Em casos nos quais não se revelam ofensividade penal na conduta do agente e impacto social e jurídico de efeitos por ela produzidos, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a incidência do princípio da insignificância.
Assim entendeu a ministra Cármen Lúcia, do STF, ao determinar, de ofício, o trancamento de uma ação penal contra um homem acusado por furto qualificado de duas garrafas de uísque, avaliadas em R$ 100, do supermercardo onde trabalhava.
O réu chegou a ser preso preventivamente, mas hoje responde em liberdade. Segundo a denúncia, ele aproveitou a condição de funcionário do estabalecimento para furtar as duas garrafas. A defesa, feita pelo advogado Bruno Schettini, acionou o STF alegando ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal.
De acordo com a defesa, estavam preenchidos todos os requisitos necessários para a aplicação do princípio da insignificância, como a mínima ofensividade, o reduzido grau de reprovabilidade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Para a ministra Cármen Lúcia, a conduta do paciente, embora se amolde à tipicidade formal, carece de tipicidade material, "consistente na relevância penal da ação antijurídica e do resultado típico, a conduzir à insignificância da lesão produzida no bem jurídico tutelado". Assim, ela aplicou ao caso o princípio da insignificância.
"Embora se tenha, necessariamente, de considerar, em cada caso, a gravidade da conduta e as consequências para a coletividade, é de se anotar terem sido atendidos, na espécie, os requisitos para o afastamento da tipicidade formal, como afirmado pelo impetrante"
A ministra ressaltou a mínima ofensividade da conduta do réu e a ausência de periculosidade social decorrentes do furto de duas garrafas de uísque: "Demonstrou-se que os bens, de pequeno valor, sequer permaneceram na posse do paciente, tendo sido restituídos à vítima".
Além disso, Cármen destacou que o réu não tem antecedentes criminais. Para ela, a soma de todas essas circunstâncias "autoriza o reenquadramento jurídico da situação posta, considerando o caráter fragmentário do Direito Penal e, especialmente, a mínima lesividade da conduta praticada pelo agente".
Conforme a ministra, não houve dano efetivo ou potencial ao patrimônio da vítima, no caso, o supermercado, o que permite o reconhecimento da atipicidade material da conduta, pela ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal.
"Considerando as circunstâncias do caso, é de se reconhecer a insignificância dos efeitos antijurídicos do ato tido por delituoso, afigurando-se desproporcional a imposição de sanção penal nos termos em que se deu", concluiu a relatora.