O Profissão Repórter acompanha o movimento dos políticos no Congresso, para mudar a constituição brasileira. Parte dos deputados quer por o adolescente infrator na cadeia dos adultos.
Brasília
De um lado, estão os deputados que defendem a redução da maioridade penal. “Noventa e três por cento da população brasileira aguarda ansiosamente a redução da maioridade penal”, afirma José Augusto Rosa, deputado federal (PR-SP). Do outro, estudantes de Brasília e militantes que não querem mudanças na constituição. “Nós queremos debater a educação para a juventude e não a redução da maioridade penal. A redução não resolve o problema da violência em nosso país”, acredita Maria das Neves, do Conselho Nacional da Juventude.
Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição de Justiça vai discutir se reduzir a maioridade penal, para 16 anos ou menos, agride ou não a constituição brasileira.
No Congresso, o projeto que altera a constituição e diminui a maioridade penal ficou 20 anos engavetado. Agora os deputados prometem acelerar sua tramitação e realizar todas as votações ainda em 2015.
As informações mais recentes sobre o número de crimes cometidos por menores são do Ministério da Justiça. Em 2011, somente 1% dos crimes foi cometido por menores. Se considerarmos apenas homicídios e tentativas de homicídio, o índice cai para 0,5%.
No dia 31 de março, data da principal votação sobre maioridade penal no Congresso, a sala estava lotada de deputados, ativistas, assessores e jornalistas. Os deputados que são contra a redução tentam abrir um debate antes da votação. Alguns deputados fazem questão de expor o seu voto. Com 42 votos sim e 17 não, os deputados têm um prazo de 40 sessões para debater e criar o texto do projeto de emenda que pretende reduzir a maioridade penal no Brasil.
São Paulo
Para fazer a reportagem sobre os adolescentes infratores, a equipe do Profissão Repórter voltou a 2005. Naquele ano, a antiga Febem viveu uma crise, marcada por uma grande rebelião na maior unidade de São Paulo. Nos processos da época, estavam os nomes dos 338 envolvidos na rebelião e suas filiações. Com esses dados em mãos, os repórteres Guilherme Belarmino e Mayara Teixeira foram atrás desses jovens.
Consultando o banco de dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi possível saber que oito dos menores que participaram da rebelião na Febem foram assassinados pouco depois de saírem da instituição.
Uma das vítimas é William, de Piracicaba. Ele era dependente químico e foi assassinado aos 22 anos. A mãe do jovem também era viciada em drogas e já faleceu. O pai ficou 16 anos preso por tráfico e hoje está em liberdade. Thor-El Cassius mora em uma casa de dois cômodos, trabalha como porteiro e leva uma vida bem diferente. “Hoje eu vejo que fui um péssimo pai, um mau exemplo. Eu que influenciei meu filho a chegar no ponto em que ele chegou. Se fosse um pai melhor, jamais deixaria acontecer isso que aconteceu. Podia dar um outro exemplo para o meu filho”.
Dos 338 adolescentes que participaram da rebelião na Febem em 2005, 128 foram condenados por novos crimes depois de adultos e outros 24 respondem a novos processos.
As antigas unidades da Febem deram lugar à Fundação Casa. O Complexo do Tatuapé, hoje desativado, tinha 1800 adolescentes internos e um modelo equivocado de segurança. Hoje a Fundação Casa tem unidades menores. A de Osasco, por exemplo, abriga 64 internos. Em todas as unidades, os adolescentes têm aulas com professores da rede estadual de ensino.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que as unidades têm que ser unidades educacionais. A medida tem um cunho pedagógico, mas ela não deixa de ser uma sanção. O adolescente está privado de liberdade. A imensa maioria vem da classe pobre ou classe média bem baixa. A maioria deles vêm de famílias desestruturadas, não tem pai, não tem mãe ou não tem nenhum dos dois. A imensa maioria dos jovens que estão na Fundação casa não praticaram crimes envolvendo morte. Os crimes hediondos, que são homicídio qualificado, latrocínio, estupro e extorsão mediante sequestro não somam 3% da população da Fundação. Talvez fosse mais eficiente se a gente pensasse numa proposta de aumentar a possibilidade de tempo de internação para esses casos específicos. Eu, pessoalmente, sou totalmente contra a redução da maioridade penal. A maioria dos países punem jovens a partir de 18 anos, então o Brasil está junto da maioria dos países nesse sentido, e a gente precisa dizer também que o Brasil pune os adolescentes a partir dos 12 anos”, afirma Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa.
Em 10 anos, o número de reincidentes saídos da Fundação Casa passou de 29% para 15%. A presidente da fundação acredita que a mudança do atendimento, com unidades menores e presença maior da família são responsáveis pela queda do número de reincidentes.
Belo Horizonte
Em 2014, de todos os adolescentes apreendidos em belo Horizonte, 37% tinham envolvimento com o uso ou venda de drogas. “Nós precisamos resolver o problema do tráfico e não a redução (da maioridade penal). Não é ela que vai melhorar ou vai tirar o adolescente dessa prática de ato infracional”, diz Elisabeth Abreu, delegada.
Menos de 10 horas depois de ser apreendido em Belo Horizonte com drogas, arma e munição, o menor senta diante de um juiz, um promotor e um defensor público. O jovem tem 16 anos e já recebeu duas punições por envolvimento com droga. As audiências duram, no máximo, 20 minutos.
A Justiça funciona de segunda a segunda e uma única juíza atendeu 55 menores durante o feriado da Páscoa. “O que acontece quando a gente não responsabiliza imediatamente esse adolescente? A gente está contribuindo para esse mito da impunidade. ‘Olha, eu fiz uma coisa errada e não aconteceu nada’. Nós temos uma Justiça em Belo Horizonte que é imediata e o próprio adolescente passou a perceber isso”, garante Valéria Rodrigues, juíza.
“Os traficantes colocam esses menores pra vender droga. Se eles perdem a droga, eles têm que repor. Eles colocam um revolver na mão desses meninos aí, vai ter que assaltar, roubar, matar, ou senão continuar no tráfico. Aí sabe o que acontece com ele? Vai ser morto ou preso”, diz Ângela Fábero, promotora de Justiça.
Fonte: G1