Cidades

Moradores de rua invisíveis aos olhos da sociedade

Fotos Ahmad Jarrah

Invisíveis aos olhos da sociedade, eles passam fome, sofrem com o preconceito das pessoas e são negligenciados pelo Poder Público. O jornal Circuito Mato Grosso andou pelas ruas de Cuiabá para conhecer a história de pessoas nessa situação. Um dos relatos mais comoventes é do senhor Valdecir Nunes de Oliveira, 54, e que vive na rua há quatro anos, após a morte da esposa.

Oliveira já trabalhou como operador de máquinas, pedreiro e mecânico. Quando a esposa morreu, no dia 17 de fevereiro de 2013, não suportou os problemas que apareceram e começou a beber. Hoje ele vive na rua, refém do álcool e abandonado pelos três filhos, mas ainda mantém a esperança de que ‘Deus vai estender a mão’ para ele.

Natural de Rondonópolis (215 km de Cuiabá), Valdecir afirma que possui uma casa no bairro Planalto, em Cuiabá, mas não volta para a residência porque o filho de outro casamento entrou na Justiça para ter direito sobre o imóvel. A família dele, que mora em Rondonópolis, não sabe da situação em que vive.

Arrependido de ter entrado nesse mundo, Oliveira conta que a rua ‘não leva a nada, só para o fundo do poço’, mas o que mais dói é ver o desprezo dos filhos. “Pode ser estudado, educado, ele vai te dar desprezo, dizer que você é um noiado, um cachaceiro, que você é um bandido. Você vai ver quem realmente seu filho é, uma pessoa que você amou a vida toda”, lamenta Valdecir.

Repetindo por diversas vezes que ‘Deus é maravilhoso’ e que vai tirá-lo dessa vida, ele diz que tenta sair das ruas e do alcoolismo, mas que só tem ‘andado para traz’. “Estou tentando me livrar do álcool, só que sem ajuda eu não saio daqui. Mas Deus é maravilhoso, se ele estendeu a mão para os seus discípulos, ele também vai estender pra mim”.

Ele sustenta que a família tem boas condições, mas que mora em Rondonópolis e não os vê faz bastante tempo. Valdecir também reclama da forma como a sociedade vê os moradores de rua e garante que eles não são bandidos, não roubam e nem matam. “O cara que mata não fica sentado aqui, não. Nós passamos fome, não dormimos e quando conseguimos, só acordamos porque Deus tem misericórdia de nós”. 

Sem coragem de voltar para casa após 10 anos

Após vender os imóveis para investir em garimpo, Eversino Araújo Peixoto, de 57 anos, perdeu quase todos os bens e hoje vive nas ruas de Cuiabá, com vergonha de voltar para casa devido à situação em que se encontra: usuário de álcool e pasta base. Ele afirma que teve sucesso no garimpo, mas confiou em outra pessoa para guardar as pedras e levou ‘um banho’.

Apesar de morar na rua, ele procura andar sempre ‘asseado’ e tenta fazer amizades com as pessoas, o que segundo ele não é fácil. A rotina dele é andar pelas ruas da cidade, pontos de ônibus, ir ao rio tomar banho e até ir ao cinema de vez em quando, quando está ‘arrumadinho’.

Quando vai ao shopping, ele diz que se sente um ‘passarinho’, pois sobram muitos restos de comida nos estabelecimentos, e ele procura aproveitar para saciar a fome. “Antigamente as sobras da comida eram jogadas para todo lado e os passarinhos comiam. No shopping hoje sobra muita comida, mas se você for comer eles já te barram, não aceitam mais”, reclamou.

Eversino afirma que ainda possui duas propriedades em Primavera do Leste e Barra do Garças (234  e 508 km da Capital), onde vive parte da sua família, mas não tem coragem de voltar.  “Só volto se conseguir o que eu desejo ter. Se não, prefiro ficar jogado mesmo”, afirma ele, acrescentando que gostaria de ir mais à igreja, aos Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA). “Gostaria de ter mais condições para estar sempre nessas programações”, contou.

Ele ainda relata um dos seus ‘ganha pão’, o violão, que utilizava para cantar e tocar nas avenidas e locais próximos à região do Porto, foi roubado enquanto dormia. O medo também é um companheiro fiel, principalmente quando a ‘cidade está em conflito’, quando aumentam o número de ‘noiados e beberrões’ na rua.

“A gente fica meio astuto, com medo e nem consegue dormir direito. Sempre que faz um barulho quer dar uma olhada para ver o que está acontecendo. Quando roubaram meu violão, eu estava dormindo, na hora que abri o olho, o cara já estava entrando no ônibus com ele embaixo do braço”, disse.

Ex-bancário mora na rua há 11 anos

Depois de ter sido apresentado à pasta base por um sobrinho da esposa, o bancário Juliano*, de 42 anos, entrou de vez no mundo da droga. Começou a furtar dinheiro da família para bancar o vício e logo após abandonou a casa e nunca mais retornou, nem mesmo para visitar seu pai, que ele considera o seu ‘melhor amigo, um camarada’.

Nascido na cidade de Maringá, no Estado do Paraná, ele veio para Mato Grosso com a família em 1984 para morar no Bairro Pirineu, em Várzea Grande. Juliano afirma que ajudava a administrar a empresa do pai, mas começou a faltar a compromissos importantes e furtar dinheiro para bancar o vício.

Ele admite que já tentou se tratar por nove vezes, mas que fugiu da clínica de reabilitação. Apesar das dificuldades, ele disse que está tentando diminuir a quantidade de drogas que usa por dia e que a cada dia que passa ele pensa em deixar essa vida.

“Todo dia eu penso em sair da droga, mas é difícil. Essa pasta base é uma droga violenta demais, você usa meia caixa [5 g] agora e quando acaba a gente quer cada vez mais. Mas tenho diminuído bastante meu consumo. Antes eu fumava 20 a 25 gramas por dia, hoje eu fumo no máximo 15 gramas,” afirmou, acrescentando ainda que cada meia caixa custa R$ 80.

*O entrevistado pediu para não ser identificado

Pastora trava cruzada solitária há 17 anos

Depois de ter os três irmãos dependentes químicos recuperados e reinseridos da sociedade, a pastora Janeth da Luz trabalha alimentando mendigos e dependentes químicos, em Cuiabá. Ela diz que se sente no dever de ajudar as pessoas, não apenas por eles, mas porque sabe do sofrimento que a família passa.

A pastora anda pelas ruas de Cuiabá, todos os domingos, após as 23h, para levar alimentos à população de rua. Segundo ela, essa é uma estratégia que utiliza para se aproximar dessas pessoas, oferecer uma palavra amiga e dizer que ‘eles podem, sim, mudar de vida’. Numa noite de domingo, Janete da Luz costuma alimentar de 50 a 100 pessoas num só local. Rating online casinos: https://www.gamblers.casino Play and win!

Para suprir essa quantidade, ela afirma que fica durante toda a semana tentando arrecadar os alimentos por meio de grupos de amigos no WhatsApp, na igreja, também tira dinheiro do próprio bolso e do esposo. Ela mesma prepara os alimentos e, quando não vai sozinha aos locais, vai acompanhada por alguma das três filhas.

Janeth conta que não tem medo de ir nas ‘bocas de fumos’, onde muitas vezes é tratada como se fosse da ‘família’. “Não tenho nenhum obstáculo, sou muito bem recebida por eles. E por mais que alguns queiram se rebelar, outros moradores nos defendem”, afirma. A maior dificuldade que encontra, na verdade, é na arrecadação de alimentos.

Ela não trabalha com nenhuma organização não governamental ou governamental e o que consegue de doação no meio de semana é o que usa para preparar as refeições no domingo. “Eu mesma descasco as verduras, cozinho, lavo as panelas e faço pedidos de socorro para arrecadar alimentos. Eu não aguardo ninguém me ajudar. É uma coisa que eu preciso fazer, independente de ajuda”, afirmou.

A pastora vai ainda duas vezes por mês no lixão de Cuiabá para levar alimentos às pessoas que moram lá. Ela diz ainda que precisa de doações para continuar ajudando essa população carente. Para quem tenha interesse em contribuir, pode entrar em contato com ela pelo telefone ou WhatsApp (65) 9 8133-2393.

Prefeitura lançará “Quero te conhecer”

A Secretária de Assistência Social de Cuiabá, Singlair de Musis falou ao Circuito Mato Grosso, sobre as políticas do município para melhorar a dignidade e qualidade de vida da população em situação de rua.

Circuito Mato Grosso: O que a atual gestão vai fazer para este público?

Singlair de Musis: Atender esse público alvo é uma das prioridades do Prefeito Emanuel Pinheiro e desta SMASDH. Assim vamos buscar desenvolver ações , programas e projetos que de fato devolvam a dignidade a essa pessoas. Por esta razão, iniciamos nesta segunda-feira (24) o programa "Quero Te Conhecer", pois queremos de fato conhecer e identificar quem são essas pessoas que estão morando nas ruas para que, de fato, a prefeitura possa contribuir para a melhoria de vida e dignidade dessas pessoas.

CMT: Existe uma estimativa de quantas pessoas estão nessa situação?

Singlair de Musis: Infelizmente, por se tratar de pessoas que não possuem mais documentos e ainda, em muitos casos, serem de difícil acesso, nós ainda não temos esse levantamento.  Entretanto o “Quero te conhecer” irá nos apresentar esses dados.

CMT: Quais os encaminhamentos a essas pessoas?

Singlair de Musis: Os Centros de Referências Especializados de Assistência Social (Creas) fazem os encaminhamentos dos casos pertinentes a eles. Todavia, o nosso objetivo é, depois da análise social da população de rua, por meio do “Quero Te Conhecer”, sentar com uma equipe multiprofissional e intersetoriais para dar os devidos encaminhamento que cada caso requer, seja emprego, tratamento químicos ou outros.

CMT: Que ações estão previstas para os quatro anos desta gestão?

Singlair de Musis: Não apenas eu, mas nossa equipe e a gestão Emanuel Pinheiro como um todo, teremos o cidadão como nosso maior patrimônio. Dessa forma, todas as nossas ações serão pensadas e desenvolvidas sempre visando ao retorno à vida social saudável e, claro, que essa vida possa ser vivida com a dignidade e com o respeito que é de direito a todo o cidadão.

Felipe Leonel

About Author

Você também pode se interessar

Cidades

Fifa confirma e Valcke não vem ao Brasil no dia 12

 Na visita, Valcke iria a três estádios da Copa: Arena Pernambuco, na segunda-feira, Estádio Nacional Mané Garrincha, na terça, e
Cidades

Brasileiros usam 15 bi de sacolas plásticas por ano

Dar uma destinação adequada a essas sacolas e incentivar o uso das chamadas ecobags tem sido prioridade em muitos países.