Cidades

Moradora de VG relata que sofreu violência sexual durante 17 anos no casamento

Foram 17 anos vivendo um relacionamento extremamente agressivo. Marido e mulher se ofendiam, se machucavam e ele a estuprava. A pedagoga Simone Santana*, 45 anos, conseguiu sair desse relacionamento abusivo há três anos, e faz parte do incontável número de vítimas que não denunciam seus agressores sexuais.

Em 2018, foram registrados em Mato Grosso 236 ocorrências de estupro, 185 de assédio sexual, 46 de estupro de vulnerável, entre outros casos que envolveram mulheres de 18 a 59 anos, conforme os dados informados pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp/MT). Todavia, levantamentos apontam que esses números são mínimos diante dos casos que não são denunciados.

Simone mora em Várzea Grande e conta ao Circuito Mato Grosso que um ano após conhecer Ricardo Freitas* eles decidiram morar juntos. Foram 17 anos de tormento e ela não se recorda sobre quando tudo começou, mas ambos se agrediam e se ofendiam, inclusive diante do filho de Simone, fruto de seu primeiro casamento.

“Ele me batia e eu também batia nele. Ele me machucava e eu também o machucava. Era terrível. E as maiores brigas eram por causa de sexo. Foram dias de muito terror”, relata Simone.

A pedagoga conta que ainda não sabe explicar o motivo de ter vivido tantos anos aquela vida, e diz que havia uma dependência emocional. Como certa vez em que ele se recusou a tomar banho com ela, algo que era normal entre o casal, e Simone se sentiu mal e também não foi tomar banho. “Isso não é normal, é uma doença”, conclui.

Simone compartilha que as violências sexuais eram constantes e a machucava. Uma vez em que pediu para que Ricardo ficasse em casa, mas ele queria ir a um jogo. Começaram, então, a brigar e a se agredir mais uma vez, até que o marido a jogou no chão, a arrastou até a cama e ela o chutou. Enquanto escorregava e caia no chão, Ricado a pegou novamente e a arrastou até a cozinha. Ela conseguiu correr, mas em vão. Ele a alcançou, a arrastou novamente até a cama, arrancou seu vestido e cometeu o crime.

Imagem ilustrativa

Sem consentimento, sem preparo do corpo e do emocional, diversas vezes ela foi machucada e sangrava. Ricardo a levava ao hospital, mas Simone também sentia vergonha e não conseguia entrar na sala dos médicos.  Muitas vezes o ficava esperando no carro, com sangramento, enquanto ele ia a farmácias atrás de algum remédio.

“As mulheres não falam que o marido também faz isso. Dentro de casa você também tem violência sexual. Porque eu não tive coragem de falar? Eu também me faço essa pergunta, mas não sei o que acontecia”, relata a mulher, acrescentando ainda que seu filho presenciou muitas coisas, mas que o resto de sua família não sabe até hoje o que aconteceu em sua vida durante todo aquele período.

Passaram-se três anos desde que foi agredida fisicamente, mais uma vez, e decidiu acabar com aquilo. Foi até uma delegacia em Várzea Grande, e com dificuldades, como a falta de sistema para registro de boletim de ocorrência, não desistiu da denuncia.

“Foi o medo de morrer, medo de não conhecer as coisas. Eu quero ver o meu filho casar, quero conhecer meu neto… A vida é muito mais do que isso! Eu acabei com aquilo pelo amor ao meu filho, pela minha vida”.

Simone Santana afirma que a vítima muitas vezes não se da conta de que há um relacionamento abusivo, de que aquilo está a prejudicando. Relata que ter as lembranças ruins são essenciais para não cometer os mesmos erros e para que seja possível projetar um futuro melhor. “É uma ferida que nunca fecha, cicatriza, mas deixa muitas marcas. Quando você sai disso você pensa ‘O que vou fazer agora? O que vai ser agora? O que vou fazer? Como vou conseguir viver? ’ E por incrível que pareça, você vive, você pode ser feliz”.

Luta por melhorias

Vinculado a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso (Sejudh/MT) existe o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM/MT). Glaucia Amaral, presidente da entidade e procuradora do Estado, explica que a intenção é levar a sociedade civil a participar da administração pública.

“O Conselho é constituído por servidores de órgãos públicos e por representantes da sociedade civil que atuam no tema. A nossa função aqui é consultiva, o Conselho sugere, fiscaliza e contribui para a construção de políticas públicas no âmbito da nossa atuação”.

Foto por: Alair Ribeiro/MidiaNews

Com um plano de políticas públicas, o CEDM fomenta discussões, realiza palestras, parcerias e incentiva que as prefeituras do estado formem Conselhos Municipais. São ações que instalam redes de amparo e proteção às mulheres vítimas de violência.

Apesar de não ser função do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, a entidade é procurada pelas vítimas e são orientadas em questões jurídicas e atendimentos de assistência social.

“A primeira grande dificuldade da vítima, é pessoal. Nós sabemos que a maioria dos crimes sexuais acontece dentro de casa, com pessoas conhecidas, muitas vezes o próprio companheiro ou um parente. A primeira barreira da vítima é a vergonha, o trauma psicológico. A sociedade, infelizmente, ainda analisa a vítima em primeiro lugar”, conta Glaucia.

Ela aponta que a sociedade ainda não encara a violência sexual com a devida gravidade, e a vítima ser julgada em primeiro lugar também ocorre em crimes contra crianças. “Quando falam que a criança sofreu um abuso, as pessoas questionam onde estava a mãe ou o pai, é algo cultural, mas a culpa é do abusador”.

A presidente da CEDM diz que a vítima precisa de ações urgentes para registro de boletim de ocorrência, realização do corpo de delito e outros atendimentos que podem evitar doenças e gravidez, mas nem sempre a mulher que sofreu a agressão está preparada psicologicamente para receber esse apoio de urgência.

Segundo Glaucia, um dos trabalhos que o Conselho mais se dedica é a melhoria no atendimento da Delegacia da Mulher. A luta é para que a sedes sejam adequadas, o plantão seja 24 horas e que se tenha um atendimento humanizado.

“Muitas vezes ela vai falar sobre o pai do filho dela, da pessoa que ela ainda ama e é muito complicado o registro desse crime. Muitas vezes existe uma dependência econômica ou emocional”.

Glaucia relembra um caso em que a filha viu a mãe ter um dos seis rasgados por tanto apanhar do marido. Quando a vítima conseguiu escapar e fugir de casa o homem gritou que se ela não voltasse ele iria agredir os filhos. Ela voltou.

Outro caso é de uma mulher que era estuprada todas as noites pelo marido e quando amanhecia o dia deveria servir o café da manhã com um sorriso no rosto. A situação se estendeu até o momento em que seus filhos já tinham a idade de frequentar a escola e ela conquistar um emprego, e assim saiu daquela relação.

O Conselho ressalta a importância de capacitação profissional às mulheres, além da luta por mais creches. Com os filhos tendo onde ficar e estudar, as mulheres criam autonomia, recebem seus salários e podem conseguir sair dos relacionamentos abusivos.

O que diz a lei

A Lei do Minuto Seguinte serve para qualquer vítima de violência sexual e declara que os hospitais devem oferecer atendimento emergencial, integral e multidisciplinar as vítimas.

Após o atendimento, medicamento e realização do corpo de delito, a vítima está amparada legalmente para procurar uma delegacia e prestar queixa. O hospital não precisa de um boletim de ocorrência para realizar o atendimento.

Em Cuiabá e Várzea Grande o Hospital Universitário Júlio Müller é o referencia para esses atendimentos.

Já a lei Maria da Penha foi sancionada em agosto de 2006 e coíbe e previne a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei tem esse nome em homenagem a mulher que lutou para ver o seu agressor condenado. Além disso, ela i serve para todas que se identificam com o sexo feminino, ou seja, heterossexuais, homossexuais e as transexuais.

Se encaixa na lei: a violência física: empurrar, chutar, amarrar, bater e violentar;

violência psicológica: humilhar, insultar, isolar, perseguir, ameaçar;

violência moral: caluniar, injuriar, difamar;

violência sexual: pressionar a fazer sexo (mesmo dentro do casamento), exigir práticas que você não gosta, negar o direito de uso de qualquer contraceptivo;

violência patrimonial: reter o seu dinheiro, destruir ou ocultar seus bens objetos, não te deixar trabalhar.

Disque denúncia: 180 – Central de Atendimento à mulher

190 para acionar a Polícia Militar

Delegacias da Mulher

As Delegacias da Mulher estão instaladas nas cidades de Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres, Rondonópolis, Barra do Garças, Tangará da Serra e Sinop.  

Cuiabá
Delegacia Especializada de Defesa da Mulher

Endereço: Rua Joaquim Murtinho, nº 789, Centro Sul. Cep: 78020-290.

Tel.: Recepção 3901-4277 / Cartório Central 3901-5344 / Núcleo do Idoso: 3901-5327

Várzea Grande

Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, da Criança e do Idoso
Rua  Almirante Barroso, 298, Centro Sul, Várzea Grande-MT (proximidades do terminal de ônibus André Maggi e da Defensoria Pública).
Fone: (65) 3685-1236 / 3685-2838 / 3685-8197 

Barra do Garças
Delegacia Especializada de Defesa da Mulher
Rua: Carajás, nº 1156, Centro, Barra do Garças
CEP: 78.600.000 – Fone Fax: (66) 3401 – 1388 

Cáceres

Delegacia Especializada de Defesa da Mulher
Av. Getulio Vargas nº 90 Centro – localizado no antigo Hotel Capri – Cáceres / MT – CEP 78.200-000 –

Fone Fax: (65) 3223-5257/0348/ 3224- 1160

Rondonópolis

Delegacia Especializada de Defesa da Mulher

Rua Armando Farjado, 372, bairro Vila Aurora, – Rondonópolis / MT

CEP 787.040-036 – Fone: (66) 3423-1133/ 3423-1754

Sinop

Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso – DEDMCI
Rua: Rua das Caviúnas, 1956, Setor comercial,  Centro,  Sinop / MT
CEP 78.550-000 – Fone: (66) 3531 3544/ 3531 0120 

Tangará da Serra

Delegacia Especializada de Defesa da Mulher
Avenida Brasil esquina com Avenida Vinte e Oito, nº. 62E, Centro

Telefone: (65) 3325-3413 – Tangará da Serra 

As Delegacias da Mulher estão instaladas nas cidades de Cuiabá, Várzea Grande,
Cáceres, Rondonópolis, Barra do Garças, Tangará da Serra e Sinop.  

 

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