Opinião

MESMO FILME NOUTRA PRAIA

Mesmo filme noutra praia

Escrever implica em pensar e era isso que não queria.

Não bastava o azul do céu refletido nos tons das águas que de espelhadas no início da semana se transformaram no mar agitado a frente?

A comilança das areias desaparecidas após inúteis protestos e pouca resistência em forma de pequenas falésias, barreiras frágeis para o avanço guloso dos mares?

Quase não havia mais praia naquele 

canto. Pedras inimagináveis se revelavam com a cavada sistemática do oceano em direção da orla.

O fenômeno se repete a cada ano alterando a paisagem do cartão postal carioca. De um lado é pedra, a do Arpoador. Depois vem o Atlântico. Do outro é montanha. Os Dois Irmãos e a Pedra da Gávea emolduram o contorno das praias de Ipanema e do Leblon. O Vidigal, lá na extremidade, observa o movimento do ponto de vista oposto.

O melhor fator agregado hoje ao cenário foram os surfistas e bodyborders. Sem ondas e com uma temperatura para lá de gelada da água translúcida, eles andavam apenas observando, sem sequer baixarem as pranchas para a areia.

Ali o espaço era exíguo. No mar, elas eram desnecessárias sem marolas e ondulações, só mesmo standup e no início da semana a procura era nenhuma.

Agora as ondulações encrespadas faziam a alegria dos esportistas. Todos com roupas de neoprene para a proteção contra a temperatura da água.

Se a situação da nesga de areia já era minguada na calmaria, se agravou com a subida das ondas. Abusadas e a caminho do pico mais alto da maré ultrapassavam as barreiras do desnível de areia, empurrando os banhistas em direção ao muro de pedra caso quisessem, – e muitos queriam – estender cangas, abrir cadeiras e guarda-sóis para amenizar o calor no fiapo de areia.

Estava criado um problema filosófico, tipo “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”

Acontece que não havia espaço os barraqueiros ocupantes da área e a possível e desejável clientela. O que adianta a oferta se não existe lugar para a procura dos itens de desejo: cadeiras, barracas, bebidas e petiscos? (não necessariamente nessa ordem). Como acomodar os banhistas turistas e locais?

Hoje só tem uma barraqueira, se equilibrando para não descer o barranco entre uma canga e outra, atendendo os poucos possíveis fregueses imprensados ente o paredão de pedra e o mar forte, puxando e gelado…

Um apito soa enérgico do alto da plataforma do Posto de Salvamento enquanto o salva-vidas gesticula acenando para um desavisado que se encaminha para a área onde estão as melhores ondas, sem reparar na boca da vala que o puxará em direção a mar aberto.

Nada que um dos surfistas bem intencionados e sempre solidários não possa resolver remando em direção ao afoito e escoltando o banhista para fora da zona de perigo. Após um alerta merecido, naturalmente.

Outro barulho intervém no resmungo impaciente e agressivo das ondas. Primeira dedução: acabou o horário de almoço da peonada. Mas que peonada?

Uma bateção de martelo e ferro chama a atenção. Vem da Praça, acesso à Praia do Diabo e à Pedra do Arpoador, onde não dá mais para ignorar a montagem de uma megaestrutura para um evento qualquer. A maior que já vi por aqui.

Lá se foi a beleza natural do Arpoador, o cartão postal,  nesse final de semana.

Engraçado…

Fica uma impressão de dévà vu. Aquela de já ter visto esse filme antes, só que numa outra praia.

Valéria del Cueto

About Author

Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Ponta do Leme”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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