias tão tristes e difíceis como o que estamos vivendo no Rio Grande do Sul.
As mudanças climáticas sentidas por todos nós, seja por ondas de calor excessivas, chuvas torrenciais localizadas, secas severas ou outros fenômenos da natureza, tem nos mostrado um certo ‘convulsionamento’ da Terra no alto dos seus 4,5 bilhões de anos, que também já passou por inúmeros intempéries relatadas na Bíblia. Mesmo com tudo isso, ela vai bem! O que tem ido mal somos nós e muitos que ainda, pasmem, não acreditam nas mudanças climáticas, assim como toda forma de vida na biosfera que sofrem em detrimento de nossas prioridades e escolhas para “desenvolvimento”.
O nosso mundo, que começa a 9,5 Km abaixo do nível do mar e vai até 8 Km acima de nossas cabeças, que não anda passando bem. Essa parte tem estado em dificuldades, desde que formamos o conceito do “controle da natureza”, ideia criada pela nossa arrogante suposição que a natureza existe para servir o ser humano.
Nós esquecemos a gentileza de sermos bons hóspedes, de caminharmos com poucos rastros e vestígios, de habitar sem estragar e de viver com a delicadeza e leveza das demais criaturas habitantes da Terra.
O sistema que vivemos, de que fazemos uso e que proporciona toda nossa cultura e civilização está prestes a entrar em colapso. Jared Diamond, em seu Livro “O Colapso”, cita muito bem como as civilizações prosperam e como elas acabam a partir do modo de viver e conviver com a natureza e os recursos naturais, mas não só isso. Há uma reflexão sobre o que acontece quando ignoramos os sinais do nosso meio ambiente.
Danos ambientais, mudanças climáticas, rápido crescimento populacional, parceiros comerciais instáveis e pressões de inimigos foram fatores determinantes na queda de algumas sociedades. Contudo, outras sociedades encontraram soluções para esses mesmos problemas e subsistiram. O que tornaria, então, um ambiente mais frágil que outro? Por que algumas sociedades, e não outras, incorrem na autodestruição? Problemas similares nos ameaçam hoje e já acarretaram desastres em Ruanda e no Haiti, por outro lado, algumas cidades e países tentam responder aos desafios de modo inovador como Viena, na Áustria, que adotou o seu primeiro programa de “proteção climática” ainda em 1999.
Apesar da aparentemente inesgotável riqueza de nossa sociedade, amor e poder político incomparáveis, sinais de alerta começam a emergir em áreas ecologicamente saudáveis, como nos vales de Montana, nos Estados Unidos. Quais escolhas econômicas, sociais e políticas ainda podemos fazer para não termos o mesmo fim?
Neste sentido, o autor David Wallace-Wells, que publicou a obra “A Terra inabitável, uma história do futuro”, cita que já estamos vivendo no passado recente. Apenas, melhoramos a previsão dos desastres, sem mudar necessariamente a rota das tendências. Nós temos muitas promessas em curso, implementação do Código Florestal, implementação do Estatuto das Cidades, criação e uso dos planos diretores municipais, manejo de bacias hidrográficas, planos de adaptação e mitigação às mudanças climáticas são alguns balizadores que vão se dissolvendo na água, assim como tem sofrido nosso querido Rio Grande do Sul.
O nosso povo brasileiro reagiu muito bem em solidariedade aos irmãos gaúchos, os noticiários do mundo mostram o caos instalado, os estudiosos e as autoridades ficaram assombrados pela intensidade e extensão da tragédia. A única conclusão até o momento é a de que ninguém está seguro em caso de “condições extremas” de alguma ocorrência de fenômenos da natureza. Dados da Confederação Nacional dos Municípios indicam que apenas 2 em cada 10 cidades brasileiras estão preparadas para enfrentar as mudanças climáticas, na ocasião foram ouvidas 3.6 mil cidades brasileiras.
Mesmo com o colapso, nós vimos a confirmação dos estudos da “Prêmio Nobel em Economia”, Elinor Ostrom, a qual tive oportunidade de conhecê-la na Universidade do Arizona durante a Conferência Mundial sobre Resiliência (2011), que expõe justamente o contrário do que alguns gritam aos quatro ventos, sendo certo que as pessoas são capazes de se organizar e administrar de forma responsável os recursos dos quais dependem, mesmo frente a um campo de batalha alagado. Redescobrir esta verdade e começar a agir em consequência deveria ser uma das chaves a levarmos em conta na hora de enfrentarmos os desafios ecossociais que temos pela frente.
Ainda assim, com todos os sinais dos tempos ou de “fim de mundo”, é difícil imaginar que ainda exista dinheiro público para shows e mais difícil ainda imaginar que algum governante trocasse um camarote do show de Madonna por um assento no Fórum Brasileiro ou Estadual de Mudanças Climáticas. Esta é a nossa biosfera social, a que construímos, e ao que consta, não há perspectivas de melhora.
O que nos resta? É o Medo? Então, que possamos ir com medo mesmo.
Willian Shakespeare nos ensinou a ter o medo como aliado e não ter medo de temer. Desde o momento em que expressamos o primeiro choro, estamos familiarizados com ele, lutando pelo primeiro sopro de vida, e ao longo de nossas vidas, experimentamos suas diversas formas até o momento da partida. Em seu estado mais puro, ele representa uma reação sensata e preferível diante da detecção de uma ameaça iminente — seja para fugir ou confrontar algo, ele instiga à ação transformadora.
Por outro lado, o temor obsessivo leva à inação, antecipa o possível desfecho, conforme Freud discute insegurança. Após os eventos climáticos ocorridos no RS, é esperado que o país, os estados e os municípios comecem a agir de acordo com a realidade e o cumprimento das leis, não basta termos a mais rigorosa das legislações ambientais se o respeito a ela ainda é muito baixo. Assim, não pode e não deve ser impossível encontrarmos um caminho alternativo para nossa arrogância. Isto posto, devemos considerar que o único capaz de modificar a rota é exatamente o ser humano, que nos unamos no caminho da sustentabilidade, que não é um convite, é um chamado: Venha!
Eng.º Ftal. André Luís Torres Baby, ME em Sustentabilidade, Consultor, Conselheiro e Vice-diretor do CREA-MT
andreluis.baby@gmail.com
Fotos: Agência Senado / Gustavo Mansur