O sábado (23) acordou com uma notícia trágica para a SFX Brasil, tentáculo brasileiro da empresa de entretenimento americana SFX, responsável pelo festival Tomorrowland. A morte do mineiro Luiz Ricardo Parreira, 32, expõe um lado sem fantasia do festival de música eletrônica, que teve sua segunda edição em Itu neste final de semana. Luiz foi encontrado inconsciente no gramado do Parque Maeda, onde a Tomorrowland é realizada, na sexta-feira (22), e sua morte por parada cardiorrespiratória foi atestado no Hospital São Camilo, Santa Casa de Itu. Este é o primeiro caso de morte de um frequentador na história do festival, cuja primeira edição aconteceu na Bélgica, em 2005.
Segundo uma das enfermeiras que trabalharam nos postos médicos do evento, o excesso de álcool foi uma das maiores causas de atendimento ao público, junto a problemas relacionados ao calor e ao abuso de outras substâncias.
"Eu me sinto mais acordado, com vontade de fazer as coisas", disse um frequentador que admitiu ter consumido ecstasy na festa. "Dá uma sensação de euforia enorme."
A enfermeira conta que alguns pacientes chegavam ao posto transtornados, agressivos, e por isso precisavam ser contidos. Alguns eram amarrados com gaze na maca. Ela conta o caso de um homem que precisou ser segurado por seis pessoas. "Ele era maior que a maca", diz. "Muitas são mulheres na enfermaria, fica difícil."
No posto em que ela trabalhou, ao lado do palco principal, houve duas transferências para hospitais na quinta-feira, uma por causa de hipotermia e outra por coma alcoólico. A enfermeira diz ter ajudado também a reanimar um homem que sofreu parada cardíaca. Felizmente, ele sobreviveu.
No ano passado, a SFX já teve que lidar com outra notícia trágica. Após a edição de 2015 da Tomorrowland, um funcionário terceirizado do festival foi encontrado morto, dentro de um caminhão de lixo em Itu, com traumatismo craniano. As circunstâncias da morte dele nunca foram esclarecidas.
Apesar de tudo isso, a programação seguiu inalterada neste sábado (23), último dia de festa. Segundo a organização, 150 mil pessoas compareceram ao longo dos três dias.
Tempo seco
O calor, a poeira e a baixa umidade atrapalharam a diversão de alguns participantes. À tarde, o palco principal foi envolvido por uma nuvem de pó que secou gargantas e fez os olhos arderem. A paulista Andréa Paula Carvalho foi uma das que sofreu. "No ano passado, vi a produção usar mais caminhões pipa para molhar a terra", disse. Muitos improvisaram máscaras de pano para proteger o rosto. Não ajudou o fato de os organizadores terem esvaziado, sem aviso, pelo menos um cilindro de gás branco sobre a plateia mesmo nessas condições. Os bombeiros que trabalhavam no local não souberam explicar em detalhes e também se disseram surpresos. "A organização nos informou que é glicerina para ajudar no show de luzes", afirmou um dos oficiais.
Os shows
Musicalmente, apesar de ter DJs diferentes, o palco principal ouviu músicas repetidas ao longo dos três dias. Muitos remixes de "How Deep Is Your Love", do escocês Calvin Harris, de "Satisfaction", do italiano Benny Benassi, e de "Jungle Bae", da dupla americana Jack Ü. Some aí versões de "Sweet Dreams", do duo britânico Eurythmics, e de "Seven Nation Army", da banda americana White Stripes, para se ter uma ideia do que os DJs tocaram no Mainstage da Tomorrowland. Em meio a tantos clichês, o veterano francês David Guetta se saiu como o mais inventivo e carismático de todos. E ele foi um dos únicos a usar fone de ouvido na cabine, ferramenta-assinatura de qualquer DJ, necessária para fazer a mixagem das músicas.
Aparentemente, a maioria apresentou sets pré-gravados. Mas nada disso interferiu no delírio do público, completamente rendido ao show hipnótico de laser, fogo e batidas repetitivas.
A Tomorrowland encerrou sua jornada brasileira em 2016 com o show da dupla de irmãos belgas Dimitri Vegas e Like Mike, veteranos do festival. Antes, foi a vez do greco-sueco Steve Angello, que tocou seu popular remix para "You Got to Show Me Love", da cantora americana Robin S, além de "Hey Boy Hey Girl", da dupla inglesa Chemical Brothers.
Entre os palcos alternativos, com mais personalidade, os mais cheios eram aqueles próximos ao Mainstage. O brasileiro Gui Boratto apresentou sua tech-house fina com direito ao clássico "Arquipélago" no DOC, enquanto o DJ Marky reuniu amigos para uma noite de drum'n'bass na tenda ao lado da piscina.
Depois de três dias, não restam dúvidas de que a Tomorrowland seja um evento colossal, medido pelo volume de público e pelo tamanho das estruturas de seus palcos. Os organizadores aproveitam para cobrar caro daqueles que aceitam embarcar na experiência – muitos dispostos a investir milhares de reais na brincadeira. Mas, ao final da festa, o que mais chama a atenção é a capacidade daqueles milhares de participantes, desconhecidos entre si, de se unirem, mesmo que seja para dançar juntos ao som de hits da EDM (ou electronic dance music). Em um mundo que parece cada vez mais separado, essa talvez seja a parte mais bonita do espetáculo, bem mais do que qualquer show de laser. Isso ninguém pode tirar da Tomorrowland.
A SFX americana decretou falência em 2016, mas diz que continuará a investir na marca Tomorrowland pelos próximos anos.
*Colaborou com a reportagem Gisele Alquas
Fonte: UOL