Cidades

Mortalidade infantil aumenta 16% em Cuiabá

Parecer de avaliação das contas do Governo do Estado do Ministério Público de Contas (MPC) do primeiro ano da atual gestão aponta que o índice de mortalidade infantil saltou de 13,96% para 14,55% de 2014 para 2015. Os números refletem a qualidade do atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) em Mato Grosso para pacientes com até 5 anos de idade.

Em Cuiabá houve aumento significativo de 16% no número de morte de bebês com até 1 ano de idade. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde, os casos para os recém-nascidos com até 27 dias de vida passaram de 94, em 2014, para 110 no ano passado. Alta que fez o índice de óbitos a cada 1.000 nascidos saltar de 8,4 para 10,4 no mesmo período.

Também houve aumento em ocorrências com morte de bebês neonatais precoces, com menos de sete dias de vida. Em 2014, foram registrados 64 casos e, em 2015, 79, o que representou óbito de 7,5 recém-nascidos na fase neonatal em cada população de 1.000.

Já os casos de morte dentre os neonatais tardios, com idade de sete e 27 dias de vida, subiram de 25 para 31, marcando índice de 2,9 para igual grupo de referência.

No mesmo período, entre 2014 e 2015, dois tipos de doenças aparecem com alta em ocorrência de mortes. As do sistema nervoso, que subiram de cinco para sete, e de causas externas, que subiram de seis para sete casos.

Ainda conforme a Secretaria de Saúde de Cuiabá, os principais tipos de doenças no primeiro grupo são desconforto/angustia  respiratória, sepses (invasão da corrente sanguínea por bactérias ou vírus); doenças infecciosas intestinais; afetação por fator materno.

 Já no grupo de causas externas aparecem acidentes de transportes e outras doenças respiratórias que não entram no primeiro grupo. Meningite e atrofia muscular também são apontadas como causas de morte derivada do sistema nervoso.

A reportagem procurou o secretário Ary Soares para comentar esses números, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

Em Mato Grosso, conforme apontamentos do Ministério de Contas, as infecções do sistema circulatório e as de cérebro- vascular também fizeram mais vítimas no ano passado, com média de 36,39% do total das mortes infantis.  Ainda houve aumento de morte em casos neonatais (recém-nascido com até 27 dias de vida) de 7,25% e 7,43%.

Outro dado preocupante é o aumento no número de crianças, menores de cinco anos de idade, em tratamento contra infecção respiratória aguda. Os registros apontam alta de 25,29% para 25,71%.

Há problemas também no tratamento pré-natal. A quantidade de bebês, nascidos vivos, de mães com um mínimo de sete consultas de acompanhamento na gestação teve queda de 0,92%, puxando a média para 65,74% do total de grávidas no Estado. Isso significa que menos mães estão conseguindo dando à luz já cientes do estado de saúde de seu filho.

Esses cinco setores representam a metade dos problemas elencados pelo Ministério Público de Contas (MPC) na rede pública de saúde, e todos estão com nível de atendimento abaixo do auferido no restante do País.

Serviço de atenção básica é decisivo

Para a pediatra Maria de Fátima Ferreira, da Divisão da Gestão de Cuidado do Hospital Universitário Júlio Müller, uma causa da piora do cenário do setor infantil na rede pública pode estar na qualidade dos atendimentos de atenção básica.

“Às vezes, se confundem quantidade com qualidade. Acha-se que se o atendimento sobe, o serviço também é de qualidade. Isso não é necessariamente real. O cuidado precisa ser estendido para além de um atendimento restrito”, diz.

Ela afirma que as pioras no atendimento pediátrico podem estar relacionadas tanto à redução de assistência pré-natal, quando é possível identificar e controlar doenças antes do nascimento do bebê para curar nas primeiras semanas de vida, quanto à falta de cuidados apropriados. Ela cita casos de sífilis congênita e má formação intrauterina do feto.

“A sífilis congênita é uma doença que pode ser tratada durante o período pré-natal, mas isso não vem acontecendo, e o problema está crescendo no Brasil e no mundo. Agora, o que está acontecendo é difícil de explicar, há estudos em andamento buscando resposta para isso. A sífilis e a má formação intrauterina pode ser uma das causas da morte de crianças abaixo dos 5 anos, entre outras coisas que podem ocorrer em Mato Grosso e em outro lugar”, explica.

A doutora afirma ser necessário fazer uma organização do atendimento da atenção básica para alcançar resultados positivos. “Há desorganização no setor pediátrico no atendimento público. É comum nomear um profissional que não possui formação adequada, especializada para atender em pediatria. Então, ele faz um atendimento mais ou menos, não consegue identificar o problema ou acha que há somente um e daqui a pouco o paciente está internado outra vez uma doença em decorrência da primeira, que não foi tratada direito”.

Ela diz que isso implica no próprio acompanhamento médico dos pacientes, visto que um mesmo caso pode ter registro em uma fase, sem avançar no tratamento.

Motorista reclama de atendimento em UPA

O motorista Rafael Silva, 31, passou por uma situação de negligência na rede pública de saúde. Em meados de junho, ele e a mulher entraram na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Bairro Morada do Ouro, em Cuiabá, atrás de tratamento para a tosse e a febre do filho de 1 ano e 2 meses. Foram orientados a procurar o posto após esperar na fila de uma policlínica da região. E tudo o que o médico de plantão fez foi olhar para a criança, checar a temperatura com as mãos e receitar dipirona de sódio.

 “Ficamos uns trinta minutos esperando para sermos atendidos, o médico chegou com cara de não muitos amigos, e ficamos menos de cinco minutos dentro da do consultório. Ele não fez nada, só olhou pro meu filho, colocou a mão nos pescoço dele e passou uma dipirona. Depois: pode ir pra casa, que é só reação à mudança do tempo (a temperatura havia caído por aqueles dias)”, conta Rafael.

Não satisfeito, o casal procurou um hospital particular para um novo exame. Foi diagnosticado com princípio de pneumonia.

Cátia Rodrigues, 28 anos, já chegou ao PSF da Morada do Ouro, às 3h, com o filho de três anos queimando em febre de 39 graus. O enfermeiro de plantão, no entanto, demorou 40 minutos para iniciar a consulta, que não foi realizada em todos seus procedimentos. Houve uma breve observação e o encaminhamento para outra unidade do SUS. Neste caso, ela foi mais feliz e o segundo médico que a atendeu encaminhou exames, que apontaram para bronquite.  

Sinpen defende fortalecimento do setor primário

Para o enfermeiro Dejamir Soares, presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem (Sinpen), Mato Grosso vive hoje um cenário de retorno das doenças de atendimento básico em graus de epidemia, como a dengue, a hanseníase e as infecção intestinal. Essa volta, diz ele, se deve ao modelo falido do Sistema Único de Saúde (SUS).

Soares aponta para problemas na precariedade de atendimentos primários, setor que deveria servir de barreira para a contenção de difusão das doenças. Erros vão de falta de suporte de logística, atraso no repasse de verbas e descaso de profissionais da saúde. Ora um fator se sobrepõe ao outro, ou são usados como tangente para os interesses próprios de profissionais. Mas a falta de políticas públicas apropriadas, que priorizem o setor primário, aparece como a falha mais grave.

“O governo, de modo geral, nas três esferas, destina muitos recursos para os setores secundários, terciários e especializados. Mas o problema está na saúde de atendimento básico. As epidemias da dengue, malária, e os casos alarmantes de diabetes e hipertensão, por exemplo, são indicativos de que a saúde pública em Mato Grosso, e no Brasil, precisa ser repensada. O que está em vigor está falido”, comenta.

 O quadro é difícil de ser montado. A proposta do SUS, conta o enfermeiro, é, em tese, adequada para administrar a máquina pública da saúde, com o modelo de funcionamento em etapas. O Posto de Saúde Familiar (PSF) desenvolveria trabalho de prevenção com o mapeamento da saúde por bairros e atendimentos básicos. As policlínicas estariam em segundo estágio e atuariam no tratamento de casos mais complexos. A rede fecharia com a oferta de hospitais especializados para cuidados direcionados.

“Mas acontece que as policlínicas e os prontos-socorros são as unidades que mais recebem pacientes. Vivem em sobrecarga de demanda e não conseguem atender porque está errada a forma de distribuição. Os prontos-socorros já são para casos muito graves, em estado terminal do paciente, mas vive lotado. É um funil por onde é forçado passar muito coisa, o que acaba produzindo prejuízos”, explica.

Falta de estrutura favorece aumento de incidências

Os secretários de saúde consultados pela reportagem dizem que há disponibilidade de assistência para atenção básica em seus municípios – que alcança no máximo 67% da população – no entanto, persistem as altas incidências de doenças que já tiveram status de erradicadas no País. Casos da sífilis, diabetes e hipertensão.

Para Israel Paniago, gestor da pasta de saúde em Rondonópolis, as ocorrências podem estar ligadas a fatores de desleixo com a própria saúde pela população e traços culturais de recalque a temas ligados ao sexo.

“Os casos mais comuns de doenças durante a gravidez são a sífilis e a hipertensão. E ocorrem em mulheres que já estão em idade menos fértil, após os 40 anos, ou de meninas jovens, com até 12 anos. Há uma mistura de desinformação, desleixo e até vergonha quanto à doença – no caso da sífilis, por exemplo- o que afeta o tratamento médico. O Ministério da Saúde estabelece uma série de seis consultas pré-natais como o ideal, mas há muitos casos de mães que fazem duas, três no máximo”, conta. Dois médicos especializados em gestação e pediatria trabalham na rede pública de Rondonópolis.

Apontamentos semelhantes são feitos pelo secretário de Saúde de Lucas do Rio Verde, Günter Bif Stechert. Segundo ele, as 17 unidades de Programa Saúde da Família (PSF) cobrem a população do município e parte de cidades circunvizinhas, e a maioria das mortes de criança com até cinco anos de idade ocorre por insuficiência respiratória ou por má-formação, casos que podem ter relação com a sífilis congênita.

“Nós temos hoje três pediatras que atendem nos postos do SUS, mas há casos de sífilis e de hipertensão, doenças muito comuns durante a gravidez”. 

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que não tem compilação de números de morte de crianças com até cinco anos de idade.

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Reinaldo Fernandes

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