Na última semana, o senador Blairo Maggi (PR) recebeu uma avalanche de críticas por conta de uma proposta de sua autoria que está em trâmite no Senado Federal e que pretende colocar algumas regras e normas nos inquéritos civis conduzidos por promotores de Justiça nas áreas de infância e juventude, meio ambiente e, principalmente, improbidade administrativa.
O Projeto de Lei do Senado 233/2015 pretende restringir o tempo de duração dos inquéritos, garantir sigilo na divulgação das investigações, obrigação de comunicação formal dos investigados e até responsabilização de promotores em caso de ações julgadas improcedentes.
O Programa Fántástico, da Rede Globo, mostrou a proposta de Blairo como uma das manobras que estão em trâmite no Congresso Nacional para beneficiar políticos que estão sendo investigados em casos de corrupção e improbidade administrativa. Também foram citadas propostas que querem mudar a lógica da delação premiada e até a derrubada da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou o cumprimento da pena já após confirmação em segunda instância da sentença condenatória de primeiro grau.
Foi a partir dessa decisão que várias prisões foram realizadas pelo País. Em Mato Grosso, foi o caso do desembargador afastado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Evandro Stábile, condenado pelo STJ a seis anos de prisão por corrupção passiva. Ele foi acusado de vender uma decisão que manteve no cargo uma prefeita do interior do Estado enquanto era presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
A proposta de Blairo já passou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e já deve ser encaminhada ao plenário nas próximas semanas.
Nos bastidores jurídicos, o projeto já é chamado de “Nova PEC 37″, em alusão à proposta rejeitada pelo Congresso Nacional após pressão popular em 2014 que previa restrição aos poderes de investigações criminais por parte do Ministério Público. Desta vez, a proposta de Maggi vem tentar limitar a atuação no âmbito do inquérito civil.
O promotor Roberto Aparecido Turin, do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa do Ministério Público Estadual de Mato Grosso, foi um dos primeiros a se levantar contra as mudanças.
Responsável por diversas proposituras de ações civis públicas contra agentes públicos e empresas que prestam serviço a órgãos públicos, Turin classificou as mudanças como um retrocesso na atuação contra a improbidade administrativa.
“Da análise das alterações propostas vê-se claramente que o objetivo é limitar o tempo de tramitação e a publicidade, bem como dar aos investigados a oportunidade do contraditório amplo ainda na fase do inquérito civil. Tais propósitos se mostram claramente contrários ao bom desempenho das funções do Ministério Público e contrariam também o interesse público e as disposições legais acerca do assunto”, explicou o promotor.
Só em 2015, o MPE instaurou, ao todo, 3.686 inquéritos civis em todo o Estado, para apurar denúncias nas áreas do Patrimônio Público, Meio Ambiente, Cidadania e Infância e Juventude.
O procurador-geral de Justiça, Paulo Prado, também endossou as críticas de Turin e afirmou que o Senado não se preocupou em discutir o assunto com as entidades do MP que conduzem os inquéritos.
“Esse projeto de lei é um retrocesso. De forma disfarçada, estão pretendendo dificultar o pleno exercício da cidadania, da democracia e do efetivo combate à corrupção. A proposta não foi amplamente debatida com a sociedade civil organizada e, apesar de influenciar diretamente na atuação do Ministério Público, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) não foi convidado pelo Parlamento a participar das discussões. As sugestões apresentadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) também não foram acatadas”, destacou Prado.
Segundo ele, dos 3.686 inquéritos civis instaurados no ano passado, já foram propostas 484 ações civis públicas e firmados 180 Termos de Ajustamento de Conduta. Até o momento, apenas 285 procedimentos foram arquivados.
“Esses números demonstram a eficiência do inquérito civil, que não se destina apenas à propositura de ações civis públicas, mas para a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta e expedição de notificações recomendatórias, garantindo agilidade na resolução de demandas nas áreas do patrimônio público, meio ambiente, cidadania e infância e juventude”, acrescentou.
A proposta prevê, ainda, a determinação ao membro do Ministério Público para que, ao instaurar o inquérito civil, notifique o investigado para que apresente esclarecimentos, por escrito, no prazo de 10 dias; e a necessidade de intimação da parte investigada para acompanhar as declarações e depoimentos.
Prado também argumentou que no inquérito não há necessidade de contraditório. Essa posição, inclusive, é pacífica no Supremo Tribunal Federal (STF). “Esse contraditório resultará em demora maior na conclusão das investigações, que muitas vezes será causada pelo próprio investigado, que poderá dificultar as intimações para acompanhar as diligências. Isso implicará frequentemente em extrapolações de prazos para conclusão das investigações e arquivamentos tácitos em prejuízo da sociedade”, alertou.
Ele explicou que o contraditório e a ampla defesa estão previstos na Constituição Federal apenas para a fase processual, e não na investigatória. “Não bastasse os atos procrastinatórios provocados pelos réus nos processos judiciais, que muitas vezes levam à prescrição, agora, caso esse projeto de lei seja aprovado, vão antecipar aos manobras de atrasos procedimentais já para a fase investigatória”.
Uma carta aberta assinada por promotores de Justiça da região de Cáceres que compõem um grupo de estudo do MP também repudiou a proposta de Blairo. O documento também foi assinado pelo presidente da Associação do Ministério Público de Mato Grosso.
O senador Blairo Maggi rechaça as críticas ao seu projeto. Ele alega que o objetivo é regulamentar o inquérito civil. “O objetivo é suprir a lacuna legal quanto a esse instrumento, que existe desde 1985. Uma das inovações é o estabelecimento de prazo para a conclusão do inquérito, de 12 meses, com a possibilidade de prorrogação por igual período”.
Ele, no entanto, admite que um dos objetivos da proposta é combater possíveis prejuízos a investigados. O senador apontou exposição abusiva e prejulgamento em muitos desses casos. Há três anos, Maggi foi alvo de ação civil pública pelo MP, acusado de ter tido responsabilidade na licitação fraudulenta para a compra de maquinários pesados ao governo de MT. No entanto, ele foi absolvido pela juíza Célia Vidotti, em primeira instância, e pelo Tribunal de Justiça.