O Sr. Gabriel , na presença dele, Gabriezão ou Véio, por detrás, era um português grandão que andava meio emborcado pra frente, com movimentos travados como se fosse um lutador de sumô aposentado com dores na coluna lombar.
No escritório da empresa que ele gerenciava trabalhávamos mais ou menos 10 pessoas de idades variadas, mas a maioria era de jovens na casa dos vinte anos. Eu era o mais novo e o mais impertinente. Vivia brincando com os colegas, botando apelidos, fazendo gozações que às vezes aborreciam as vítimas da ocasião, mas alegravam os demais.
Tinha um cearense bonachão de riso alto e fácil, sempre de bom humor que um dia “queimou na escorva” com minhas brincadeiras. Devo ter exagerado, porque a coisa esquentou: “te pego na saída” e “acha que eu tenho medo?” e outras fanfarronices e bravatas.
Ele ficou tão irritado que largou os papéis esparramados sobre a mesa de trabalho e bufando como um touro bravo saiu, enterrando ainda mais no ombro a enorme cabeça chata.
Quando o “Ceará” estava chegando ao portão da rua, distante mais ou menos 100 metros do escritório, vimos através dos vidros do escritório o encontro fatídico: nesse momento vinha chegando o Gabriezão no seu conhecido fusca vermelho. Estranhando a saída do funcionário no meio do expediente parou o carro para saber a razão.
Ficaram ali conversando por uns dois minutos até que o gerente convenceu o funcionário a voltar ou mandou que o fizesse, não soubemos porque víamos a cena pelas janelas, mas não escutávamos a conversa.
– Se ferrou “Minerinho”, disseram os companheiros quando o nosso colega voltava, andando apressado atrás do fusca do Véio.
– “Se fudi, mesmo” pensei comigo enquanto acelerava os dedos na máquina de escrever, fingindo-me concentrado no serviço.
Entraram o Gabriezão e o Nelson, que era o nome do colega, direto para a sala da gerência. Em seguida escutei a temida voz me chamando.
Sentei-me em uma cadeira ao lado do Cariri e o Gabriezão começou a conversa:
-Nersom – ele falava assim mesmo – o que é que tá acontecendo?
-Sr. Gabriel, não tem jeito de trabalhar com esse cara. Ele vive fazendo gozações, inventando brincadeiras pra mangar da gente. E o que é pior botando apelidos debochados em todos os funcionários. Agora ele não fala mais meu nome, me apelidou de Cariri e os colegas acham graça e só me chamam assim também.”
O Gabriezão ouvia tudo em silêncio.
-E você, Renato, fala o quê?
-É tudo verdade, o Cari…, quer dizer o Nelson tem toda razão.
-Dá pra parar de zombar dos colegas, daqui pra frente? – diz o gerente.
-Sim, claro, respondi aliviado.
-Então, voltem pro trabalho” disse o “Véio”.
Na saída do serviço no fim do dia o Nelson ia a uns 30 metros na nossa frente quando gritei:
“Espera nóis, Cariri”.
Ele parou secamente, virou a cara pra trás e falou quase rosnando “vou contar pro Gabriezão”. Em seguida mudou totalmente a expressão e soltou uma escandalosa risada: tinha se acostumado com o apelido e eu salvara o emprego pela segunda vez naquele dia.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor