Jurídico

MP diz que não deve ser responsabilizado pela crise ética do país

O Ministério Público e Judiciário se posicionou através de uma nota sobre o texto aprovado pela Câmara que desfigurou o pacote que reúne um conjunto de medidas de combate à corrupção e avalizadas por mais de dois milhões de assinaturas de cidadãos. Em nota, o MP afirma que “nem de longe podem ser responsabilizados pela grave crise ética por que passa o país” e que a medida de aprovação da emenda, visa “intimidar e enfraquecer” o Ministério.

O pacote com 10 medidas propostas pelo Ministério Público Federal, foi encaminhado e a Câmara aprovou o texto na madrugada desta quarta-feira (30). Com a aprovação, o projeto segue agora para análise do Senado. Porém das 10 medidas, seis foram rejeitas e apenas quatro passaram parcialmente.

Do texto original, só permaneceram as medidas de transparência a serem adotadas por tribunais, a criminalização do caixa 2, o agravamento de penas para corrupção e a limitação do uso de recursos com o fim de atrasar processos.

Foram retirados: Acordos de leniência (delação premiada para empresas), Enriquecimento ilícito de funcionários públicos; Reportante do bem (incentivar o cidadão a denunciar crimes de corrupção); Prescrição de penas; Confisco alargado (o criminoso não tem mais acesso ao produto do crime); Acordos entre defesa e acusação (para crimes menos graves); Responsabilização de partidos.

Pontos aprovados: Responsabilização dos partidos políticos e tipificação do caixa dois eleitoral; Abuso de responsabilidade a juízes e integrantes do Ministério Público; Prevenção à corrupção, transparência; Aumento das penas e inserção de tipos na Lei de Crimes Hediondos; Ações populares; Recursos (Estabelece regras para limitar o uso de recursos com o fim de atrasar processos).

Na nota o Ministério Público diz que as 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais e que não apoia o texto que restou. E faz um apelo a sociedade brasileira, pedindo para que todos fiquem atentos para o que o “retrocesso” não seja concretizado. 

Confira a nota do MP na íntegra:

Nota da Procuradoria-Geral da República sobre a votação das 10 Medidas contra a Corrupção

Foram mais de dois milhões de assinaturas. Um apoio maciço da sociedade brasileira, que também por outros meios se manifestou. Houve o apoio de organismos internacionais. Foram centenas de horas de discussão, de esclarecimento e de um debate sadio em prol da democracia brasileira. Foram apresentadas propostas visando a um Brasil melhor para as futuras gerações.

No entanto, isso não foi o suficiente para que os deputados se sensibilizassem da importância das 10 Medidas de Combate à Corrupção. O resultado da votação do PL 4850/2016, ontem, colocou o país em marcha a ré no combate à corrupção. O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira.

A Casa optou por excluir diversos pontos chancelados pela Comissão Especial que analisou as propostas com afinco. Além de retirar a possibilidade de aprimorar o combate à corrupção – como a tipificação do crime de enriquecimento ilícito, mudanças na prescrição de crimes e facilitação do confisco de bens oriundos de corrupção –, houve a inclusão de proposta que coloca em risco o funcionamento do Ministério Público e do Poder Judiciário, a saber, a emenda que sujeita promotores e juízes à punição por crime de responsabilidade.

Ministério Público e Judiciário nem de longe podem ser responsabilizados pela grave crise ética por que passa o país. Encareço aos membros do Ministério Público Brasileiro que se mantenham concentrados no trabalho de combate à corrupção e ao crime. Que isso não nos desanime; antes, que nos sirva de incentivo ao trabalho correto, profissional e desprovido de ideologias, como tem sido feito desde a Constituição de 1988. Esse ponto de inflexão e tensão institucional será ultrapassado pelo esforço de todos e pelo reconhecimento da sociedade em relação aos resultados alcançados.

Um sumário honesto da votação das 10 Medidas, na Câmara dos Deputados, deverá registrar que o que havia de melhor no projeto foi excluído e medidas claramente retaliatórias foram incluídas. Cabe esclarecer que a emenda aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e Judiciário.

As 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais. O Ministério Público Brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais. O Ministério Público seguirá sua trajetória de serviço ao povo brasileiro, na perspectiva de luta contra o desvio de dinheiro público e o roubo das esperanças de um país melhor para todos nós.

Nesse debate, longe de qualquer compromisso de luta contra a corrupção, vimos uma rejeição violenta e irracional ao Ministério Público e ao Judiciário. A proposta aprovada na Câmara ainda vai para o Senado. A sociedade deve ficar atenta para que o retrocesso não seja concretizado; para que a marcha seja invertida novamente e possamos andar pra frente.

O conforto está na Constituição, que ainda nos guia e nos aponta o lugar do Brasil. Que seja melhor do que o que vimos hoje.

Rodrigo Janot

Procurador-Geral da República

Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

Catia Alves

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