A lua cheia – que a tudo ilumina e renova – chegou para banhar entre as grades da janela a cronista reclusa e encontrou uma mensagem:
“Me engana e diz que não enxergo bem, que a miopia rouba os contornos, tira a definição e deturpa as imagens que meus olhos insistem em registar.
Me engana! E explica que através das lágrimas não vejo o fim do tempo da delicadeza e da esperança.
Me engana e jura de pés juntos (mesmo que certamente com os dedos cruzados nas costas) que a brutalidade e a violência são apenas uma miragem incrementada pelo gás lacrimogênio. O gás jogado contra os que protestam por seus mais legítimos direitos, inclusive membros da mesma corporação.
Me engana e explica como as forças da lei atiram aqui! E ali retiram seus homens deixando os cidadãos a mercê da bandidagem…
Me engana afirmando que os que surrupiaram os sonhos, venderam nossa tranquilidade, tentam (inutilmente) sufocar a vontade de todos, não são os mesmos que hoje desprezam nossos direitos e tramam para vender o bem maior. Água é vida!
Me engana e diga que nós, que votamos obrigados entre o pior e o tão ruim quanto, somos os culpados por elegermos os bandidos que surrupiam nosso patrimônio depois de sugarem qual vampiros nossas riquezas.
Me engana, por favor, mais uma vez e afirma peremptoriamente que é legítimo, moral e ético!
Os mesmos vendilhões e aproveitadores responsáveis por abrirem a porteira da ladroagem, mandarem às favas a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovarem o RDC – Regime Diferenciado de Contratação, as LOAS e LDOS, Leis de Diretrizes Orçamentárias, se locupletando e incentivando a corrupção, são aqueles que (apesar de terem seus nomes citados nas delações premiadas de empresários corruptos, serem indiciados e covardemente protegidos pelo foro privilegiado de seus mandatos e, claro, também questionados por tretas mis) negociam a venda da CEDAE, a companhia de água e saneamento do Rio de Janeiro.
Me engana. Mas faz isso direito! Porque a minha, a nossa paciência está esgotada de tanta devassidão podridão. E, se depender da minha vontade não serei mais vítima de tanta vilania.
Serei seu algoz! Não tenho mais nada a perder…
Não me lembro de ter dado autorização para vocês venderem o meu futuro para pagarem os altos custos da incompetência e da falta de vergonha na cara.
Também não me lembro de ter passado uma procuração em branco para quem aprovou as suas contas e autorizou seus orçamentos megalômanos e descompensados. Portanto, não passei recibo nem dei moral para seus cúmplices abjetos.
Me engana, mas engana direito! Como foi feito com os órgãos que tinham a obrigação constitucional de defender e resguardar os interesses da Sociedade. Sigla, só siglas sem sentido e de pouca valia. A não ser na hora de levar seu “quero o meu”. Bancadas com os recursos dos impostos pagos pelo povo…
Me engana! E engana agora porque cheguei ao meu limite. Com todas as forças do meu conhecimento constitucional pleiteio um plebiscito para saber se o povo do Rio de Janeiro aceita entregar a CEDAE para pagar o rombo alheio.
Me engana, mas engana direito senão vou te devorar! Exatamente como você fez com os sonhos. Os meus e os de um povo inteiro!”
*Uma quinta-feira de TV ligada e a cronista (que estava quase concordando em se dar alta) teve um surto delirante. De seu reduzido espaço, entre as barras da janela, jogou a mensagem e a chave da cela para a Lua. Esta, depois de ler o recado, achou por bem não contrariar. Jurou guardar o tesouro e garantir a sanidade da amiga. Mas não resistiu. Distribuiu aos quatro ventos em todas as suas fases o desafio lançado da mensagem: Me engana!
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com