Há mais do que especiarias e proteínas em um prato. As receitas tradicionais de um destino traduzem também os hábitos, a cultura e a história de um lugar. Com isso em mente, o Paladar viajou à Turquia para desbravar os sabores de Istambul, da comida de rua aos restaurantes laureados com estrelas Michelin – são sete na capital do país.
Nada mal começar o roteiro gastronômico por Istambul no 18.º andar do hotel Marmara Pera. A cobertura do edifício é ocupada pelo Mikla, que, aliás, tem uma estrela Michelin. Ali, o atrativo – além da gastronomia, claro – é a vista de 360º, que permite localizar pontos turísticos como a Torre de Gálata, a Hagia Sophia e a Mesquita Azul.
De volta à gastronomia, o Mikla oferece o que chama de “nova cozinha da Anatólia”, e dá luz aos ingredientes e produtores locais. Não espere encontrar receitas clássicas. Ali, a tradição culinária ganha preparos modernos e minimalistas.
O menu-degustação (há opção vegana), com sete etapas, muda a cada estação e custa cerca de R$ 1.100 mais o serviço de 12%. Mas há chances de encontrar, por exemplo, a lula tostada com molho tarator (receita clássica à base de tahine), o peito de pato defumado com geleia de pimenta e vinho tinto, avelãs torradas e molho adocicado de ameixa e o lombo braseado com sumac, servido com vegetais locais, e o fresquíssimo sorvete de iogurte (feito na casa com leite de búfala) e excêntrico molho à base de raki e cardamomo. A harmonização, com seis rótulos de vinho, custa a partir de R$ 565.
Outra opção para conhecer Istambul do alto é a Galata Tower (ou Torre de Gálata), que, com seus quase 67 metros de altura, pode ser vista de todos os cantos da capital. A construção medieval, que já serviu como torre de vigilância e até prisão, é, hoje, um museu com artigos do império otomano.
De lá, vale caminhar até a Istiklal Caddesi (Avenida da Independência), uma das vias mais famosas de Istambul, por onde circulam apenas pedestres (muitos pedestres!) e um charmoso bondinho elétrico. Lojas de grandes marcas internacionais dividem espaço com o comércio local, com destaque para as docerias, como a Haci Bekir, uma das mais antigas de Istambul, aberta em 1777 e cujo comando vem passando de pai para filho há três gerações. As vitrines exigem um sem-fim de doces de comer com os olhos. Entre baklavas e as gelatinosas turkish delights, não deixe passar a versão que vem recheada com uma espécie de manteiga.
Na mesma Istiklal Caddesi, pare no Merdo para provar os populares midy, saborosos mexilhões recheados de arroz. Ali perto da Avenida da Independência, a Nevizade Sk., por onde também passam apenas pedestres, transformou-se num corredor de restaurantes e bares, que em dias de jogos do Galatasaray viram ponto de encontro da torcida. Nessas ocasiões, vale se infiltrar no mar de gente vestida de vermelho e amarelo e vivenciar o clima animado da via.
A pé
Bater perna, por sinal, é um programa (literalmente) delicioso em Istambul. Você pode começar o dia de andança no Olden 1772, restaurante instalado no edifício Muhsinzâde Inn, que, hoje, mais de 250 anos após a sua construção – e após ter sido completamente restaurado – abriga o hotel Han 1772.
A casa promete comida autêntica da Anatólia. Boa ideia é experimentar o caprichado menu fechado de café da manhã turco, que traz uma porção de pratinhos que abarrotam a mesa. Entre as pedidas, além da cesta de pães, que inclui o clássico simit (rosca com casquinha adocicada e coberta com gergelim, encontrado em centenas de carrinhos ambulantes), há ovos fritos com basturmã, ovos mexidos com tomate e pimentão, queijos artesanais e locais, presunto, rosbife, peixe frito com batatas, iogurte com mel, geleias, pasta artesanal de chocolate com avelãs, salada de pepino e pimentões, azeitonas, frutas, suco, café e chá. Vá com fome!
De volta às ruas, uma parada deu conta de nos mostrar como é feito o café turco. Preparado numa jarrinha, aquecida em areia, o pó, finíssimo, é misturado em água. Assim que levanta fervura, a mistura vai parar direto na xícara, sem coar (daí a borra no fundo, usada para ler o futuro), resultando numa bebida encorpada, que fica entre um café coado e um expresso.
Alguns quarteirões à frente, dois sorveteiros faziam malabarismo com a massa de sorvete, enquanto gritavam “ice creaaam!” com sotaque arrastado, para chamar a atenção de turistas. O icônico sorvete das ruas de Istambul lembra o nosso de massa industrializado, mas com textura elástica pelo uso de um pozinho extraído da orquídea. O sabor é bastante artificial, mas vale pelo show.
Seguindo a caminhada, o Spice Bazzar (bazar de especiarias ou Bazar Egípcio) convida quem gosta de cozinhar a uma parada. Há um sem-fim de especiarias, muitas conhecidas e algumas provavelmente não – pergunte aos vendedores para que servem -, frutas secas, oleaginosas e doces, ah, os doces turcos! Prove os lokum, de consistência macia e puxa-puxa, que aparece em diferentes sabores: rosas, pistache, nozes, romã
Clássicos
Quem busca experimentar uma autêntica refeição turca pode incluir no roteiro uma visita ao Galeyan, na região da Cidade Velha, próximo à Hagia Sophia e à Mesquita Azul, numa via que é um verdadeiro corredor gastronômico.
A casa trabalha com opções à la carte, mas a graça é pedir uma das versões de menu-degustação (R$ 230, em média) e mergulhar numa sequência. Não se empolgue demais com as mezzes,
Menu nas alturas Na classe executiva da Turkish Airlines, o menu convida a entrar no clima do destino com mezzes, pastinhas e outras delícias tradicionais
que são suficientes para nos deixar satisfeitos – afinal, os pratos principais e as sobremesas também valem cada garfada.
Se optar pelo serviço à la carte, não deixe passar o homus, que chega à mesa incrementado com salada de rúcula e romã, e o cordeiro preparado por longas horas, resultando numa carne macia, tenra e cheia de sabor, servida com arroz.
Entre as sobremesas, destaque para a sweet mud from heaven (ou pedacinho do céu, em tradução livre), uma pasta crocante e açucarada de pistache, servida com creme de leite batido, e para a baklava de maçã e melaço de uva.
Passado e futuro
Instalado num prédio histórico – na antiga sede do Banco Otomano, que também abriga, hoje, um centro cultural -, o restaurante Neolokal faz a ponte entre o passado e o futuro ao reinventar os sabores de outrora com ideias e técnicas culinárias contemporâneas. Sob a batuta do chef Maksut Akar, a casa ostenta títulos nas principais premiações do setor, como a cobiçada estrela Michelin e as três facas no The Best Chefs Awards.
A cozinha (e a adega) foca os ingredientes locais, adquiridos de pequenos produtores das redondezas. O menu-degustação (há opção vegetariana) muda de acordo com a estação. Na nossa visita, a sequência tinha oito etapas.
Chances de aparecer pratos como o cordeiro, que ganha versão moderna, cozida lentamente e servida com um piyaz (salada de feijão) reconstruído. A pedida é também composta por almôndega, feita com o rabo do cordeiro, e por tartelette crocante (feita com a barriga), aproveitando outras partes do animal. Não é à toa que o Neolokal também é reconhecido por sua sustentabilidade no Guia Michelin.
E os contrastes entre o novo e o velho podem aparecer até na hora da sobremesa. Uma baklava com creme de avelãs, chocolate branco e creme de limão foi servida com sorvete de sálvia. Apesar da combinação inusitada de sabores e da apresentação supermoderna, foi posta à mesa, olhe só, sobre toalhinha de crochê com cara de vó.


