Bombeiros procuram por vítimas de rompimento da barragem em Bento Rodrigues, em Mariana (Foto: Márcio Fernandes/Estadão Conteúdo)
Um relatório técnico do Ministério Público de Minas Gerais aponta como uma das prováveis causas do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, a ligação entre a estrutura e uma mina da Vale, também de minério de ferro. A barragem que se rompeu em 5 de novembro, em Mariana, na Região Central do estado, fica ao lado da Mina de Fábrica Nova.
O Jornal Nacional teve acesso com exclusividade ao documento com dados da investigação sobre a tragédia, que vitimou 19 pessoas. Dezessete mortes estão confirmadas e duas pessoas seguem desaparecidas. Para Carlos Eduardo Ferreira Pinto, “há responsabilização” da Vale no desastre em Mariana. A empresa, junto com a anglo-australiana BHP, é dona da Samarco.
Uma equipe técnica do Ministério Público analisou imagens de satélite da região e concluiu que a ligação entre a barragem e a mina pode ter contribuído para o desastre. A promotoria também indica falhas no licenciamento de Fundão e aponta como irregular a deposição de rejeitos da Vale na represa da barragem.
Imagens de satélite do complexo da Mina de Fábrica Nova mostram que pilhas de estéreis, como são chamados resíduos de mineração que não foram processados, praticamente encostam na barragem de rejeitos.
“Nós podemos afirmar já neste momento que fatalmente esta ligação é uma concausa relevante para o rompimento da barragem”, disse o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto.
Uma foto de maio de 2013 mostra que um imenso lago chegou a se formar dentro da área da Barragem de Fundão, ao lado dos diques de contenção. Segundo o Ministério Público, boa parte dessa água vinha de drenos das pilhas de estéreis da Vale. “A barragem, todos sabemos, ela deve evitar o acúmulo de águas, e uma das linhas de investigação é exatamente esse acúmulo de água, qual era a drenagem da barragem”, afirmou.
Durante a investigação, o Ministério Público requisitou à Samarco os relatórios de estabilidade da Barragem de Fundão. A análise dos documentos apontou outros problemas, todos ligados ao excesso de água, e que foram registrados a partir de 2013, ano em que este lago foi fotografado por satélite.
O gerente executivo de Planejamento Estratégico da Vale, Lúcio Cavalli, disse que a prova de que não houve contato entre a barragem e a pilha de estéreis é que a estrutura está intacta. "A prova efetivamente de que não houve qualquer contato ou qualquer formação de lago é que, após o incidente, a estrutura, desde sua base até o topo, a estrutura a pilha de estéril, ela está completamente intacta", disse o gerente.
Os documentos a que o Jornal Nacional teve acesso citam que foram verificadas várias surgências, que são brotamentos de água, em 2013, 2014 e 2015. Além disso, equipamentos que indicam o nível de água na barragem, chamados piezômetros, apresentaram níveis preocupantes. Um deles ficou em nível de emergência entre agosto de 2014 e julho deste ano. O Ministério Público investiga a relação disso com a drenagem da pilha de estéreis da Vale.
“Esse ponto traz uma ligação direta entre um empreendimento da Vale e sua ligação com a barragem. O ponto agora é em qual medida essa interferência com outras causas se acumulou para que houvesse esse rompimento”, questionou o promotor.
Cavalli disse que ainda não é possível identificar a causa do que ele chamou de "acidente". "É muito prematuro fazermos qualquer afirmação ou qualquer especulação a respeito de causas. Nós temos que dar o devido tempo aos técnicos, aos especialistas, para fazerem a avaliação e aí sim termos certeza das causas que efetivamente causaram este acidente", comentou o gerente executivo.
A Samarco também afirmou, em nota, que considera precipitado qualquer comentário sobre a investigação, e que está colaborando ativamente no processo.
A Barragem de Fundão se rompeu quando estava com 898 metros de altura. Segundo o Ministério Público, em 2005, a própria Samarco apresentou estudo com informações de interferência de uma estrutura na outra. "A partir de 880 metros, poderia haver interferência com o pé de uma pilha de estéril já implantada. E que, neste caso, a Samarco e a Vale poderiam decidir em conjunto a alternativa que deveria ser implantada para evitar a obstrução do sistema de drenagem de fundo dessa pilha", diz o documento.
Documentos da Vale, de 2009, também citaram a "área onde a pilha sofre interferência do reservatório da barragem da Samarco". “Essa interferência, elas são reconhecidas em ambos os estudos da Vale e da Samarco e não foram devidamente estudadas pra que pudesse
garantir que não haveria comprometimento dessas estruturas”, falou o promotor.
Uso da Barragem de Fundão pela Vale
Os técnicos também investigam uma outra suposta irregularidade. A Vale depositava rejeitos na Barragem de Fundão. O promotor afirma que no licenciamento da barragem, não havia autorização pra isso. A Vale e a Samarco informaram que tinham um contrato de 1989 prevendo esse acordo entre elas.
“Contrato privado não é licença ambiental. Pra você fazer uma deposição, utilizar e operar uma barragem de rejeito, você precisa de autorização dos órgãos ambientais e não de contratos entre particulares. Há uma responsabilidade da Vale na operação da pilha de estéril e na ligação com a barragem de rejeitos, bem como na disposição do seu rejeito na barragem de Fundão. Isso é, isso traz realmente uma consequência direta na responsabilização sobre o evento que aconteceu”, afirma o promotor.
Fonte: G1