Opinião

MIRANTINHO

Lembro como hoje. Parávamos nosso carro na Perimetral, em frente a uma pedra. Na época, o limite era o CTG. Era tudo cercado de mato, porteiras. Uma vista literalmente bucólica. Ali começava a zona rural. E todo sábado era a mesma coisa. Saíamos do Ópera, e na falta de uma after e de dinheiro, ficávamos horas a fio ali, naquela pedra, contando os prédios que iam proliferando pela cidade. Era o antigo Mirantinho. Hoje volto à mesma pedra. Só que numa situação diferente.

– Abaixa aí, João, senão vão ver a gente.
 
Tínhamos acabado de chegar ali. O lugar é cercado de barracos, rua por todos os lados. Na realidade não tem mais pasto, não tem mais bucolismo, não tem mais pedra. A Perimetral se transformou em Miguel Sutil, e é, de longe, a mais movimentada rua da capital. O que antes era ufanismo hoje é a via de acesso rápido de uma cidade que não para de crescer. E com o crescimento, vem junto o seu preço.
 
– O cara veio pra cá. Tenho certeza.

Fazia tempo que esperava por esse dia. Desde que entrei pro Gaeco é assim. Horas e horas de espreita. Nunca poderia esperar que logo ele sairia assim: de roupão, com uma 12 cano cerrado numa mão e uma 765 na outra. Imagina. O cara já foi governador. Tinha que ter o mínimo de respeito por si mesmo.

Pá, pá, pá.

Três tiros interrompem meus pensamentos. Meu parceiro caiu ao meu lado como um saco de batatas sem escoro. Não consigo ver mais nada. Meu peito arde. Começa a sair sangue. Ouço passos correndo na mata. 

E o cara já foi governador. 

Vou ficando cansado. Apenas fechei os olhos, e escutei um estalado profundo.

João Manteufel Jr.

About Author

Mais conhecido como João Gordo, ele é um dos publicitários mais premiados de Cuiabá e escreve semanalmente a coluna Caldo Cultural no Circuito Mato Grosso.

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