Jurídico

Mato Grosso tem mais de 7 mil ações contra a Secretaria de Estado de Saúde

Mato Grosso tem um estoque de mais de 7 mil ações judiciais em trâmite com pedido de atendimento pelo SUS, e pouco mais de 10% desse total teve decisão favorável. São exatamente 7.247 ações, que tiveram origem principalmente de demandas do município de Sinop (2.090). A maioria dos recursos é para atendimento em serviços já prestados pela rede pública.

Os dados são de levantamento da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) e englobam 82 municípios. Logo abaixo de Sinop, Cuiabá aparece com 1.377 protocoladas na Justiça Cível. As cidades correspondem a quase 50% do total de ações em trâmite. Os três municípios que aparecem a seguir, no topo dos cinco com mais demandas, têm estoque bem abaixo: Sorriso (396), Alta Floresta (355) e Várzea Grande (281).

Promotor  Alexandre Guedes

O promotor de Defesa da Cidadania do Ministério Público Estadual (MPE) Alexandre Guedes afirma que 95% das ações são para prestação de serviços já inclusos na rede SUS, mas que a incapacidade do Estado de suprir atendimento leva à busca de recurso exterior.

“Existem casos em que as pessoas pedem atendimento para serviços que não há no SUS, por exemplo, a disponibilização de alguns remédios. Mas 95% do que está em trâmite hoje são para serviços presentes na rede SUS, e isso é o mais grave porque mostra a incapacidade do Estado em gerir a demanda”.

Conforme balanço da Corregedoria Geral de Justiça, de 2015 até o fim do primeiro semestre deste ano, 755 ações foram deferidas liminarmente com determinação de atendimento urgente de pacientes. O ano de 2017 já tem 126 deferimentos.

Internações em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) ou UCI (Unidade de Cuidados Intensivos) são os tipos de atendimentos mais acatados pela Justiça. Somente em Alta Floresta (800 km de Cuiabá) foram 53 ações no período. O tratamento genérico médico-hospitalar teve 44 pedidos aprovados.

Em Várzea Grande, os mesmos tipos de atendimento foram realizados por determinação da Justiça 42 e 24 vezes, respectivamente, em igual período. Alta Floresta, Várzea Grande e Sorriso são os municípios com mais ações aprovadas – respectivamente 99, 91 e 73.

Esses números têm a tendência de crescimento. O assessor especial da Secretaria de Saúde (SES), Wagner Simplício, afirma que hoje o Estado tem uma média diária de dez notificações de decisão judicial para atendimento de pacientes. Somente de demanda represada (casos julgados e ainda não cumpridos) o volume atualmente é de 3 mil, quantidade que ele considera positiva em comparação ao estoque de 15 mil que a secretaria já alcançou.

“Estamos fazendo levantamento para saber qual é a situação real da judicialização da saúde em Mato Grosso. Porque as decisões judiciais são ‘fura fila’. Se pessoa está regulamentada (cadastrada e à espera de atendimento) e a Justiça defere uma decisão, nós depositamos o valor para o atendimento na conta de Justiça e é ela que lida com isso”.

Conforme Simplício, nos últimos anos cerca de 10% do orçamento anual da SES ficam bloqueados por determinação da Justiça; uma média de R$ 5 milhões por mês. Parte disso é referente a casos encerrados sem utilização do recurso da secretaria, mas não devolvido pela Justiça.

Promotor diz que saúde sofre com subfinanciamento e falta de gestão

O promotor Alexandre Guedes afirma que o subfinanciamento e a falta de gestão são os principais problemas de atendimento do SUS. Ele diz que hoje o Estado aplica o “mínimo do mínimo” previsto na Constituição Federal para, e nos últimos 15 anos a demanda para saúde cresceu, sem acompanhamento de revisão do financiamento público.

“Desde 2002, não há mudança no sistema de financiamento do Estado para o SUS. A demanda cresceu, mas o Estado continua aplicando o mínimo do mínimo necessário, não há prioridade para a área. A crise atual [no SUS em Mato Grosso] não é um efeito da economia, é um problema que iniciou lá atrás com subfinanciamento e falta de gestão”.

O promotor aponta “desperdício” de dinheiro como um agravante. Para ele, a falta de gestão aparece no resultado da CPI das OSS encerrada no ano passado pela Assembleia Legislativa. A comissão investigou contratos assinados pela SES com sete empresas filantrópicas para administração de hospitais regionais em Mato Grosso. Conforme o relatório final de investigação, Mato Grosso perdeu R$ 300 milhões entre 2011 e o primeiro semestre de 2016 com mau gerenciamento de hospitais por OSS.

Cinquenta e cinco irregularidades são apontadas pela CPI, algumas delas com indício de corrupção, por exemplo, 11 aditivos para somente um hospital gerenciado por um OSS.  O presidente da CPI, deputado Leonardo Oliveira, disse que essas contratações foram possíveis por direcionamento das licitações e por criação de lei estadual, em 2011, que possibilitou a contratação das Organizações de Saúde com precária análise técnica da gestão da rede pública em Mato Grosso. “Ou seja, existe subfinanciamento e do que é aplicado muito é desperdiçado”, pontua o promotor.

A SES admite que ocorre baixo financiamento pelo Estado para a saúde. Wagner Simplício diz que o mínimo necessário para gerir serviços deve ser de 14% orçamento estadual. E em uma estimativa mais positiva, esse percentual sobe para 20%. Hoje, o Estado direciona apenas 12%.

Hospitais cobram até 84% a mais em atendimento judicializado

A judicialização da saúde também abre brecha para a exploração de mercado por unidades de saúde. Auditorias realizadas pela Controladoria Geral do Estado (CGE) em atendimentos derivados de determinação judicial mostram que, em dois anos, os preços cobrados por hospitais e clínicas ficaram até 84% acima dos preços praticados no mercado. Os Relatórios de Auditoria nº 38/2016 e nº 43/2016 trazem esta constatação.

Conforme a Controladoria, em um processo, por exemplo, um hospital cobrou R$ 169.424 do Estado para a realização de revascularização miocárdica em um único paciente do SUS. O procedimento, porém, poderia ser realizado ao custo de R$ 25 mil. Para o mesmo procedimento em outros hospitais, a Controladoria constatou sobrepreço entre 84,53% e 66,38%.

Ainda conforme a CGE, a falta de informações e de documentos nos processos impede análise detalhada dos procedimentos médicos realizados via judicialização. Isso dificulta a comprovação dos serviços efetivamente prestados e o registro formal da despesa pública conforme as regras da Lei do Orçamento (Lei Federal nº 4.320/1964).

Em um caso usado como exemplo, a equipe de auditoria conseguiu avaliar apenas 51,82% de R$ 143.880 pagos em itens relacionados na fatura apresentada pelo hospital. Não havia documentos, como prontuários médicos, fatura detalhada e notas fiscais referentes aos serviços cobrados no restante da fatura.

“As empresas têm encontrado na judicialização alternativa para compensar os baixos valores de remuneração do SUS, mas aproveitando-se da situação emergencial e diante da falta de normatização de procedimentos”, pontua o relatório da CGE.

O assessor Wagner Simplício [branco] durante reunião com o Conselho 

SES diz que falta de normas possibilita sobrepreço

O assessor Wagner Simplício afirma que, em alguns casos, foi possível identificar que sobrepreço foi realizado por empresas já contratadas pelo Poder Público para atendimento que já deveria ser ofertado. Ele afirma que o maior encargo ocorre por falta de sincronização entre ações do Executivo e do Judiciário.

Simplício afirma que a SES estuda uma normalização com o Poder Judiciário que possibilite a estabelecimento de margens para cobrança mais real dos procedimentos.

“Sabemos das reclamações de preços baixos da tabela do SUS, mas também não podemos pagar o preço que a empresa pede. Se for para cobrar a mais, que haja um parâmetro de valores. Se o SUS paga pouco, então vamos negociar para pagar até cinco, dez vezes o preço da tabela do SUS, desde que se possa saber o que está sendo cobrado”.

Segundo o assessor, a cobrança exorbitante por hospitais via processos judiciais decorre da falta de comunicação entre a SES e o Poder Judiciário. “Nós não sabemos o que ocorre para a decisão da Justiça, e em alguns casos isso gera encargo para o orçamento. Por exemplo, alguns pacientes conseguem atendimento para remédio que não está na tabela científica de medicação aprovada, então não sabemos qual será o efeito”.

E isso, conforme o assessor, gera uma nova ação para o mesmo paciente em nova tentativa de tratamento.

Em setembro de 2016, o ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal) propôs a adoção de critérios na análise das ações judiciais que pedem acesso a remédios.  Por exemplo, o fornecimento de medicamentos importados por regime de exceção.

Redação

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