O MPF (Ministério Público Federal) recomendou às Forças Armadas em Mato Grosso a abstenção de promover ou tomar parte de qualquer manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ou homenagem à data de instalação do regime militar, em de 31 de março. A recomendação foi divulgada nesta quarta-feira (27) na mesma semana em que o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros orientou que as Forças Armadas celebrem ao fechamento democrático do País em 1964.
O texto recomenda ainda que sejam adotadas providências para que as medidas também alcancem militares subordinados e que, em caso de identificação de eventuais atos e seus participantes, sejam aplicadas punições disciplinares e comunicação ao MPF para adoção das providências cabíveis. O prazo de resposta das recomendações é de 24 horas.
O Ministério Público emitiu quatro recomendações pela Procuradoria da República em Mato Grosso, a 13ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cuiabá (13ª BdaInfMtz), Delegacia Fluvial de Cuiabá (DelCuiaba); Destacamento de Controle do Espaço Aéreo: de Cuiabá (DTCEA-CY) e Chapada dos Guimarães (DTCEA-GI).
No texto, o órgão ressalta que a Constituição Federal de 1988 restabeleceu a democracia após o período entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985, durante o qual o País foi presidido por governos militares, com supressão de eleições diretas e dos direitos decorrentes do regime democrático, como direitos de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
“A homenagem por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, ao período histórico no qual houve supressão da democracia e dos direitos de reunião, liberdade de expressão e de imprensa viola a Constituição Federal”.
É reconhecido também que o Estado Brasileiro, por meio da Lei º 12.528/2011, criou a Comissão Nacional da Verdade para apurar graves violações a direitos humanos no período previsto no artigo 8º da ADCT. E, em sua Recomendação nº 4, a Comissão Nacional da Verdade fez constar a proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964, em virtude das investigações realizadas terem comprovado que o regime autoritário que se seguiu foi responsável pela ocorrência de graves violações de direitos humanos.
O documento ressalta ainda que, em 19 de setembro de 2014, por meio do ofício nº 10944/Gabinete, do Ministro de Estado de Defesa, as Forças Armadas admitiram a existência de graves violações aos direitos humanos durante o regime militar e não questionaram as conclusões da Comissão Nacional da Verdade.
A ação é uma resposta às declarações do porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, realizadas ontem, 26, em que o presidente Jair Bolsonaro “determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964”.
O MPF considera que a homenagem por servidores civis e militares ao período histórico no qual houve supressão da democracia, liberdade de expressão e liberdade de imprensa viola a Constituição Federal, que consagra a democracia e a soberania popular. A Constituição Federal repudia e considera o crime de tortura inafiançável e imprescritível (art. 5º, incisos III e XLIII).
Diante disso, o MPF enfatizou também que o Presidente da República se submete à Constituição Federal e às leis vigentes, não possuindo o poder discricionário de desconsiderar todos os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 31 de março de 1964 como antidemocrático.
Notícia Fato
Levando-se em consideração às declarações do porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, e das notícias amplamente divulgadas nos meios de comunicação nacional, o MPF em Mato Grosso instaurou uma Notícia de Fato para que seja apurada a possível alusão positiva a regime autoritário e incompatibilidade com o estado democrático de direito, alusivos às comemorações do dia 31 de março de 1964.
O MPF enfatizou que, apesar de algumas controvérsias existentes, o próprio Estado Brasileiro e Cortes Internacionais já reconheceram que o movimento militar de 1964 foi um golpe que depôs um presidente legítimo e instaurou um regime de exceção que implicou a erradicação de liberdades democráticas essenciais, centenas de mortes, milhares de prisões políticas, tortura, além de outras graves violações de direitos humanos.
Também considerou que qualquer comemoração alusiva à data realizada com recursos públicos (materiais ou humanos) é possivelmente incompatível com o ordenamento jurídico e pode implicar, inclusive, a prática de ato de improbidade administrativa por seus responsáveis.