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Por Agência Brasil
Moradores do Complexo de Favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, fizeram hoje (24) um ato para pedir o fim da violência nas comunidades da região e reivindicar o direito à segurança. O protesto teve apoio de organizações da sociedade civil e artistas. Uma pesquisa inédita mostra que 69,2% dos moradores da Maré não apontaram aumentou de segurança com presença do Exército no complexo.
Segundo dados de monitoramento do fórum Basta de violência! Outra Maré é Possível, que reúne entidades e moradores que combatem a violação de direitos, nos três primeiros meses do ano, foram realizadas 14 operações das forças de segurança na região, com sete dias de conflitos com grupos armados e que deixaram 13 mortos nas favelas do complexo, além de 11 dias com escolas fechadas e 17 sem atendimento nos postos de saúde. No ano passado, foram 17 mortos e 16 feridos em 33 ações policiais.
A assistente social Sandra Maria Tomé, moradora da Maré e participante do fórum, diz que a população sofre com as operações, quando é obrigada a ficar em casa. “Teve uma operação no dia da vacinação contra a febre amarela e os postos de saúde fecharam 14h, em um sábado, dia que tem muito movimento da Maré, dia de feira, o dia que as pessoas têm para circular”, disse.
Segundo ela, o objetivo do ato é pedir paz. “Basta de violência, a gente quer uma Maré de paz. É o sonho de todo morador, ninguém aguenta mais essa opressão da violência que está acontecendo na Maré. A intenção é acabar com a violência na operação policial. Se já temos 13 pessoas mortas até o mês de maio, como vai ficar até o fim do ano?”.
A atriz Patrícia Pillar é uma das artistas que participou da marcha. “Os números estão insustentáveis, número de homicídio, isso não pode continuar assim. O que a gente está tentando dizer é que isso não é mais possível e tentar uma mensagem de união e de paz. E não é só aqui para a Maré. É só o primeiro passo, porque o que cria a violência é a desigualdade, então temos um longo caminho a percorrer, mas a gente não pode ser omisso”.
O ato começou às 13h na Praça do Parque União. Outro grupo se reuniu no Conjunto Esperança e os dois percorreram as ruas do complexo, passando por escolas e fazendo intervenções artísticas e poéticas pelo trajeto até a Rua Principal, onde está previsto para encerrar no fim da tarde.
Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) informou que “tem como prioridade a preservação da vida, a convivência pacífica e a redução de índices de criminalidade no estado” e que, para isso, tem investido desde 2007 na pacificação nas comunidades, na diminuição do uso de fuzis, na implantação do Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados, além de criar o Programa de Gestão e Controle do Uso da Força “para avaliar e capacitar os policiais da atividade-fim lotados nos batalhões com maiores registros de letalidade violenta”.
Sem citar casos ocorridos no Complexo da Maré, a secretaria informou que a Divisão de Homicídios investiga casos decorrentes de oposição à intervenção policial. “O número destes homicídios aumentou nos últimos três anos. No entanto, é importante ressaltar que se compararmos 2016 com 2006, ano anterior à atual política de segurança, ainda observamos uma redução de 13,5% neste tipo de crime. Desde 2007, mais de 2,1 mil policiais foram expulsos das corporações pelas corregedorias por desvios de conduta e abuso de autoridade”.
Após a saída do Exército do Complexo da Maré, em 2015, não foi implantada no local nenhuma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
Pesquisa
Uma pesquisa inédita divulgada hoje (24) pela Organização Não Governamental (ONG) Redes da Maré mostra a avaliação da população sobre a ocupação do complexo pelo Exército.
De acordo com o levantamento Ocupação da Maré pelo Exército brasileiro – Percepção de moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré, feito em parceria com o People’s Palace Projects da Universidade Queen Mary, 75,3% dos entrevistados avaliaram a ocupação como regular (49,5%), ruim (11,9%) ou péssima (13,9%), 4% dos entrevistados consideraram ótima e 19,9% responderam que a ocupação foi boa.
Segundo a pesquisa, para 69,2% dos moradores da Maré a ocupação não aumentou a sensação de segurança no local.
Entre fevereiro e setembro de 2015, foram ouvidos 1 mil moradores, com idades entre 18 e 69 anos, das 15 favelas ocupadas: Conjunto Esperança, Vila do João, Salsa e Merengue, Vila dos Pinheiros, Conjunto Pinheiros, Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Morro do Timbau, Baixa do Sapateiro, Nova Maré, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz, Parque União, Parque Roquete Pinto e Praia de Ramos.
“Eu chamaria a atenção para a noção que os moradores têm de diferenciação entre a realidade e a expectativa de que a entrada do Exército iria trazer algum resultado positivo, no sentido da segurança pública”, disse à Agência Brasil a coordenadora da pesquisa, Eliana Sousa Silva, diretora da ONG Redes da Maré.
O uso das Forças Armadas, na Maré, começou no dia 5 de abril de 2014. O objetivo era preparar o território para a implementação de quatro unidades de Polícia Pacificadora (UPP) na área, o que não ocorreu. Em abril de 2015, a previsão do então secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, era inaugurar a primeira unidade em julho daquele ano, mas, em março do ano seguinte, informou que diante da crise financeira, o governo fluminense havia suspendido a instalação.
“A gente tem que repensar esta forma de enfrentamento na questão das drogas e das armas. A ocupação faz refletir em uma política de segurança pública para o Rio", avalia a diretora.
Violação de direitos
Questionados se sofreram alguma violação de direitos por parte de policiais durante a ocupação, 22% dos entrevistados responderam que sim, sendo que 57,2% desses informaram que as violações ocorreram duas ou mais vezes. Mais de 60% dos agredidos declararam ter sofrido a violação em abordagem policial ou por invasão de domicílio.
Na visão da coordenadora, ao revistar residências, os militares do Exército repetiram práticas já usadas em operações policiais na Maré. De acordo com o estudo, dos 47 mil domicílios da favela, cerca de 4 mil podem ter sido revistados pelo Exército e, em muitos casos, sem o consentimento do morador.
A pesquisa diz que, sem a postura preventiva dos agentes de segurança pública, “o saldo destas incursões foi um número expressivo de mortos e feridos e violações de direitos dos moradores, além do fechamento de escolas, creches, clínicas da família, comércio e outras atividades que impactam direta e negativamente a rotina de quem vive no território.”
Em resposta à Agência Brasil, o Comando Militar do Leste (CML), informou que os procedimentos adotados para a abordagem e revista de pessoal por parte de militares que integraram a Força de Pacificação Maré “foram pautadas pelos princípios da legalidade, proporcionalidade e uso gradual da força, respeitando as regras de engajamento previstas para a Operação, com a finalidade de preservar a integridade física do cidadão e da tropa. Da mesma forma, com relação às revistas em domicílios, respaldou-se nos incisos XI e XXV do Artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.
Ações sociais
O estudo mostra que houve tentativas, por parte do Exército, de aproximação com a comunidade, como a distribuição de lanches para crianças. Mas ponderou que 98,5% dos entrevistados dizem jamais ter pedido qualquer tipo de auxílio aos militares.
O CML afirmou que em parceria com órgãos governamentais, entre eles, a Justiça Itinerante, foram feitas ações como casamentos, registros, emissão de documentos, além da regularização do recolhimento de lixo, a retirada de centenas de carcaças de veículos de locais públicos e desobstrução de ruas. Essas ações permitiram a circulação dentro do Complexo da Maré e o funcionamento de escolas. O CML completou que a Força de Pacificação fez aproximadamente 13 mil atendimentos.
Na visão do comando, após 14 meses da ocupação, as Forças Armadas, em atuação conjunta com o Poder Público, deixaram "um legado de desarticulação de facções criminosas e alavancamento das condições de cidadania para uma população composta por 140 mil pessoas”.
Segundo o comunicado, durante a operação a taxa anual de homicídios na área caiu de 21,29 para 5,33 mortes por 100 mil habitantes. Conforme dados da Chefia de Operações Conjuntas do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (ECMFA), do Ministério da Defesa, as tropas federais prenderam 553 adultos e apreenderam 254 menores de idade naquele período.
Para Eliana Sousa, as políticas públicas de segurança pública precisam reconhecer "os moradores de favelas como sujeitos de direitos dessa política, o que não acontece".