Ahmad Jarrah
A briga entre médicos e a gestão Mauro Mendes está em juízo. Não há diálogo entre as partes e a mais prejudicada com tudo isso é a população que depende do serviço. A greve dos médicos da saúde pública foi declarada ilegal antes mesmo do seu início, e foi estipulada uma multa de R$ 50 mil para o Sindicato dos Médicos (Sindimed) para cada dia de paralisação.
No último dia 18, o desembargador Guiomar Teodoro Borges, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), aumentou a multa diária do Sindicato em R$20 mil. A multa passou a ser de R$ 70 mil por dia. Os médicos entraram em greve no dia 7 de março. Em cálculos estimados, até a data da publicação deste jornal, a multa gira em torno de R$ 970 mil.
Nesta segunda-feira (21) o Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindmed-MT) se reuniu em assembleia e, por unanimidade, decidiram por levar a greve adiante. Segundo a presidente do sindicato, Eliana Siqueira, os médicos estão com programações agendadas para pressionar a Prefeitura de Cuiabá e o poder judiciário.
“Nós queremos sentar com todos, fazer de fato uma força-tarefa para tirar a saúde do buraco. Chamar Poder Judiciário, Câmara dos Vereadores e, quem sabe, a Assembleia Legislativa, para dar destinação correta aos recursos da saúde, que não são poucos”, revela.
Para 2016, a Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê R$ 780,33 milhões destinados para a saúde pública de Cuiabá, uma média de R$ 65 milhões por mês. Segundo Eliana Siqueira, a folha de pagamento para os profissionais de Saúde de Cuiabá gira em torno de R$ 15 milhões. “Sobra cerca de R$50 milhões para o custeio de toda essa engrenagem. R$50 milhões para apresentar essa situação que temos em Cuiabá?”, indaga.
“Nós não achamos um circulo virtuoso para que nossas reivindicações se transformem em melhoria para a saúde. Isso que é necessário. Nós estamos denunciando a precarização da saúde, e precisamos que atitudes sejam tomadas para que o problema seja solucionado, e não judicializar o problema”, afirma a presidente.
Contudo, o Sindimed usa de recursos jurídicos para fazer valer a Lei Orgânica da Saúde, 8.080 de 1990, que diz que a saúde é um direito fundamental e o Estado deve “garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
“Nós temos inúmeras ações contra a prefeitura sobre insalubridade, sobre pacientes que estão no corredor. O Sindimed oferece suporte jurídico para pacientes com risco de morrer sem oxigênio, sem conseguir remédios. Já tivemos liminares favoráveis para os pacientes, e o município recorreu da liminar, e não cumpriu”, revela a presidente do Sindicato.
Para ela, a judicialização da saúde está sendo feita pela Prefeitura como uma forma de postergar a solução do problema. “Eles empurram com a barriga o problema. ‘Não vamos fazer nada’. Eles ficam nos acusando de não negociar porque estamos ilegais. Mas eles também estão ilegais com a gente em uma série de coisas que envolvem a vida das pessoas”.
A gestora afirma que os médicos estão empenhados em pressionar o executivo e outros poderes para que haja uma melhora significativa na saúde pública. “Nós iremos à prefeitura tentar falar com os gestores, e também ao Tribunal de Justiça para tentar sensibilizar o judiciário”.
A greve dos médicos está declarada ilegal por dois motivos: primeiro porque a gente não quer acordo, e depois porque já está judicializada. Mas quem não quer conversa são eles. “Não é que eles não conversam com a gente em greve, eles não conversam hora nenhuma”. Porque antes de a gente entrar em greve, fizemos uma assembleia na quarta-feira, para tentarmos ser recebidos pelo prefeito Mauro Mendes. Mandamos ofício e tudo. Não tivemos nenhuma resposta”.
DEMANDAS
Os médicos exigem melhores condições de trabalho, escala de plantões das unidades de urgência e emergência com preenchimento total de médicos e, ainda, a implementação do piso salarial nacional de R$ 12,9 mil, por 20 horas semanais, em vez do piso municipal que é de R$ 3,8 mil.
Os médicos denunciam que na policlínica do Pascoal Ramos, por exemplo, o paciente que precisar ser atendido na unidade na sexta-feira à noite padecerá, pois não há médicos na escala. E não é exclusivo daquela unidade. A Policlínica do Verdão também não tem médicos na terça-feira à noite.
De acordo com o Sindicato, ao todo, faltam 43 médicos para cobrir as escalas de plantões nas unidades de Urgência e Emergência. Para suprir parte da falta de médicos, a Prefeitura de Cuiabá realizou concursos público em 2015 e foram chamados cerca de 120 médicos. Contudo, segundo o Sindimed, menos de 30 médicos estão trabalhando na rede. Eliana Siqueira atribui isso à má remuneração e condições de trabalho.
O prefeito Mauro Mendes (PSB) já declarou a impossibilidade de reajuste salarial. “Não adianta me pressionar. Não é porque é ano de eleição que eu vou sair dando aumento, sem que o Município possa ter condições de pagar. Não vou fazer”.
CAOS
O Circuito Mato Grosso vem denunciando o caos que está a Saúde Pública em Cuiabá. Na edição 575 a reportagem foi ao Pronto Socorro para acompanhar a falta de recursos, e por consequência, de respeito do executivo para com a população.
A falta de insumos básicos que vão de água a medicamentos e até a limpeza do Pronto Socorro foram comprovados pela reportagem.
“A Saúde Pública é um caos cada vez maior, e está piorando. Existe um verdadeiro desestímulo para quem trabalha na área pública. O gestor está realmente inviabilizando o serviço público. No Pronto Socorro, por exemplo, tem pacientes que no momento mais difícil da sua vida ele está deitado no chão, com soro dependurado na parede. A Saúde Pública em Mato Grosso está um verdadeiro caos”, afirma o presidente do Conselho Regional de Médicina de Mato Grosso (CRM-MT), Gabriel Felsky.
E a falta de recursos se estende por toda a Rede Pública. Segundo a presidente do Sindmed, Eliana Siqueira, diabéticos que têm direito à insulina para o tratamento não encontram na rede a seringa para aplicar o medicamento.
“Não há seringa de insulina há meses. A insulina tem no posto, mas a seringa, não. Os pacientes estão tendo que pagar R$ 1 por seringa. O que acontece é que, para não gastar dinheiro, os pacientes muitas vezes reutilizando essas seringas, e correm risco de infecção. E uma infecção em um diabético é um problema grave”, denuncia.
SÃO BENEDITO
O Hospital São Benedito, criado para ser referência para as cirurgias de alta complexidade (neurológica, cardiológica, ortopédica e bariátrica) esta sendo subutilizado, segundo a líder do sindicato.
“Eles estão com três UTIs subutilizadas, e a gestão não tira nenhuma pessoa da sala vermelha do Pronto Socorro para por lá. Eles alegam que as UTIs de lá são apenas para pessoas que fizeram as cirurgias de alta complexidade do hospital. Só que, eles também prometeram 500 cirurgias por mês e não fazem nem 300”, alega a presidente.
Em entrevista recente o médico e diretor técnico do Hospital São Benedito, Huark Correia, disse que o hospital ainda não trabalha com 100% de sua capacidade – é preciso ainda por em funcionamento o primeiro andar – lugar destinado para cirurgias cardíacas.
Eliana ainda diz que o aparelho de hemodinâmica que estava no hospital já deveria estar em funcionamento. “Se não começou o funcionamento, desafoga. Nós estamos denunciando desde a primeira greve que o São Benedito não iria resolver os problemas do Pronto Socorro. Sendo que, 10% da renda de todo o dinheiro do município vai pro Hospital”.
Na estimava antes do lançamento do Hospital, dizia que a unidade gastaria em torno de R$ 7 milhões por mês, o que daria mais de 10% da verba destinada a Saúde Municipal, de R$ 65 milhões. O diretor do Hospital contesta a informação, e diz que média de custei mensal é de aproximadamente R$3,2 milhões.
OUTRO LADO
O Circuito mato Grosso entrou em contato com o desembargador responsável pela decisão do aumento da multa diária ao Sindimed, e ele preferiu não ponderar sobre o assunto, já que o processo ainda está tramitando.
O secretário de Saúde de Cuiabá, Ary Soares de Souza Junior, reafirmou nesta quarta-feira (23) a posição da atual gestão. “Estamos prontos a negociar. Em nenhum momento nos negamos a isso. Mas alguns profissionais continuam insistindo em não cumprir a decisão judicial”. Segundo o secretário, enquanto isso não acontecer não haverá negociação.
Em relação as reivindicações da categoria o secretario lembrou que mesmo estando judicializadas, a Prefeitura de Cuiabá não se nega a negociar. Com exceção no corte do prêmio saúde, medida que integra o pacote de contingenciamento determinado pela atual gestão, em razão das dificuldades financeiras.