Associações de juízes e procuradores ouvidas pelo G1 consideraram inadequado o atual momento para aprovar uma proposta, defendida no mês passado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende mudar a forma de punir juízes no país, acabando, por exemplo, com a chamada "aposentadoria compulsória".
No final de outubro, Renan informou que iria pedir ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para agilizar a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), aprovada em 2013 no Senado, que acaba com a aposentadoria como punição a magistrados que cometeram irregularidades no exercício da função.
Renan deu a declaração em meio à polêmica da prisão de quatro policiais legislativos do Senado, entre os quais o diretor do departamento. Na ocasião, o senador do PMDB chegou a chamar o magistrado do Distrito Federal que autorizou as prisões de "juizeco de primeira instância".
Atualmente, a aposentadoria compulsória é a maior punição para magistrados no âmbito administrativo, isto é, aplicada por órgãos internos dos tribunais ou pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário. Assim, caso cometa uma infração grave no cargo, o juiz é obrigado a deixar a atividade, mas continua recebendo o salário enquanto estiver vivo.
Pelas regras atuais, a perda do cargo – com demissão e corte imediato no salário – só pode ocorrer por decisão judicial num processo separado, em que o juiz tem mais possibilidades de se defender, inclusive com recursos nas várias instâncias judiciais. Outra hipótese para a demissão é a condenação em um processo criminal.
O texto defendido por Renan Calheiros, além de acabar com a aposentadoria como punição máxima, estabelece prazos mais rápidos para a Justiça analisar a perda do cargo quando os órgãos administrativos recomendarem a demissão.
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz João Ricardo dos Santos Costa avalia que não há "sentimento nobre" ou "valor republicano" na iniciativa do presidente do Senado.
Na visão do dirigente da AMB, Renan, que é alvo de 12 inquéritos na Lava Jato, quer desestabilizar o Judiciário no momento em que está para ser homologada a delação premiada de dezenas de executivos do Grupo Odebrecht.
"O momento é muito inadequado. Visivelmente, o sentimento que se tem é que o Congresso ou algumas lideranças estão mobilizados para inviabilizar e desestabilizar o Poder Judiciário. É um momento de gravidade, estamos na iminência de mais uma delação premiada que vai envolver políticos. Estamos observando que a classe política está se mexendo para abafar, num momento em que precisamos de força institucional para virar essa página da corrupção", ressaltou Santos Costa.
O temor da AMB é que avance na Câmara outra PEC semelhante – que tramita em conjunto com a defendida por Renan –, que permite a demissão de juízes diretamente pelos tribunais em que atuam ou pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário.
Na avaliação do presidente da entidade dos juízes, a mudança fragilizaria os magistrados. "Não pode perder o cargo de forma administrativa porque ficaria muito vulnerável a pressões. Existem muitos casos no Brasil em que juízes que estão tomando decisões que envolvem interesses de pessoas poderosas acabam sofrendo perseguição muitas vezes no próprio tribunal ou muitas vezes da classe política, como forma de demovê-lo", enfatizou.
'Momento inadequado'
Responsável por todos os processos disciplinares que tramitam no CNJ, última instância administrativa do Judiciário, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, também vê o momento como inadequado para discutir o endurecimento das punições a magistrados.
Embora Noronha concorde em dar mais celeridade aos processos judiciais de perda do cargo, ele considera que, no âmbito administrativo, não é recomendável permitir a demissão imediata do juiz pelos órgãos disciplinares.
"Nós ainda não temos certeza, não temos juízo de culpabilidade. Você não pode cortar salário com uma pena antecipada no cidadão", justifica o corregedor nacional.
O ministro, por outro lado, também concorda que o momento não é correto para mexer nas forma de punir os juízes.
"Nesse momento, de calor que estamos, de combate à corrupção, com todo envolvimento de políticos na Lava Jato, todo mundo que está decidindo isso está envolvido de certa forma nesse processo. Então, se começa a fazer uma reforma não porque estruturalmente é boa para o país, mas por um acerto de contas. Merecia um debate muito mais amplo e um momento muito mais adequado, num período de normalidade", ponderou Noronha.
MP também critica
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, disse ser favorável a acelerar os processos de perda do cargo na Justiça, mas também é contrário à possibilidade de demissão nos próprios tribunais ou no CNJ. O procurador, porém, também considera o momento errado para a aprovação do projeto.
"Não há como tapar o sol com a peneira e dizer que isso não é um cenário de retaliar ainda que com projetos que sejam bem intencionados. São matérias, que sob aparência, numa análise superficial, de serem positivas, escondem na verdade intenção de represália, de tentar constranger órgãos de estado em matérias que absolutamente não nos constrangem", disse.
Relatora na Câmara das PEC que acelera as demissões na Justiça – defendida por Renan – e da permite a demissão pelos próprios tribunais –, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) apresentou no final de outubro um parecer em favor do arquivamento das propostas.
Na avaliação da parlamentar do PTB, as mudanças que estão sendo propostas na legislação para endurerer as punições de magistrados deveriam ser propostas ao Congresso pelo próprio Judiciário.
"Estamos vivendo momento de tamanha invasão de poder pelo outro. Se for gerada no Judiciário e for mandada para nós, sou favorável", disse Cristiane Brasil, acrescentando que não vê chance de as duas propostas serem aprovadas na Câmara neste momento.
A PEC defendida por Renan já foi aprovada pelo Senado em 2013 e atualmente aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Não há previsão de quando o texto será votado pelos integrantes do colegiado responsável por analisar a constitucionalidade das matérias discutidas na casa legislativa.
Se aprovada na CCJ, a PEC ainda precisará ser apreciada, em dois turnos, no plenário da Câmara com os votos de, pelo menos, três quintos, dos parlamentares das duas casas (308 dos 513 deputados).
Fonte: G1